Pages

Monday, December 19, 2005

Desmontagem política VII

(cont.)

9. "Quando afirmo que o modelo liberal aumenta o foço entre ricos e pobres acho muito curioso que acuses isso de ser pura propaganda política. Mas já vi que não te vou conseguir convencer do contrário."

Sabes como é. Ter uma mentalidade científica implica trabalhar com dados experimentais e relacioná-los com as teorias (ou formular as nossas próprias). Que chamarias tu a uma teoria política que discorda dos resultados observados? Ou é uma religião ou é propaganda política. Também há a possibilidade de que seja ambas as coisas em simultâneo.

10. "No entanto, gostaria de focar apenas umas quantas questões que me levam a optar por um modelo social-democrático como o que existe, por norma, na Europa. As melhores Universidades estão sob a alçada do Estado. É certo que isto traz despesas, mas pelo menos asseguras a possibilidade de uma boa educação à maioria da população. Um serviço de saúde público, garante que toda a gente tem acesso a um Hospital quando precisar. Ao contrário do que acontece nos EUA que se te estiveres a esvaziar em sangue à frente de um hospital, mas infelizmente, não tens um seguro de saúde decente, da porta não passas. Estes são dois exemplos, mas poderia apontar-te muitos mais."

Se eu te der a escolher entre um sumo de laranja com 90% de água e outro com 80%, qual deles é o de melhor qualidade? O de 80%, evidentemente. Isso não significa que ele seja bom mas apenas que é o melhor. Assim sendo, que universidades europeias que estejam sobre a alçada do Estado são mesmo boas? E não vale a pena mencionar universidades britânicas porque o sistema é distinto do continental, para além da origem das universidades ser privada. A propósito deste mesmo assunto já Tony Blair (atenção: líder do Labour Party) tinha dito no Parlamento Europeu, em Junho deste ano, que:

"First, it would modernise our social model. Again some have suggested I want to abandon Europe's social model. But tell me: what type of social model is it that has 20m unemployed in Europe, productivity rates falling behind those of the USA; that is allowing more science graduates to be produced by India than by Europe; and that, on any relative index of a modern economy - skills, R&D, patents, IT, is going down not up. India will expand its biotechnology sector fivefold in the next five years. China has trebled its spending on R&D in the last five.

Of the top 20 universities in the world today, only two are now in Europe."

As duas universidades a que Tony Blair se refere são, evidentemente, Oxford e Cambridge. Escusado será dizer que, exceptuando as universidades britânicas, nenhumas outras se encontram ao mesmo nível. Ele não estava a inventar aqueles números. Uma rápida pesquisa no google revela dois rankings internacionais. Num deles, realmente, das 20 melhores universidades do mundo, 17 são norte-americanas, 2 são europeias (Oxbridge) e 1 é japonesa. Podemos até alargar os nossos números até às 40 melhores universidades do mundo até encontrarmos uma que seja da UE, sem ser britânica. Neste outro ranking, teriamos de contar as 60 melhores universidades do mundo até encontrar uma da UE não-britânica. O Times, no seu suplemento sobre ensino superior, refere também a sua classificação:

"American institutions occupied seven of the top ten places, with Oxbridge the highest-ranked outside the United States.

London's position as a centre of global educational significance was confirmed with four institutions in the top 50. The London School of Economics was 11th, Imperial College 14th, University College London 34th, and the School of Oriental and African Studies 44th.

The only European university outside Britain in the top 20 was the Federal Institute of Technology in Zurich, Switzerland, in tenth place.

(...)

France, by contrast, managed just two universities in the top 50, with the École Polytechnique in 27th place and École Normale Supérieure 30th. Heidelburg University, in 47th place, was Germany's only entry, one fewer than Hong Kong.

Britain was home to 18 of Europe's top 50 universities, and six of the top ten, but not a single institution from Spain, Portugal, Italy or Greece made the list. The United States had 62 of the top 200 universities, followed by Britain with 30, Germany 17 and Australia 14."

Eu entendo que seja frustrante ver isto mas, sinceramente, não me parece que a sensação das pessoas seja muito diferente da realidade expressa nestas tabelas. Qualquer pessoa minimamente informada sobre o meio académico conhece Harvard, Cambridge, Oxford, Stanford, MIT, Imperial College, Caltech, Princeton, etc. Não me parece que conheçam muitas universidades da Europa continental, excepto as históricas. Na entrada anterior, esqueci-me de mencionar isso mas até fora da notada Ivy League, universidades como o MIT, Stanford e Caltech são...privadas. Universidades que tenham mais calibre do que estas, é difícil de encontrar. E são americanas.

