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Friday, December 02, 2005

Portugal II



Quando, há uns anos atrás, Aznar subiu ao poder em Espanha, fez um discurso em que dizia que iria visitar os dois vizinhos: França e Marrocos. Na altura, levantaram-se uns comentários que andavam entre o medo da anexação e o medo da indiferença. Quando Espanha fala de Portugal, é porque está a pensar em anexar ou invadir. Se Espanha não fala de Portugal, repentinamente, os portugueses sentem-se órfãos e relegados à indiferença. Esta situação com Aznar, certamente um lapso, misturava os dois casos. Se, por um lado, Portugal já não era vizinho de Espanha, das duas uma: ou já era parte de Espanha ou simplesmente era tão insignificante que Espanha (na voz de Aznar) já nem considerava a sua própria existência.

Ontem, ouvi Sócrates dizer que o Magreb era o vizinho mais próximo de Portugal. Das duas uma: ou Espanha é parte do Magreb ou, simplesmente, é tão insignificante que Portugal (na voz de Sócrates) já nem fala da sua existência, embora há uns meses tenha dito que as três primeiras prioridades de Portugal eram Espanha, Espanha, Espanha.

Ficamos pois, nesta triste idiotice provinciana. Um português não pode ser amigo de um espanhol porque é traidor. Um espanhol não pode ser amigo de um português porque é interesseiro. Os espanhóis, essa corja, são todos uma cambada de líderes de uma conspiração colectiva para invadir Portugal. No entanto, todos os dias, dezenas de portugueses viajam para o outro lado da fronteira para fazer compras, para abastecer os carros ou simplesmente para passear, já que tudo é mais barato e os serviços até são melhores. Há quem diga até, pasmo!, que os espanhóis são pessoas afáveis. Sacrilégio.

Um ódio visceral aos americanos, franceses, alemães ou russos é quase normal, comparado, porque se apresenta um fundamento, independentemente de quão forte é ele. "Os americanos pensam que são os donos do mundo". "Os alemães permitiram a ascensão do nazismo". "Os russos eram todos comunistas ferrenhos".

Mas e Espanha? É odiada porquê? Porque "os espanhóis são feios e falam espanhol", como dizia um colega meu? Porque, por obra do destino, dois reis de Espanha tinham linhas de sucessão dinástica em Portugal e isso implica uma invasão? Então, porque nunca se fala com ódio dos franceses e das invasões napoleónicas? Ou dos ingleses e da sua permanência em domínio português? Ou das incursões holandesas em colónias lusas? Se os portugueses querem usar a História como argumento, porque se vão meter com um país com o qual praticaram o mesmo género de coisas, incluindo os negócios nas políticas de casamentos reais?

Importam-se de parar com as puras hipocrisias de merda? Se, de Espanha, nem bom vento nem bom casamento, porque insistem em chamar-lhes nuestros hermanos? Se odeiam Espanha, sejam minimamente coerentes e PAREM de ir a Espanha comprar coisas. Quando dizem que preferem as laranjas portuguesas às espanholas (as espanholas, claro, são todas sebosas, ácidas e sem qualidade), comprem mesmo as portuguesas, elas até são 2 ou 3 vezes mais caras e muitas vezes piores ainda! Mas ao menos não são espanholas, que vantagem magnífica! Agora, não digam isto à senhora do lado para, no dia a seguir, fazerem o contrário do que disseram. Parem de passar férias em Espanha. Parem de olhar de nariz empinado para quem nunca foi a Espanha. Parem de falar mal da invasão económica espanhola para depois serem servidos por empresas espanholas, com boa qualidade, e no fim dizerem que eram espanhóis, com ar de desprezo.

Acima de tudo, parem de se fazer passar por amigos quando na verdade estão a rogar uma praga. Isso é da mais pura combinação de canalhice e cinismo que existe à face da Terra.

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