Quanto aos serviços de saúde americanos, não sei a que te referes mas aconselho-te a deixares de fumar essas coisas porque te fazem mal. Tanta conversa à Bloco de Esquerda está a fritar-te a mioleira. O governo federal americano gasta a mesma percentagem do PIB na saúde que o governo português, que é por volta de 6,6%, como o RAF referiu aqui. Não inventámos a estatísticas, fazem parte do Human Development Report 2005. Antes que me dês mais "exemplos", aconselho-te a leres este livro. Foi escrito precisamente para gente que pensa à Michael Moore (ou que verdadeiramente acredita no que ele diz). O sistema americano de saúde público tem, por exemplo, o Medicare e o Medicaid, por isso a tua crítica não faz sentido. Nem sequer faria se não existissem estes serviços. Apenas demonstras que não consegues conceber o funcionamento de uma sociedade sem a existência de um Estado que controla e coordena.

11. "Não acho, que a igualdade social só pode ser atingida em países onde todos são igualmente pobres. A igualdade social quase que é, no meu entender, hoje atingida na Europa. Com mais uns anos, vencer-se-ão as últimas barreiras e qualquer pessoa que nasça terá as mesmas oportunidades que outra pertencente a uma classe mais abastada. Note-se que defendo igualdade social, o que é diferente de igualdade de posses."
Não é uma questão do que tu achas. É uma questão de factos. Atingir a igualdade de rendimentos só é possível em países pobres. No entanto, já me disseste que não favoreces uma igualdade de rendimentos mas sim uma igualdade social. Não vejo qual é a diferença entre as duas. Se te referes a uma igualdade de oportunidades, essa também é impossível de atingir, mas por razões naturais. E, ainda que fosse, estaríamos muito longe de a atingir na Europa. Países com taxas de desemprego elevadas, preços altos e cargas fiscais enormes muito dificilmente podem oferecer qualidade de vida significativa ao contrário de outros, mais ricos (devido à troca livre de bens e serviços), onde as taxas de desemprego são inferiores e as oportunidades se multiplicam. Se por igualdade social, entendes dificuldades gerais em sobreviver, então sim, estamos a atingir uma igualdade social muito acentuada. Cada vez há mais pessoas na mesma situação por toda a Europa. Falta só um bocadinho mais de repressão para ultrapassarmos essa barreira.

12. "Quanto aos números que apontas em comparação da Suécia aos EUA, apenas posso dizer que esse estudo parece-me altamente tendencioso. De facto, é verdade que nos EUA há muito mais riqueza que na Europa. Mas há também uma percentagem maior de sem-abrigos, pessoas a viver no limiar da pobreza, enfim... Aconselho-te vivamente a reveres esses números. Não é por nada que a qualidade de vida na Suécia, assim como na Dinamarca, Holanda, França, Alemanha e mais países Europeus é largamente superior à dos EUA."

É o que todos vocês dizem quando confrontados com os dados estatísticos e a correlação entre eles. Querem acreditar tanto num ideal de sociedade socialista (casi-)perfeita que até negam a realidade. Eu não tenho de rever números nenhuns. Se alguém tem de rever alguma coisa és tu porque nem pareces ter sequer lido o estudo que te indiquei - os dados estão lá para ser assimilados, embora a ideia nem sequer fosse comparar os EUA com a Suécia mas sim com os estados europeus em geral - e devias, de acordo com aquilo que tens estado a defender, refutá-lo com argumentos lógicos ou dados estatísticos que comprovem aquilo por que te bates. Dizer-me a mim para "rever esses números" é uma posição de arrogância intelectual. Assumes a priori que tudo está errado (ou melhor, é "tendencioso") e dizes-me a mim, que te apresentei os dados, que os reveja. Estamos a discutir um assunto com dados e factos ou histórias da carochinha?

Relativamente aos países nórdicos, nem deveria necessitar de fazer esclarecimentos, já que o tenho feito mais do que uma vez aqui. No entanto, mais uma vez, é premente, por força, voltar a esclarecer o assunto. Um documento recente do Institute of Economic Affairs, assinado por um sueco, reza o seguinte:

"Sadly for these journalists — and for Sweden — their descriptions couldn’t be further from the truth. Yet their descriptions are quite typical: few comprehend the full scope of the problems with the Swedish welfare state.

First, unemployment is not at all low. The official rate stands around 6 percent, which is just above normal for a market economy. But according to the trade unions, which are intimately connected to the Social Democratic government, the real — and hidden — level of unemployment rises above 20 percent. Out of a population of nine million people, over one and a half million healthy Swedes have chosen not to enter the labour market and live on welfare instead.

The Swedish labour market is rigid and regulated, and the real significance of the ‘magic’ pact between the state, employers, and the workforce to which The Guardian refers is an order where the state takes away every right from the employer and gives those rights to his or her employees instead. Companies do not dare to hire new staff; because of labour legislation, it is impossible to get rid of them. There is no doubt that this is a major reason for Sweden’s mass unemployment.

And second, while Sweden’s growth (around 3 percent) is above the European average, it is still relatively low. If Sweden were a state in America today, it would be the fifth poorest. Even more, the total tax pressure is 63 percent."

Se, no entanto, estiveres interessado num estudo comparativo, porque os países nórdicos têm vindo a desmantelar o seu Estado Social de décadas anteriores, volto a referir aqui um estudo que havia sido publicado pela Timbro, um think tank sueco (tendencioso, não?) acerca da evolução do modelo escandinavo e da idolatria da qual geralmente é alvo:

"Few social experiments have caught the imagination of politicians and students of political economy like the ‘Swedish model’. To successive generations of the centre left searching for their own “Third Way” Sweden was something of a paradise. This exotic Nordic country was a kind of real-life Utopia, an idyllic country, full of beautiful people with a Social Democratic government which worked, a nation combining high rates of economic growth with unprecedented levels of equality. This was a view largely shared by the Swedes themselves. For 50 years or so after the 1930’s, it really appeared that you could have it all, a high rate of growth, low levels of unemployment and an unparalleled system of social welfare. But the Swedish model was not to survive the challenges that new times and its own development were to raise. At the beginning of the 1990’s, after almost two decades of increasing problems, the Swedish Model collapsed. A difficult time of high unemployment and fiscal crisis became the everyday reality of the Swedes. This was a mortifying experience for a people that for many decades had known nothing of that kind. Confusion was widespread, but even the Swedish clouds have a silver lining. In the middle of the deepest crisis the country had experienced since the beginning of the 1930’s, rethinking and reappraisal ensued. This was the start of a quite amazing process of change that is transforming Sweden, leaving behind the old monopolistic tutorial state1 and opening the gates to a welfare society in which the state is no more the patronising state of the past but what I would like to call an enabling state, open to civic initiatives, individual choice, and cooperation with the private sector."

O estudo é longo - tem dezenas de páginas - mas é altamente recomendado a todos os que continuam a cantar despreocupadamente a superioridade do modelo nórdico, que se vai despedaçando por si próprio. (Disponível também em castelhano, se mais apropriado). Uma rápida análise das economias finlandesa, dinamarquesa e islandesa permite também entender que nos últimos anos todas estas têm sofrido remodelações muito fortes ao nível das condições de mercado (de resto, como a própria Irlanda), segundo o caminho da desregulação do mesmo, privatização de sectores públicos, redução de impostos (casos extremos, como o escalão máximo de IRS, que era de 59% na Dinamarca e passou para 30%, ou de 49% para 31% na Islândia) e abertura a investimento estrangeiro. É só ler. Quem não se informa, não pode compreender o mundo. Gostaria de te recomendar outro artigo de Johan Norberg (outro sueco, tendencioso...) sobre a relação entre a globalização e a pobreza.

Sem-abrigo existem em todo o lado mas, é nos EUA, comparativamente a muitos países europeus, que é mais fácil sair da pobreza. Aliás, como diz José Carlos Rodríguez aqui, a pobreza quase não existe nos EUA, se a definirmos em termos absolutos. Aquilo que tu chamas de limiar da pobreza varia de país para país e é um conceito puramente relativo. A vossa obsessão constante por clamar "igualdade" tolda-vos o pensamento. A igualdade é impossível. O que é possível é permitir que cada vez menos pessoas sejam pobres e a forma mais eficiente e viável de o fazer é através do capitalismo. É uma questão de lógica, ainda que os dados estatísticos falem por si mesmos:
"The Census Bureau reports that 35.9 million persons "lived in poverty" in 2003. To understand poverty in America, it is important to look behind these numbers and examine the actual living conditions of the individuals the government deems to be poor. For most Americans, the word "poverty" suggests destitution--an inability to provide a family with nutritious food, clothing, and reasonable shelter. Yet only a small number of the millions of persons classified as "poor" by the Census Bureau fit that description. Although real material hardship certainly does occur, it is limited in scope and severity. Most of America's "poor" live in material conditions that would be judged as comfortable or well off just a few generations ago."

E, os números (lamento, a fusão de idiomas):

- El 46% posee la casa en la que vive, de media de tres habitaciones con un baño y medio, un garaje y un patio o un porche. La casa media de una familia pobre estadounidense es más grande que la media del conjunto de los europeos. Sólo el 6% de las casas del 12,5% de las familias a las que el Estado llama pobres están hacinadas (con más de una peersona por habitación). Más de dos tercios tiene dos o más habitaciones por persona.

- El 76% tiene aire acondicionado, en contraste con el 36% de la media de todos los estadounidenses, hace 30 años.

- Casi tres de cada cuatro familias pobres posee un coche, y el 30% dos o más.

- El 97% tiene televisión en color. La mitad tiene dos o más.

- El 78% tiene un vídeo o un DVD y el 62% televisión por cable o satélite.

- El 76% tiene microondas, más de la mitad una cadena stereo y un tercio un lavaplatos.

Referindo novamente o artigo do RAF em que ele afirmava, ironicamente:

"(...)a população que se situa no último patamar de rendimento (10% mais pobres) nos EUA dispõe de 1,9% do rendimento total, em Portugal, dispõe de 2,0% do rendimento total, ora, como nos EUA o PIB per capita é 2,7 vezes maior, isto significa que, em termos relativos, os nossos pobres são tão pobres como nos EUA, mas em termos absolutos, são muitissimo mais pobres!? Não pode ser!

(...)

Bem, isto em termos agregados significa o quê? Que Portugal tem um nível de desigualdade semelhante aos EUA (40,8 contra os 38,5 no indice Gini). Sim, em termos relativos, mas com uma ligeira diferença: o PIB per capita nos EUA é quase o triplo...

(...)

os números falam mais alto: é bem pior ser pobre em Portugal que nos EUA: a distribuição da riqueza é semelhante, com a diferença que o PIB per capita é quase três vezes superior"

Ainda em relação à "elevada qualidade de vida" dos outros países europeus, apenas te posso dizer que França e Alemanha têm uma taxa de desemprego superior a 10%. Os preços dos seus produtos são, maioritariamente, elevados, o que não acompanha o crescimento da sua economia (comparando-a com o Reino Unido, Irlanda, Luxemburgo, etc...), afectando isso directamente o poder de compra dos cidadãos. Um exemplo muito interessante dessa grande qualidade de vida foram os 15.000 mortos em França, devido à onda de calor que passou pela Europa em 2003. Há fortes razões para acreditar que nos EUA, onde a número de "pobres" com ar condicionado ronda os 65-75%, nada tão catastrófico alguma vez teria acontecido. O furacão Katrina foi um bom exemplo disso - "apenas" 1 milhar de pessoas morreu, mesmo quando a imprensa sensacionalista dizia que o a taxa de mortalidade seria, no mínimo, 10 vezes maior. Quanto à Holanda, gostava que me dissesses se achas que, por acaso, o facto de a Holanda ser um dos países com maior liberdade económica (medidas dos anos 80) da Europa Central tem algo que ver com a sua taxa de desemprego ser quase metade do eixo franco-alemão e o seu PIB per capita superior ao de ambos (?!)

Última recomendação relativamente a este assunto. Qualquer comentário que faças deverá passar por contradizer os referidos estudos que demonstram que a redução absoluta da pobreza se correlaciona posivitamente com o crescimento económico de um país e o seguinte gráfico, elaborado pela Heritage Foundation, que correlaciona positivamente o dito crescimento com a liberdade económica respectiva da sua nação.



(cont.)

No comments: