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Sunday, July 31, 2005

93 anos de um prémio Nobel

Digam o que disseram os fanáticos socialistas e outros energúmenos de esquerda militante, o currículo profissional deste homem não deixa margem para dúvidas como se pode constatar neste Curriculum Vitae. Uma vida com sucessos dignos de fazer inveja a qualquer académico.

Um verdadeiro Chicago Father, fazendo jus ao nome das gerações seguintes de economistas que foram influenciadas pelas suas obras enquanto construtor daquela que é normalmente conhecida como a “Escola de Chicago”.

Muitos Parabéns pelo seu aniversário, Prof. Friedman. E muito obrigado pelo seu legado.

Friday, July 29, 2005

Ano de matrícula - 1984

Governo vai criar BI electrónico para veículos

O Governo pretende criar um sistema de identificação electrónica para veículos, arrancando ainda este ano com o concurso para a escolha da tecnologia a utilizar, anunciou, na quarta-feira, o secretário de Estado Adjunto e das Obras Públicas, Paulo Campos.

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Parece que o Governo não está simplesmente contente com a ideia de implementar uma base de dados genética e decidiu também aplicar essa realidade aos automóveis – Huxley é insuficiente, adicionemos um pouco de Orwell. Argumentos? Os típicos: segurança, desburocratização, civismo Resultados? Maior controlo do Estado sobre o cidadão e um número maior de desculpas para aumentar a despesa pública.

Aprendam porque, ao passo a que as coisas caminham, os liberais não durarão para sempre: a retenção de informação por parte do Estado só beneficia o próprio Estado. Quanto ao cidadão, apenas é prejudicado, quer por uso indevido dos seus perfis quer pelo aumento dos custos governamentais que se reflectem sempre nos impostos e noutras taxas "mais indirectas".

A verdade é que se o próprio Orwell ressuscitasse hoje, morreria novamente. E desta vez não seria de tuberculose.

Comutação de propriedade?

Partidos movimentam-se em defesa de 'O Comércio do Porto'

(...)

A esta questão não tem estado alheia a proximidade das autárquicas. Os adversários políticos de Rui Rio (PSD) têm-se manifestado publicamente em defesa do jornal, criticando as escusas do actual presidente da câmara em desenvolver esforço para travar o eventual encerramento.

(...)

Francisco Assis, o candidato socialista, reuniu-se ontem com a direcção do diário e apelou aos empresários do Porto e à cidade para que segurem o título. O líder da distrital do PS/ Porto co-responsabiliza várias câmaras da área metropo- litana por não manifestarem a sua posição, visando em particular Rui Rio, que, em seu entender, "se desligou completamente da questão".

(...)

Para o bloquista, esta iniciativa pode, "pelo seu carácter simbólico, mostrar que estamos atentos e valorizamos aquilo que o Comércio representa" "um exemplo de pluralidade, atento ao jornalismo de investigação, que está a renovar-se e precisa de tempo para apresentar resultados", afirmou.

(...)

O líder da distrital do PSD/Porto, Marco António Costa, também declarou a sua preocupação, lamentando que a Prensa Ibérica "trate um jornal centenário como se de uma mercearia se tratasse".


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O meu respeito pelo Comércio do Porto (que nunca li) mas que sei ter colaboração com o Blasfémias como pode ser visto aqui. No entanto, a minha pergunta é simples. Após ler esta notícia fiquei a pensar, afinal quem é o proprietário d’ O Comércio do Porto? A Prensa Ibérica ou certos partidos políticos?


Thursday, July 28, 2005

Déjà vu?

Governo anuncia auditoria conjunta a todos os ministérios

Afinal, os ministérios vão ser avaliados em simultâneo e não dois a dois como o Governo anunciou inicialmente. O secretário de Estado da Administração Pública, João Figueiredo, revelou esta quinta-feira, no Parlamento, a nova metodologia para auditar os ministérios.

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É impressão minha ou foi assim que Salazar começou?

Wednesday, July 27, 2005

RIP

RIP dominam exportação

Noventa e cinco por cento dos lixos exportados legalmente no ano passado eram resíduos industriais perigosos (RIP), num total de 111 510 toneladas. Destes, 11 818 toneladas saíram do País com destino a processos de valorização, enquanto 99 693 tiveram como fim a eliminação em aterro ou a incineração. Números que fazem parte do último relatório anual do Instituto de Resíduos, relativo a movimentos transfronteiriços, ainda não publicados. Em relação a 2003, verificou-se um aumento na exportação de RIP na ordem das 22 360 toneladas. Um valor que deverá sofrer reduções drásticas quando entrarem em funcionamento os Centros Integrados de Recuperação, Eliminação e Valorização de Resíduos Perigosos e a co-incineração. Restarão para exportação os materiais organoclorados, PCB e pesticidas.
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Quando vi isto fiquei a pensar durante uns segundos se os editores do DN não se teriam confundido com as funções sintácticas e a morfologia das palavras, e em vez de "RIP dominam exportações", talvez quisessem dizer algo do género "Exportações dominantemente RIP"?


Façam as vossas apostas

Portugueses "campeões" do Euromilhões

Já apostaram 626 milhões de euros no jogo

Os portugueses são quem mais aposta no Euromilhões, que funciona em nove países da Europa. Portugal está no primeiro lugar no montante de apostas: 626 milhões de euros, ao longo dos últimos nove meses.


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Parece mentira mas é verdade. Certamente não tenho eu autoridade nenhuma (nem quero ter) para dizer a muitos portugueses que andam por aí que aproveitem melhor o seu dinheiro. Afinal de contas, é sua propriedade privada e cada um faz (ou devia fazer) o que muito bem entender com o seu próprio dinheiro.

Não deixa de ser curioso, no entanto, o facto de que sendo Portugal o pais que participa no Euromilhões que tem a maior crise económica, obtenha o primeiro lugar na classificação de apostadores, junto dos restantes países europeus. Fica-se com a sensação de que os portugueses nunca souberam, realmente, aplicar muito bem as suas economias, nem geri-las com muito sucesso. É um caso quase semelhante aos milhares de famílias endividadas devido às facilidades de crédito a que os portugueses decidiram acorrer na década passada – um pouco como aqueles créditos por telefone que agora andam aí dizendo que dão dinheiro na hora mas em que depois é necessário pagar quatro vezes mais aquilo que se pediu.

No fundo, isto continua a revelar um grande sebastianismo da população. Quando falamos com alguém a pessoa certamente dirá que as coisas estão más (embora não reconheça as suas causas), tendo no entanto uma réstia de esperança que é representado, não pela sua capacidade individual de melhorar a situação mas na crença de que algo irá ajudar a fazê-lo. É um pouco como o Euromilhões. Grande parte do país está em crise económica. O investimento estrangeiro caiu a pique durante 2004 – os estrangeiros fogem agora a sete pés (algo que em alguns sectores da população será sempre estupidamente bem visto) – as taxas de juro ameaçam aumentar e os impostos sobem quando o país já está numa situação instável. No entanto, aqui está a prova. Entre todos os países que participam no Euromilhões, Portugal destaca-se pela sua crença no sistema de apostas. Todos os países participantes possuem um PIB per capita superior ao português, coisa que ninguém esperaria diferente. Na verdade encontram-se na lista de apostadores o Luxemburgo, que é o país com o maior PIB per capita do mundo e a Suiça, que é apenas o segundo país mais rico por habitante da zona euro. A situação é pertinente. Todos os países participantes situam-se entre os primeiros 25 do mundo, à excepção de Espanha (39º) e Portugal (54º).

Portugal necessita urgentemente de uma educação em economia. De outra forma não seria normal ser atacado por ser liberal, algo que acontece todos os dias. De outra forma, não seria necessário explicar a toda a gente que se somos de direita, não apoiamos Salazar e que se somos anti-socialistas, não somos fascistas. É obvio que os portugueses não sabem o que dizem. E é obvio que esta é a razão pela qual, quando se procura qualquer coisa na google, se vai sempre parar a um blog de “esquerda”. Não haveria necessidade de ferver o sangue todos os dias porque toda a gente à nossa volta é socialista nem haveria uma necessidade tão grande de ligar todos os blogs liberais entre si porque, simplesmente, as pessoas teriam um espírito mais empreendedor e reconheceriam o seu direito a gerir a sua propriedade como um direito fundamental.

Todavia, muitos portugueses continuam a desprezar que o Estado lhe retira injustificadamente os seus ganhos e que existem, simplesmente, maus investimentos e negócios falidos à partida. Outro grande exemplo disso é a falta de perspicácia empresária que consiste em abrir uma pastelaria numa rua onde já existem três. Vi casos semelhantes vezes sem conta e depois tive que ouvir os proprietários a queixar-se de que “isto está mau” e que “não rende ter um negócio aberto”. Antes de mais, é preciso – uma vez que esta inteligência parece não ser intrínseca – educar as pessoas para a gestão de qualidade do seu dinheiro e para ter olho quanto aos investimentos. Saber dar o valor devido ao seu dinheiro.

Os liberais não seriam bodes expiatórios da comunicação social para tudo o que de mal acontece no mundo (essas “tendências neoliberais imperialistas de capitalismo selvagem neocolonialista”) nem tanto dinheiro seria desperdiçado inutilmente.


Quase parece que os portugueses têm pouco conhecimento do ramo da matemática que trata de estatística e probabilidades no que toca aos jogos de azar. Quanto mais indivíduos jogarem, mais difícil é que o prémio saia mas, como diria qualquer um, “se não jogar é que não sai mesmo, não é?”.

Tuesday, July 26, 2005

Adeus, economia submersa, até depois!

Estado recuperou 91 milhões de euros em dívidas à Segurança Social

O Estado recuperou mais de 91 milhões de euros em dívidas atrasadas nas contribuições para a Segurança Social, anunciou hoje o Governo. Do lado dos beneficiários, as acções de fiscalização permitiram uma poupança calculada em oito milhões de euros.

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Talvez assim já se possam aumentar os ordenados dos pobres políticos, gestores de empresas públicas e zelosos funcionários públicos que ganham salários reduzidíssimos? Ou talvez aumentar o número de empregados. Há que combater o desemprego!

Afinal de contas são apenas 20% em termos de percentagem do PIB, ali mesmo colados aos países nórdicos e à França.

(Será que se lembraram de cobrar os impostos em atraso ao novo ministro das finanças?)

Monday, July 25, 2005

Ainda a base de dados

Um comentário, que considerei de grande relevância, enviado pessoalmente por M. De la Torriente quanto ao assunto previamente discutido acerca da base de dados genética em Portugal. Achei digno de publicação. Muito obrigado pela colaboração!

“Base de dados genética…pedida por quem?”

Por quem tem os portugueses na mão.

Governos de qualquer cor politica aí (…há realmente mais do que uma cor?), com a mesma constante; é sempre um estado regulador e opressivo, que mantém um controlo enorme sobre toda a vida do país, sobre como pensam e se comportam os cidadãos. E esse nível de controlo chega ao ponto em que se torna impossível o pensamento crítico por parte da população.

Estes sistemas não são novos e sempre provaram ser muito eficazes para evitar todo o tipo de reacções; conseguem não só que não se questione o governo – como o Estado em si – mas também toda organização do país, que fica constituida como algo intrínseco à sociedade. Isto é, o sistema e a sociedade que controla são uma simbiose, e os cidadãos, ainda que renitentes em admiti-lo, sentem-se, e na realidade delatam-se, como parte desse sistema na sua vida diária. Em nada se manifesta melhor este feito do que a uniformidade ideológica que prevalece no país.

Apenas isto explica o que noutras circunstâncias seria uma estranha falta de reacção por parte da sociedade portuguesa perante o que pode ser o atentado mais sério contra os seus direitos civis, um atentado que é contrário a todo o estado de direito e é único entre os países ocidentais.

Poderíamos dizer aqui que apenas a falta de informação está a evitar a reacção normal por parte da população mas isso apenas o explicaria em parte. Porque uma ameaça de tal calibre teria chegado já a todos os centros de opinião em Portugal. E de facto assim foi, tendo sido recebida mais com indiferença o até com entusiamo como pudemos ver na entrevista.

Ainda assim, há que tentar alertar aqui no que possamos os poucos que ainda seguem “despertos” no país. Se é que ainda há esperança.

O primeiro, e mais importante, nenhum governo tem o direito de fazer isto; sob nenhuma lei que queira inventar. Qualquer medida assim tomada é contrária aos direitos mais fundamentais dos indivíduos, é, obviamente, totalmente contrária à privacidade, e pode dizer-se que equivale a entregar ao governo a pessoa em si. De facto – e não estou a tentar dizer que nada assim se passaria mas, e é importante para que entendam até que ponto é transcendente – podiam clonar as pessoas num futuro próximo. Volto a sublinhar que não há razão para pensar que nada assim se passaria mas isso dá uma ideia da envergadura do que se está a entregar. É toda a informação para construir cada pessoa. O mapa genético é precisamente isso. Para não falar de que teriam o ADN em si mesmo.

Mais informação, conclusões do congresso dos Estados Unidos sobre as bases genéticas:

(1) The DNA molecule contains information about one's probable medical future, and this information is written in a code that is currently being broken at a rapid pace.

(2) Genetic information has a history of being used by governments to harm individuals.

(3) Genetic information is uniquely private and personal information that should not be collected or disclosed without the individual's authorization.

(4) The improper use and disclosure of genetic information can lead to significant harm to the individual, including stigmatization and discrimination in areas such as employment, education, health care, and insurance

5) An analysis of an individual's DNA provides information not only about an individual, but also about that individual's parents, siblings and children, thus implicating family privacy.

(6) Genetic information is uniquely tied to reproductive decisions which are among the most private and intimate decisions that an individual can make.

(7) Current legal protections for medical information, tissue samples, and DNA samples are inadequate to protect genetic privacy.

(8) Uniform rules for the collection, storage and use of identifiable DNA samples and private genetic information obtained from them are needed both to protect individual privacy and to permit legitimate genetic research.

E ainda:

Dr. Paul R. Billings is chairman of the Council for Responsible Genetics, a Massachusetts-based public interest group. He said the new Stanford report is important because "these are very highly qualified biostatisticians" who show that there are strategies "that result in a situation where anyone with a limited amount of genetic information about a person can find very intimate information about that person."


SOURCES: Russ B. Altman, M.D., Ph.D, professor, genetics and medicine, Stanford University School of Medicine, Palo Alto, Calif.; Paul R. Billings, M.D., Ph.D, professor, anthropology, University of California, Berkeley; July 9, 2004, Science

O governo merece tanta confiança cega? Pode o governo de um país que se estima a si mesmo como um estado de direito fazer algo assim?

Neste momento apenas os governos da Estónia, Terranova, China, Singapura e Tonga estão a pensar em trabalhar em bases de dados genéticas e ainda nesses casos duvido que sejam bases genéticas forçadas a nível nacional como a que se quer implementar em Portugal…nesta mesma legislatura.

M. De la Torriente

Sunday, July 24, 2005

If the russians love their children too

Rússia lança novas zonas económicas especiais

O Governo russo pretende criar em 2006 até uma dúzia de zonas económicas especiais e parques tecnológicos para diversificar a economia, atrair investimentos e desenvolver tecnologias de produção avançadas.

O ministro do Desenvolvimento Económico e Comércio, Herman Gref, disse à televisão russa que o presidente Putin promulgou sábado a lei de criação de zonas económicas livres, que classificou como «acontecimento muito significativo».

(…)

A nova lei prevê a criação a partir de 2006 de zonas especiais industriais e de zonas especiais tecnológicas, que deverão atrair investimento russo e exterior através da concessão de benefícios fiscais e de exigências burocráticas mínimas para constituir uma empresa.

(…)

As empresas que operem nas zonas económicas especiais ficarão isentas de direitos de importação e exportação, não pagarão impostos sobre a propriedade e sobre o solo por cinco anos e terão reduções entre 14 e 26% da taxa social única.

Herman Gref adiantou que o governo russo admite aumentar os benefícios fiscais se, depois de um prazo experimental de dois ou três anos, concluir que os actuais são insuficientes.

(…)

Previu que as zonas especiais ajudarão a criar mais postos de trabalho e permitirão às regiões obter fundos para o seu desenvolvimento, indicando que numa primeira fase serão criadas cinco ou seis zonas especiais industriais e outras tantas tecnológicas, escolhidas entre as três dezenas de projectos apresentados por regiões da Rússia ao governo.

- - -

É esta a mais significativa vitória do capitalismo. A de que contra factos não há argumentos, independentemente das ideias que cada um possa ter. Não é uma questão de ideologias mas de objectividade constatável.

Quem diria que eram russos há umas décadas atrás?

Thursday, July 21, 2005

Ordenados e Reformas

Tendo em conta a conjuntura económica da nação há algumas notícias que não deixam de ser interessantes:

Ministro das Finanças acumula reforma com ordenado do Governo

O ministro de Estado e das Finanças acumula o seu ordenado com a reforma do cargo de vice-governador do Banco de Portugal. Luís Campos e Cunha recebe por mês, no total, cerca de 15 mil euros – oito mil de reforma e 6759 por ser ministro.

Salários milionários no Banco de Portugal

Os vencimentos do Governador do Banco de Portugal, Vítor Constâncio, e dos restantes administradores são definidos por uma comissão presidida pelo ministro das Finanças. Salários que, segundo valores já publicados, custam anualmente à instituição pública cerca de 1,532 milhões de euros.

De acordo com notícias divulgadas, os vencimentos do governador e restante administração rondam os 1,532 milhões de euros por ano. Vítor Constâncio tem um ordenado de 19 mil euros por mês, enquanto os administradores Silveira Rodrigues e Rodrigues Pessoa auferem 19 500 euros, que acumulam com pensões

Novo ministro não entregou declaração de rendimentos

O recém-empossado ministro das Finanças não entrega a declaração de rendimentos e património, a que está obrigado, desde o ano 2000, apurou a Renascença.

São estes mesmos senhores (salvo seja) que pedem ao país sacrifício, que declaram um estado de austeridade e que dizem que os portugueses necessitam de apertar o cinto uma vez que a nação está de tanga. Discutem-se responsabilidades e trocam-se culpas (a chamada negligencia crónica). Aglutinam-se ordenados astronómicos com reformas múltiplas e chorudas.

Se estes “senhores" se preocupassem com o verdadeiro estado da nação, i.e., se não fossem socialistas, não teriam ordenados 50 vezes superior ao ordenado mínimo. No entanto, os discursos, esses sim, da tanga, continuam e quem os paga são os contribuintes. Note-se o aumento de impostos que vai, teoricamente, ajudar as contas do Estado (e quem se preocupa com o impacto nas contas dos portugueses?).

Se alguém tem que pagar impostos que sejam os governantes e governadores. Afinal, usando a típica retórica socialista, são eles que podem fazer mais sacrifícios financeiros, ou não é assim?

Solução para trazer prosperidade económica a Portugal: desmontar o Estado. Problema resolvido.

Saturday, July 16, 2005

Dá-me o teu ADN, dir-te-ei quem és

Publicado, em versão adaptada e actualizada, na revista "Atlântico" em Outubro de 2005

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Base de dados genética…pedida por quem?

Surpreendentemente, e apesar de ser de início uma ideia tão idiota e surrealista, o governo socialista afirma agora, pela voz de Alberto Costa, que efectivamente planeia encaminhar a nefasta e infortunada ideia de criar uma base de dados genética em Portugal cuja polémica já havia sido desvendada pelo anterior executivo.

Para quem nunca ouviu falar do assunto, é fácil explicar. O ADN (ácido desoxirribonucleico) é algo que, sendo comum a todos os seres humanos, distingue cada um deles devido à sua complexidade. Existe uma estrutura comum a cada uma das espécies mas, no seio de cada uma delas, existem pequenas variações que fazem de nós indivíduos distintos. Uma vez que somos todos diferentes isso significa que temos um ADN distinto, sendo a única excepção a dos gémeos homozigóticos (correntemente designados “gémeos verdadeiros”), o que permite identificar cada um de nós, através de uma técnica conhecida como DNA fingerprinting, com um nível de precisão estatisticamente infalível.

A minha intenção não é a de dar uma palestra de biologia molecular ou genética e, por essa mesma razão, não irei aprofundar mais sobre o assunto já que esta é a informação básica estritamente necessária.

O rufo dos tambores

A ideia da base genética de dados é simples – reunir uma amostra do código genético de cada cidadão para que este fique arquivado nos ficheiros governamentais. A última confirmação desta barbaridade foi publicada no Diário Económico de 04/07/2005 (segundo fonte do Diário Digital)

Alberto Costa: «Base de dados genética é ponto assente»

O ministro da Justiça, Alberto Costa, garantiu, em entrevista publicada na edição desta segunda-feira do Diário Económico, que o projecto da base de dados genética é «ponto assente» e vai ser «implementada de uma forma faseada e gradualista».


Recordando que a base de dados «faz parte do nosso programa», o ministro da Justiça garante que a sua implementação acontecerá «de uma forma faseada e gradualista», até porque as suas finalidades são algo «diversificadas».

«O domínio da investigação criminal é que é prioritária e também por razões financeiras não podemos pensar numa forma mais abrangente», conclui Alberto Costa.

Sobre este preciso assunto tinha sido já publicado anteriormente um outro artigo de Elsa Costa, intitulado Base de dados civil propriedade do Estado, no Diário de Noticias que o discutia em maior pormenor:

Base de dados civil propriedade do Estado

Governo quer perfil genético de todos os cidadãos para usar na investigação forense

O Governo vai criar uma base de dados genética de identificação civil que abrangerá toda a população portuguesa e que será utilizada na investigação criminal. Ou seja, actualmente cada cidadão tem a sua impressão digital num arquivo central, a partir daqui também o perfil genético será incluído numa base de dados, para ser comparado com amostras biológicas recolhidas nas cenas de crime.

Esta proposta – um modelo que não é usado em nenhum país europeu – está a gerar forte discussão nos meios científicos, académicos e judiciais sobre os critérios de inclusão de pessoas numa base deste tipo. Há quem defenda que nesta seja apenas incluída informação sobre condenados, há quem receie a ausência de confidencialidade e o acesso ilegítimo dos dados.

Do gabinete do ministro da Justiça garantiram ao DN que este é um "objectivo a cumprir nesta legislatura" e é mesmo "uma das primeiras prioridades" da acção governativa, estando já Alberto Costa a trabalhar no assunto.

Não é a primeira vez que a constituição de uma base de dados genética com fins de investigação criminal está em cima da mesa, mas é novidade o facto de abranger toda a população portuguesa. Projectos anteriores consideraram a hipótese de incluir apenas perfis genéticos de pessoas condenadas pela prática de crimes. Esta é, por exemplo, a posição de Francisco Corte Real, investigador do Instituto Nacional de Medicina Legal (INML). Mas outros cientistas da área forense, como António Amorim, do Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto, defendem o modelo apresentado pelo Governo, considerando que a sua eficácia aumenta significativamente.

Este investigador reconhece que o conceito de base de dados genética informatizada pode assustar, pela possibilidade de acesso ilegítimo a uma informação tão sensível, mas recorda que já existem "bases de dados para tudo e mais alguma coisa". Por outro lado, "é um preconceito achar-se que é mais fácil piratear um sistema informatizado".

Todas as instituições que trabalham já no campo da genética, nomeadamente em investigações de paternidade, têm as suas bases de dados. Mas, como não há regulamentação sobre esta matéria, há muita informação que não está a ser usada, por exemplo, para informar o tribunal de que, afinal, o potencial pai é outro sujeito que foi submetido a testes em outro caso.

Um registo deste tipo, explica ainda António Amorim, abre portas à inversão do actual método de investigação criminal, que primeiro escolhe os suspeitos, para depois os submeter a perícias "Agora será possível indicar à polícia os suspeitos." Quantos aos custos necessários para criar uma base deste tipo, o investigador questiona: "E quanto se gasta com os métodos tradicionais."

A inclusão de toda a população é essencial para António Amorim, já que a restrição aos condenados constitui uma limitação da eficácia deste dispositivo "Se já está condenado, está na cadeia, logo não comete outros furtos ou crimes." Assim, garante, "a única utilidade de uma base, para maximizar o investimento, é cruzar a identificação civil com o criminal".

Francisco Corte Real defende uma base mais conservadora, que inclua apenas condenados. A sua utilidade seria "em crimes de tendência repetitiva" ou nos que "deixam material biológico, como os de natureza sexual". As experiências norte-americana e britânica (com uma base menos restrita que o modelo que defende), mostram "um sucesso muito grande na prevenção da criminalidade", impedindo uma escalada na dimensão da transgressão. O responsável do INML, tal como António Amorim, garante que existe já muita informação genética nos laboratórios e que "até já se poderia ter criado um programa informático para cruzar os dados se fosse legal", defendendo que "há várias formas de criar bases. O importante é que se avance."

Elsa Costa e Silva

O porquê e as falácias

A julgar pela urgência que Alberto Costa, ministro da Justiça, demonstra em querer cumprir esta ideia – que diz ser uma “primeira prioridade” – podemos questionar-nos acerca de que outros objectivos orwellianos terá o actual executivo em funções. Não é de admirar que alguns especialistas de Direito e vários cientistas se tenham revoltado contra a questão já que deverão conhecer muito bem o que significa esta realidade. A verdadeira estupefacção em todo este projecto reside no facto de que os portugueses parecem não se incomodar com as ideias do governo em catalogar completamente o mapa genético da população para propósito de identificação. Não se trata de um estudo académico para determinar as origem e evolução genéticas dos seres humanos do oeste da península ibérica mas sim recolher informações sobre todos eles para que o Estado – com a desculpa da base de dados para protecção judicial – possa ter sob a sua guarida todos os dados acerca dos cidadãos.

A questão centra-se em torno do que o Estado acha ser plausível já que ninguém parece contestar a ideia. Não me surpreenderia que o executivo decidisse apostar em plebiscitar os eleitores relativamente a este tópico. Certamente haveria uma campanha cerrada a favor do “sim” e, caso as primeiras sondagens apontassem para que as pessoas fossem dizer “não”, (probabilidade próxima de 0% tendo em conta as reacções que simplesmente não existiram até agora) Sócrates diria apenas que como tem a maioria absoluta (i.e., eleito pelo povo) não existiria necessidade de referendar algo para o qual o governo tem toda a autoridade necessária, já que o partido socialista havia sido eleito democraticamente e tinha todo o direito de fazer o que achava melhor para a nação. Aquelas manhas diplomáticas do costume. Na verdade, o que é muito mais provável ainda é que ninguém sugira uma consulta ao país mas sim que siga em frente com o projecto porque, como deve ser óbvio para todos, um decreto-lei que permita ao Estado deter em sua posse tudo aquilo que faz de nós indivíduos é completamente irrelevante comparado com eleições para os parlamentos europeus, constituições europeias e leis de interrupções voluntárias da gravidez. Completamente irrisório, sem importância alguma. É apenas o Estado a saber as doenças para as quais temos propensão, a eventual grossura dos nossos cabelos e a potencialidade das nossas capacidades intelectuais, em teoria. Claro que nada de importante e, de forma alguma, assustador.

É quase preocupante ver que cientistas como António Amorim praticam a sua profissão sem um mínimo de responsabilidade cívica e respeito pela privacidade alheia pois aqueles que detêm o conhecimento sobre a matéria deviam ser os primeiros a revoltar-se contra a situação. Pelo contrário, não só Amorim deixa claro que concorda com o projecto apresentado pelo governo como também tenta demover eventuais críticas que possam ser feitas a tal sistema incorruptível e sério que é uma base de dados genética a nível nacional:

1.” (…) já existem "bases de dados para tudo e mais alguma coisa (…)”

Esta afirmação, quando usada para justificar algo, é tomada como uma simples falácia ad numeram. Se existem muitas outras bases de dados para tantas outras coisas porque não criar mais uma? Já agora, podíamos também criar uma base de dados sobre o tamanho das unhas dos pés dos cidadãos já que há bases de dados para tudo e mais alguma coisa. Deveras lógico.

2.” (…) é um preconceito achar-se que é mais fácil piratear um sistema informatizado (…)”

Mesmo que se considere que seja mais difícil piratear um sistema informático isso não significa que seja impossível. O argumento de que os dados estariam seguros simplesmente não faz sentido já que temos que confiar na “boa vontade” dos empregados estatais que moveriam esta informação. [1] Os mais distraídos que não comecem a tentar esgrimir o argumento de que em mãos de privados não estariam melhor. Ninguém está a falar de “privatizar” bases de dados genéticas. Elas simplesmente NÃO devem existir e se alguém, por qualquer razão, decide ceder os seus dados a uma instituição deve ser por opção sua, como no caso de empresas de rastreio de historial genético [2]. O assunto aqui consiste numa base de dados obrigatória, forçada pelo Estado.

3. " (…) Agora será possível indicar à polícia os suspeitos (…) "

É notável a honestidade com que Amorim evidencia a verdade. Ironicamente acaba por se descair e revelar que todo o projecto, afinal, tem pés de barro. Diz Amorim que é possível indicar os suspeitos (e não os criminosos). Com isto, Amorim acaba por mostrar indirectamente que a base de dados, ainda que por alguma eventual acefalia colectiva fosse justificável, não introduziria nenhuma melhoria directa e infalível sobre grande parte dos crimes. Então e se as amostras de ADN tivessem sido mal etiquetadas aquando da sua recolha? Com 10 milhões de amostras para manejar é perfeitamente plausível considerar que existe algum erro de sistematização. Imagine-se o seguinte caso: existe um assalto à mão armada feito no banco X e um dos assaltantes deixa para trás algo que o possa identificar geneticamente, por exemplo, vestígios de pele morta no pulso de uma pessoa que o assaltante tinha usado como escudo humano. A polícia recolhe o ADN e compara-o com a base de dados descobrindo que o suspeito é o senhor Y. Prendem o senhor Y e, assumindo que lhe fazem novos testes sanguíneos para confirmar a “prova”, vêm a descobrir que as amostras de ADN não coincidem. Pois bem, o ADN havia sido mal etiquetado no laboratório e agora não se sabe a quem pertence. Apenas se sabe que não é do senhor Y e pode muito bem ser de qualquer um dos outros 10 milhões restantes. Com este pequeno exemplo se demonstra que a base genética de dados, mesmo que implementada, nunca seria infalível por si própria. Por outro lado, os crimes de natureza psicológica ou de cariz económico nunca poderiam ser justificados com amostras de ADN já que – infelizmente, dirá talvez Alberto Costa – as notas de 5 euros não ficam com o registo genético de todas as pessoas por quem passaram nem as pessoas possuem detectores biónicos no cérebro que enviam sinais ao Estado quando se tem um pensamento criminoso.

4.” (…) E quanto se gasta com os métodos tradicionais? (…) "

Ao ler esta parte quase fiquei com a impressão de que Amorim faria uma excelente carreira em política. Comete falácias soberbamente, inventa realidades paralelas e, como se não fosse suficiente, deseja reprimir a privacidade do cidadão. E ainda costumam dizer que os cientistas são seres humanos dotados de maior capacidade de raciocínio.

Recolher amostras de ADN de toda a população seria certamente um processo não dispendioso para Amorim mas sim para os contribuintes. Em última instância, são sempre eles que financiam todas as acções do Estado. Seria necessário questionar se o sistema de bilhetes de identidade funcionaria em paralelo com a base de dados genética ou este acabaria por ser abolido. Se a resposta for “não” então seriam financiados dois sistemas em paralelo (uma carga fiscal ainda maior, como se a que já existe não fosse suficiente), caso a resposta fosse “sim” todos os sistemas de identificação nacional teriam que ser modificados para acomodar uma identificação biométrica, com máquinas que pudessem ler os nossos traços genéticos para os comparar à base central de dados. Isto inclui reequipar todas as instalações que exigissem uma identificação.

Por isso, quando Amorim usa o argumento de que os métodos tradicionais ficariam mais caros certamente está só a pensar na questão mínima relacionada com as investigações criminais. Estes custos apenas podem ser resolvidos com a privatização e profissionalização total das forças policiais que continuam a ser acarretados pelo Estado, não existindo qualquer forma alternativa de impor as leis (assumindo que são justas e correctas) uma vez que o Estado detém o monopólio do uso legal da força.

5. " (…) Se já está condenado, está na cadeia, logo não comete outros furtos ou crimes (…) a única utilidade de uma base, para maximizar o investimento, é cruzar a identificação civil com o criminal (…) "

Mais uma ironia interessante. Para maximizar as possibilidades de encontrar o criminoso com sucesso a única forma de implementar este sistema é aplicando-o a todos os cidadãos, o que os rotula indirectamente de “potenciais criminosos” à nascença. É um sistema humano, ético e, sem dúvida, extremamente justo.

Muitos críticos irão sugerir, depois dos atentados de Londres, Madrid e Nova Iorque, que a necessidade de uma identificação nacional é mais do que necessária. A isso é possível responder claramente que Espanha tem um sistema de identificação nacional – Documento Nacional de Identidad – semelhante ao português e isso não evitou os atentados terroristas de 11 de Março que vitimaram 191 pessoas e fizeram 1460 feridos. De facto, quando estamos a lidar com grupos que se sujeitam ao suicídio para consumar os seus actos não existe nenhuma forma de controlar as suas intenções através de potenciais identificações já que para que se evitassem situações destas seria necessário controlar igualmente o pensamento das pessoas. A questão da identificação nacional em si ficará para outra ocasião já que o tema central é especificamente a base de dados genética em Portugal.

Uma questão de ética

As primeiras desculpas que sempre se ouvem quando existe o desejo de implementar um sistema que criaria uma ruptura na sociedade são acompanhadas de pedidos de calma e de explicações pausadas e longas acerca de como uma transição seria gradual e suave. Foi assim com a moeda única e foi assim está a ser com a Constituição Europeia. Com o euro existiam campanhas, não de esclarecimento mas sim de promoção da nova moeda (quem não se lembra daqueles anúncios na televisão do senhor que dizia “É o euro!” e depois esclarecia, muito ao de leve, que não havia que ter medo porque era uma moeda forte e servia os interesses de Portugal, com muita confiança) e, felizmente para os diplomatas europeus, a transição foi feita com bastante suavidade em países como Portugal embora em países como a Holanda, por exemplo, o aumento das taxas de inflação tenha sido associado à introdução da nova unidade monetária. Com a Constituição Europeia, a União Europeia cometeu o erro de apressar as coisas (felizmente para todos nós) e enrolou-se numa série de tratados que têm vindo a substituir o Tratado de Roma original que, não estando ainda completamente implementados, estariam já em vias de ser tornar obsoletos com o novo documento a aprovar. No entanto, não foi por isso que não se denotou o desespero do governo francês que necessitava aprovar a constituição à força e lançou campanhas em larga escala de forma a enviar correio “esclarecedor” para todos os franceses, incluindo o tratado completo (com as suas centenas de páginas) e um panfleto publicitário menor que, obviamente, se limitava a fazer o reparo de que a constituição era uma coisa boa para a França e para os franceses, etc., etc., em resumo, pura propaganda paga pelos próprios contribuintes já que os partidários do “Non” não tiveram esse benefício, uma vez que não faziam parte do governo.

À semelhança destes casos, Alberto Costa apazigua os cidadãos afirmando que será “implementada de uma forma faseada e gradualista” para que não haja uma contestação geral, para que os cidadãos não entendam o que lhes está a acontecer e para que os cidadãos, a pouco e pouco, vão aceitando a nova realidade que se lhes impõe, vindo posteriormente a aceitar o novo sistema sem reclamações – assim como quase ninguém questiona a existência de um arquivo de identificação simplesmente porque foram levados a crer que necessitavam dele. Não houve nenhum grupo social que se manifestasse para a obtenção de algo deste género e, mesmo que assim tivesse acontecido, nunca seria uma parcela relevante da sociedade. Então por que razão decidiu o governo inventar uma nova secção nos departamentos da administração interna? A resposta é simples: para ter mais uma desculpa para sobrecarregar os cidadãos com impostos desnecessários e obter cada vez mais um controlo exímio sobre as vidas dos seus mesmos contribuintes. Para aqueles que estão menos familiarizados com os assuntos da ciência é este o novo tipo de ditadura que os meios científicos põem ao serviço do Estado – o lugar-comum das obras de ficção científica, o conhecimento que cai em mãos erradas.

Analisemos a questão no seu âmago. O Estado quer possuir a informação genética de cada pessoa. Atrever-me-ia a perguntar novamente a justificação mas como estas são simplesmente ilógicas, centremo-nos nas razões pelas quais esta base de dados é um desrespeito dos direitos básicos e civis. Quem é o Estado para possuir esta informação e para a arquivar? Em nome da protecção do cidadão cometem-se as maiores atrocidades sociais que são, na verdade, precisamente opostas àquilo a que se propunham ser. Ceder a informação do código genético a alguém é como mostrar como somos por dentro, incluindo potenciais fraquezas que nunca se tenham manifestado ainda. A cedência de algo tão único permite, aos possuidores da informação, efectuar escolhas com base no perfil genético de uma pessoa, por exemplo, criando um novo tipo de discriminação genética já que o Estado (leia-se, empregados dos Estado) teria conhecimento das doenças presentes (ou potencialmente futuras) do indivíduo em questão. A informação que inicialmente servia, teoricamente, para proteger o cidadão acaba por se virar contra si mesmo.

O ser humano tem – por defeito – direito à privacidade e, pela implementação deste sistema, o Estado deseja simplesmente acabar com essa cláusula constitucional. A divulgação de um dado tão específico viola tanto a intimidade da pessoa em si como a de toda a sua família já que o código genético é hereditário. Não adianta demonstrá-lo por via do sistema legal porque a própria lei podia desrespeitar os direitos individuais (já o faz em alguns casos) mas, ironicamente, as leis que protegem o cidadão desta recolha massificada de informação privada existem, tanto a nível internacional como nacional:

Artigo 16.º
(Âmbito e sentido dos direitos fundamentais)

1. Os direitos fundamentais consagrados na Constituição não excluem quaisquer outros constantes das leis e das regras aplicáveis de direito internacional.

2. Os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem.

CONSTITUIÇÃO DA
REPÚBLICA PORTUGUESA
VI REVISÃO CONSTITUCIONAL [2004]

Artigo 12°

Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio ou na sua correspondência, nem ataques à sua honra e reputação. Contra tais intromissões ou ataques toda a pessoa tem direito a protecção da lei.

Declaração Universal dos Direitos Humanos

Igualmente se podem mostrar artigos expressos na, citando a Ordem dos Advogados, “ (…) Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e da Dignidade do Ser Humano face às aplicações da Biologia e da Medicina: Convenção sobre os Direitos do Homem e a Biomedicina (1) [que] é muito clara nos seus artigos 1º, 2º, 5º e 10º e, sobretudo, nos seus artigos 1, 2º e 5º, 10º, 11º e 12º e 26º e 27º (…)” da qual passo a citar os excertos mais significativos: [2]

Artigo 5º
Regra geral

Qualquer intervenção no domínio da saúde só pode ser efectuada após ter sido prestado pela pessoa em causa o seu consentimento livre e esclarecido.

Artigo 10º
Vida privada e direito à informação


1- Qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada no que toca a informações relacionadas com a sua saúde (…)

A legislação, como quase sempre, comete o erro de tentar proteger em simultâneo o lesado e o perpetrador, em detrimento do lesado. Neste caso, de acordo com a lei, o cidadão necessita dar o seu consentimento para que qualquer acção no campo da saúde possa ser tomada. Se o Estado planeia criar uma base de dados que abranja toda a população isso significa que necessita de a tornar obrigatória, caso contrário esperaria pela “boa vontade” dos portugueses em ceder os seus dados livremente (coisa que não me espantaria, dado o nível de “distracção” dos portugueses). Pela comunicação de Carlos Pinto de Abreu, Presidente da Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados, cuja ligação aponto acima, é possível entender que a legislação protege e tenta resguardar igualmente os dados que estejam em posse de outrem. Para isso especifica que são puníveis desleixos de manuseamento, utilização secundária dos dados obtidos, cedência a terceiros, tentativas de discriminação, etc. Os mais crentes no paternalismo estatal e na invenção do “Estado de Direito” gostarão agora de dizer que a lei está lá e por isso estamos todos protegidos. A realidade, caros crentes, é que as “leis existem para serem quebradas” caso contrário, nunca existiriam homicídios, genocídios, violações, furtos e outros, simplesmente porque estão previstos no código penal. Não há nenhuma forma de garantir que não haverá manipulação dos dados quando eles estiverem na posse de outro que não o seu legítimo dono. Não existe nenhuma forma de assegurar que os dados serão utilizados por entidades isentas ou que não serão acedidos ilegitimamente. Em último caso, não existe nenhuma garantia de que o nosso património genético será tratado com ética e dignidade pelos responsáveis. A única solução para isto é não permitir que o Estado se torne um arquivo público dos corpos dos cidadãos.

A decisão está nas suas mãos

Cada pessoa tem direito à sua privacidade, como já referi anteriormente. É algo incontestável. Uma tentativa de violação deste direito básico que é inerente ao ser humano constitui, indubitavelmente, um crime. A informação genética que nos identifica como seres únicos e individuais é uma propriedade privada cuja protecção deve ser apoiada pela legislação. O único que pode decidir o que fazer com o seu registo de ADN é o próprio individuo, não uma entidade que deseja obrigatoriamente recolher e arquivar informações privadas utilizando argumentação falaciosa e desrespeitadora dos direitos humanos. Como é mencionado nos artigos de imprensa anteriores, este projecto é inovador a nível mundial. Talvez porque os outros Estados saberiam que os seus cidadãos se revoltariam ou talvez, simplesmente, porque nunca lhes ocorreu. Os portugueses já são forçados a ceder ao Estado informações relativamente ao seu local de nascimento, filiação, idade, sexo, aspecto, impressões digitais e até altura. Paralelamente somos também obrigados a declarar os nossos rendimentos, a nossa situação académica e o nosso estado civil, para conhecimento do Estado. Com a criação de uma base genética de dados, o Estado ficaria igualmente na posse da informação genética. Que virá a seguir? Uma base de dados com o comprimento do cabelo e da barba com o argumento de uma identificação facilitada em caso de assalto? Quem é o proprietário das informações? A pessoa ou o Estado? Quem controla a sua vida? Você ou o Estado?


Cabe-lhe a si, apenas, compreender que estão a querer violar os seus direitos e fazer outros compreender a mesma questão. O Estado quer mas os cidadãos não são forçados a obedecer a menos que sejam cegamente cumpridores de uma directiva que apenas os prejudica. Lembre-se: é cada um de nós que deve decidir como restringe a informação sobre si próprio porque tem o direito de dar a conhecer o que quer que se saiba e omitir o que quer que não se saiba. Não espere que o Estado o defenda a si. Defenda-se a si mesmo do Estado.

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[1] Os casos de “pirateamento informático” não são assim tão raros. Veja-se por exemplo o caso da University of Southern Califórnia que, devido a um aparente erro de programação, passou a ter disponíveis as informações pessoas dos seus candidatos, incluindo números de segurança social. Situações semelhantes haviam acontecido em candidaturas online noutras universidades americanas como University of Connecticut, Boston College, University of California at Berkeley, Georgia Institute of Technology, University of Texas at Austin, George Mason University e University of California Los Angeles. As bases de dados nunca podem garantir uma segurança de 100%. Nem uma de dados genéticos.

[2] Em casos como estes é assinado um acordo com a empresa em como o indivíduo permite que o seu código genético seja introduzido numa base de dados confidencial para comparação com outros pares de genes previamente “catalogados”. Ninguém mais tem acesso à informação e se o utilizador desejar pode requisitar a remoção dos seus dados a qualquer momento. Uma empresa que efectua este serviço é a Family Tree DNA.

[3] Base de Dados Genética – Um bem desnecessário, um mal necessário ou a mala da Pandora? Esta comunicação de Carlos de Abreu surge como necessidade de esclarecer alguns pontos acerca das bases de dados genéticas. Como seria de esperar, os pontos de vista são explícitos segundo o ponto de vista do Direito. Um bom documento para se ler de forma a compreender o que os legisladores estão a fazer (ou não) por nós. À semelhança de alguns cientistas com maior inteligência do que a necessária para manusear tubos de ensaio, os advogados parecem ser os únicos que realmente se estão a preocupar com a situação.

Saturday, July 02, 2005

O Eixo do Mal

Não percebo nada de politica mas voto no partido X

Inúmeras vezes me deparo com gente que não tem a mínima noção de política. Embora eu creia que as pessoas deveriam estar extremamente atentas a esse mundo – pois disso dependem as suas vidas pessoais – muita gente não pensa de tal forma, preferindo relegar o mundo das decisões políticas para segundo plano ou, mais inteligentemente ainda, para “os outros”. Este aspecto, que já por si próprio é suficientemente grave, expande a sua relevância pelo simples facto de que estas ditas pessoas claramente crêem ser autênticas autoridades no assunto. Obviamente não reclamo eu, como cidadão, ter mais autoridade intelectual do que elas mas uma vez que leio e me informo minimamente, tenho consciência do que afirmo relativamente aos assuntos sobre os quais pronuncio a minha opinião, caso contrário limito-me a ouvir.

Na verdade, parece que os portugueses, em geral, se julgam conhecedores de todos os sistemas políticos portugueses, europeus e outros internacionais – em particular o americano – embora sejam facilmente identificados como simples propagadores de contos do vigário por parte de alguém com uma parcela ínfima de conhecimento da realidade. Isto porque, com um mínimo de leitura de alguns minutos em páginas (isentas) de acesso público na Internet, se podem compreender as diferenças básicas (e, infelizmente, as semelhanças) entre as várias instituições governamentais em todo o mundo e as respectivas leis de ditos países, desmontando assim 90% das crenças que estas pessoas não só possuem como ajudam constantemente a fomentar entre aqueles que lhes são próximos.

Mais intrigante ainda, talvez seja o facto de que os acima referidos “desconhecedores” (para não lhes chamar algo mais contundente) não se limitam apenas a mandar as suas típicas postas de pescada sem qualquer base argumentativa mas também a insultar os outros por não partilharem as suas visões politicas, estejam estas deturpadas como estiverem. Provavelmente, ainda mais alarmante do que isso seja demonstrar claramente a falta de perspectiva ou a ausência total de uma noção mínima do que se diz, pela qualidade de insultos que são dirigidos àqueles que, para qualquer dos efeitos, facilmente identificam o estatuto ideológico dos seus interlocutores, já que conhecem relativamente bem o espectro politico. Assim, talvez não seja de estranhar ter sido pessoalmente rotulado várias vezes de – e passo a citar – comunista, (neo) nazi, absolutista, revolucionário, monopolista, mercenário, eremita, parasita, fascista, anti-social, clientelista apenas para nomear as nomenclaturas mais simpáticas (e, porventura, eruditas!) entre elas. Como deve ser possível notar com bastante evidência, muitos destes nomes carinhosos são incompatíveis entre si enquanto que a maioria – embora talvez não pareça para os tais que os usam como insultos envenenados pela propaganda – tem, na verdade, muito que ver entre si.

Curiosamente nunca me insultaram chamando-me de socialista ou social-democrata porque isso sim, além de ser muito normal (no sentido de comum, obviamente), é o estatuto básico de ser português. [1] Em Portugal, praticamente toda a gente é de centro ou do que crêem ser o centro político. Para estas pessoas, o centro significa não só a não-identificação com nenhum dos partidos em particular como o flexibilidade em votar em mais do que uma cor política ao longo da sua vida, consoante um partido prometa tomar medidas que se efectuem no interesse de uma determinada classe de cidadãos. Escusado será igualmente afirmar que as taxas de abstenção em Portugal se encontram directamente relacionadas com este aspecto. Para demonstrar isso basta reparar que quando a abstenção diminui consideravelmente, aumentam também os votos dos partidos de já famoso “centro político”, como agora muita gente lhe decidiu começar a chamar embora de centro não tenha muito. Em especial, nas últimas eleições legislativas, notou-se um voto massivo no partido socialista simultaneamente como apoio ao nosso (salvo seja) primeiro-ministro Armani – que prometeu não aumentar os impostos e agora parece estar visivelmente a cumprir a sua palavra – e como voto de castigo no anterior governo de coligação liderado por Santana Lopes e Paulo Portas, na substituição de Durão Barroso que arranjou um “emprego mais viável e lucrativo” (igualmente, para não lhe chamar uma coisa mais contundente) em Bruxelas. O PS ganhou o centro político com maioria absoluta e o parlamento efectuou uma viragem à esquerda. Não admira, pois, que PS e PSD ganhem eleições alternadamente coisa que, olhando para o resto do cenário político português, tenho dificuldade em confirmar se será apenas mau ou simplesmente menos mau.

Os eixos políticos

Para evitar que as pessoas continuem a fazer as figuras deprimentes e insultuosas que fazem normalmente – peço (quase rogo) que se informem antes de se pronunciarem. Não só mostram o desconhecimento acerca de um determinado tópico, no qual tentam passar por peritos, como contribuem para o aumento da ignorância que já por si se espalha sem que seja necessário nenhum empurrão de boa vontade. Para citar um exemplo leia-se um pequeno excerto publicado na TSF acerca dessa grande figura do panorama político português, Jerónimo de Sousa, secretário-geral do Partido Comunista Português:

É conhecida a história de como se apresenta à Assembleia Constituinte: Jerónimo de Sousa faz questão de explicar que não é doutor, mas deduzem que se trata de um engenheiro.

O actual líder do PCP frequenta até ao quarto ano do curso industrial, no horário nocturno, mas orgulha-se de ter aprendido muito com os intelectuais comunistas.”

Questiono-me com que espécie de intelectuais terá J. De Sousa convivido e ainda mais com que base experimental se poderão justificar. Coreia do Norte? Rússia? Cuba? China? RDA? Caso J. De Sousa não tenha reparado a politica é uma ciência com partes teórica e experimental e ditos intelectuais parecem ter esquecido esta última quando efectuam os seus comentários. O melhor será mesmo deixar esta questão para mais tarde porque o comunismo – parecendo que não, a priori, para os mais distraídos – tem mesmo muito que se lhe diga.

Voltando ao tema central deste artigo, muitas vezes, depois de fazer um comentário anti-marxista e, quando necessário, explicar que a teoria económica do marxismo é a base do comunismo, o meu interlocutor pressupõe que eu seja fascista (pois identificam o fascismo com a direita) até que sou forçado a explicar que sou anti-marxista precisamente porque sou anti-fascista e não tolero autoritarismos. É então que as pessoas ficam mesmo confusas e, muitas das vezes, furiosas pela consciencialização da sua ignorância espelhada na sua incapacidade de classificar correctamente as opiniões politicas. “Espera lá…não és de esquerda e não és fascista, então que raio és tu afinal?” É precisamente isso que quero esclarecer já que, na sua generalidade, as pessoas não compreendem e, mesmo depois de explicado pormenorizadamente, continuam a questionar apreensivamente.

Existem várias formas de classificar as ideologias políticas mas talvez o que se encontre com maior vulgaridade seja um sistema de dois eixos à semelhança dos gráficos cartesianos em que há um para as abcissas e outro para as ordenadas. No caso do “plano cartesiano” da política um dos eixos corresponde às ideologias económicas e outro às políticas relativas aos assuntos pessoais e à sociedade em geral, como se pode ver na figura seguinte referente a um teste da Advocates for Self-Government.

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Legenda:

Personal Issues Score – Pontuação em assuntos pessoais

Economic Issues Score – Pontuação em assuntos económicos

Centrist – Centrista

Left/Liberal [2] – Esquerda

Statist/Big Government – Estatista/Governo de grandes dimensões

Right/Conservative – Direita/Conservador(a)

Libertarian – Libertário/Anarquista

Esquerda e Direita

Originalmente definições criadas devido ao lugar onde se sentavam os defensores de determinadas ideologias, Esquerda e Direita deixaram de ser suficientes com a diversidade de regimes e partidos que foram surgindo, retirando ideias de vários sectores e diversificando as suas posições. Actualmente existem muitas outras formas de efectuar as classificações políticas e até outros tipos de gráficos (nem sempre imparciais) que apenas consideram um eixo Esquerda – Direita e outro Anarquia – Autoritarismo ou denominações semelhantes. Esse género de gráfico é, no entanto, mais comum em países onde as politicas económicas da “esquerda” e da “direita” são mais bem definidas, como nos países de cariz anglo-saxónico. Existem até outros gráficos propostos que consideram um outro eixo (gráfico a 3 dimensões) adicionando ainda maior complexidade. [3]


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Esta imagem disponibilizada pela Bússola Política do Público é uma versão adaptada do teste “Political Compass” que, na sua versão original, não faz precisamente a distinção entre capitalismo e socialismo (colectivismo) mas sim entre esquerda e direita. Partilho a opinião de Pedro Magalhães expressa na página, ao afirmar que talvez não seja o melhor teste político.

“A segunda [vantagem], mais importante, resulta do facto de partir do princípio que o eixo esquerda/direita, definido na base de visões alternativas sobre como devem ser redistribuídos os recursos nas nossas sociedades (opondo, para simplificar, Socialismo e Capitalismo), não chega para traçar o mapa ideológico das democracias ocidentais. Mudanças nas experiencias ocupacionais, educacionais e de estilos de vida dos cidadãos fizeram com que uma segunda dimensão dos conflitos ideológicos se tivesse tornado relevante: "libertarianismo" versus "autoritarismo", definida na base de visões alternativas sobre o grau de autonomia dos indivíduos em relação a sociedade e ao Estado e o grau de respeito devido a autoridade e a tradição.”

Magalhães defende, assim como eu, que o socialismo versus capitalismo não é suficiente para cartografar as ideologias ocidentais. No entanto, afirma-o de forma a justificar a existência de um novo eixo “libertarianismo” versus “autoritarismo”, como se fosse possível classificar as sociedades utilizando apenas o cariz económico. O que falha em todo este processo é o facto de que, apesar de utilizar dois eixos semelhantes ao primeiro gráfico disponibilizado pela Advocates for Self-Government (e não os da versão original que se resumiam a Esquerda – Direita e outro Anarquia – Autoritarismo como referia num parágrafo anterior), simplifica os quadrantes políticos presentes, etiquetando-os de Esquerda ou Direita, enquanto que o outro resumo gráfico, da Advocates, estratifica com maior precisão esta questão. É, possivelmente, trabalhoso para uma pessoa que até agora não tenha grande experiência na visualização destes gráficos entender a sua organização esquemática, mas pensemos por um pouco. Um exemplo bastante próximo será o do Estado Novo que era um regime autoritário e conservador em aspectos sociais mas, no entanto, socialista/intervencionista no que toca ao regime económico. Basta recordar que não se podia beber Coca-Cola simplesmente porque estava proibida. Isto é um exemplo básico acerca de restrições económicas. Outro dos aspectos mais relevantes era o facto de serem concedidos monopólios a empresários em determinadas áreas nas quais apenas eles podiam exercer aquela actividade (restringindo portanto o mercado livre), em troca de algumas burocracias. No entanto, apesar de todos estes aspectos toda a gente concordará que o Salazarismo era um regime de direita. Passemos para o caso de Hitler. O seu partido era nacional-socialista e nacionais-socialistas continuam a ser os seus seguidores. Não é, portanto, por acaso, que é possível ver em algumas manifestações do “orgulho branco” bandeiras pintadas dizendo “Socialismo Sempre” em conjunto com uma suástica ou duas. Mas então se os neonazis são socialistas, são de esquerda ou de extrema-direita (como são geralmente identificados)? É este o paradoxo a que se destina um mapa que simplifique quatro quadrantes em duas colunas primárias intitulando-as de “esquerda” e “direita” já que apenas contribui para a incompreensão das classificações em questão.

Tradições locais

A origem de todo este problema de adaptação surge devido ao facto de que o mapa do “Political Compass” afirma que a classificação “Esquerda – Direita” é insuficiente e tenta adicionar um eixo perpendicular a este, relativamente aos assuntos pessoais/sociais, ou seja, assume-se que a diferença básica entre a esquerda e a direita é a sua politica económica quando isso não é verdade. Como exemplo podemos tomar o Partido Trabalhista britânico (esquerda) cujos valores económicos actuais são mais liberalistas (capitalistas) do que a direita francesa ou alemã. Outro exemplo flagrante é o Partido Social-Democrata que em Portugal representa a direita conservadora mas internacionalmente é visto como um partido de esquerda (precisamente pela defesa do modelo social-democrata da economia).

É portanto óbvio que cada país possui as suas tradições e cada um precisaria de um esquema próprio quanto à posição de cada um dos partidos já que, muitas vezes, cada um assume uma diferente posição consoante a sua tradição parlamentar no país em questão. Infelizmente, em Portugal, encontram-se representadas na Assembleia da República todas as ideologias que controlam fortemente a economia desde o BE ao CDS-PP, ao passo que, os dois quadrantes da economia liberalizada (no primeiro gráfico, conservadorismo/direita e anarquia/liberalismo) simplesmente não estão presentes. Quem ouvir um debate do Parlamento até sente vontade de rir (não seja pela desgraça eminente que nos afecta a todos) já que todos os senhores deputados perdem imenso tempo com questões sobre as quais têm exactamente a mesma posição. A oposição às decisões de natureza económica nasce apenas por mera adesão do apoio popular, i.e., quando o partido X está no poder aumentam-se os impostos e os partidos Y e Z reclamam, juntando-se à impopularidade da ideia, de forma a adquirirem, de futuro, um maior número de votações. Se estivesse o partido Y no poder, este faria o mesmo tendo a oposição do partido X e Z que – obviamente – irão declarar que nunca cometeriam uma barbárie tal como aumentar os impostos de forma a prejudicar os cidadãos (mesmo que na legislatura anterior o tenham feito).

É, portanto, errado – se quisermos que sejam cobertas todas as ideologias politicas com maior precisão – chamar “Esquerda – Direita” ao eixo dos assuntos económicos ou, à semelhança da versão adaptada para Portugal do gráfico do “Political Compass”, dividir o gráfico em duas colunas, “Esquerda” e “Direita”. A representação mais correcta continua a ser, na minha opinião, uma similar ao gráfico apresentado pela Advocates. À semelhança deste existe também outro teste político, Moral Politics que apresenta a mesma estrutura do gráfico da Advocates e embora dê nomes distintos aos eixos, mostra a mesma divisão em quatro quadrantes: Liberalismo, Socialismo, Autoritarismo e Conservadorismo (respectivamente, Anarquia / Liberalismo, “Esquerda”, Estatismo e “Direita” no gráfico da Advocates).

A função das variáveis

Independentemente dos nomes que se dão aos eixos e aos quadrantes, o género mais comum de gráficos utiliza um sistema a duas dimensões que mede as liberdades económicas e as pessoais.

Todavia, a parte verdadeiramente importante é compreender a diferença entre os sistemas e poder reconhecê-la facilmente quando se fala acerca de uma determinada medida governamental (ou anti-governamental). Assim sendo, e passando a explicar, o eixo económico vai do colectivismo ao capitalismo. O colectivismo é o núcleo da teoria marxista aplicada, baseando-se na nacionalização dos bens privados, i.e., abolição da propriedade privada de forma a teoricamente redistribuir tudo o que é produzido de forma equitativa. Parafraseando o dogma marxista, "De cada um de acordo com as suas capacidades, para cada um de acordo com as suas necessidades" que tem muito bom aspecto à primeira vista mas depois se entende que é o governo que decide quais são as capacidades desejadas de cada cidadão, como/quando/onde deve trabalhar e quem recebe o dinheiro reunido pelo Estado (se alguém receber, na verdade, alguma coisa). Em suma, não podemos ter computadores, carros nem casas porque a noção de propriedade privada não existe e as coisas pertencem “ao povo” (eufemismo para “Estado”). O capitalismo rege-se precisamente pela ideologia contrária, utilizando axiomaticamente que todos temos direito à propriedade privada. As unidades monetárias existem como moeda de troca entre as diversas propriedades privadas disponibilizadas pelos diversos cidadãos, ou seja, compramos um carro de um stande de automóveis, um computador de uma loja de informática utilizando o dinheiro que ganhámos trabalhando para disponibilizar outros produtos ou prestando um serviço determinado. A meio caminho deste eixo existe o socialismo moderado (tradicionalmente, transição do capitalismo para o comunismo) e tipos de governos sociais-democratas e outros intervencionistas que sobrecarregam o cidadão com impostos e burocracia de forma a obter a sua contribuição para o tão pronunciado “bem comum”.

O outro eixo rege-se essencialmente pelas liberdades pessoais e não as liberdades de origem económica. Estas incluem aspectos relacionados com a necessidade de prestar serviço militar, restrição dos direitos de imprensa e liberdades de expressão, defesa da privacidade, consumo de drogas, controlo do comportamento social, etc. Neste eixo vamos desde o autoritarismo/totalitarismo (aquilo a que convencionalmente se chama ditadura) até à anarquia ou, utilizando o neologismo de Magalhães no seu artigo, “libertarianismo”. É de notar que neste eixo as definições se podem confundir com os quadrantes já que existem dois quadrantes chamados Autoritarismo (poucas liberdades pessoais e económicas) e Anarquia (muitas liberdades pessoais e económicas). Estes nomes são dados devido às posições extremas que tomam na disposição do gráfico já que conjugam quer a total falta ou existência de liberdades.

A anarquia rege-se – utilizando conveniente o pleonasmo – pela falta de regência, i.e., não se acredita que haja necessidade de controlar de alguma forma a população em termos pessoais e sociais. Em sociedades com carácter marcadamente anarquista a posse de armas é livre, não existem arquivos de identificação que recolham informações sobre os cidadãos, existe liberdade de imprensa e de expressão entre outras. Os regimes ditatoriais utilizam precisamente os mecanismos contrários, como deve (ou devia) ser desnecessário recordar a muita gente. São formuladas leis que proíbem os cidadãos de efectuar determinados actos que interferem com as suas actividades pessoais como catalogar os cidadãos pelo uso de uma identificação nacional, restringir os direitos de defesa pessoal e não permitir que se possa exprimir uma opinião que seja contraria às ideologias do regime vigente. Há recrutamento militar obrigatório, técnicas de censura e opressão, distinções raciais, imposições religiosas, diferenciação entre os géneros, etc., etc. Caso a memória em Portugal ainda seja uma capacidade prezada não será, certamente, necessário efectuar um esforço muito significativo para relembrar que ainda há pouco tempo a situação não era muito diferente e que ainda continuamos a viver das suas repercussões.

“Mas afinal que, raio és tu?”

Com isto chego ao ponto que desejava esclarecer no início mas que, na verdade, é a questão menos central de todo este artigo já que a verdadeira intenção é, ao contrário de impor opiniões a alguém, levar essas pessoas a reflectir sobre a realidade e a recuperar a iluminação neurológica que foi perdida algures na idade das trevas do condicionamento social feito em Portugal pelos regimes políticos com o excelente auxílio da propensão para o conformismo social. Eu sou um acérrimo defensor da prevalência dos direitos individuais sobre os direitos do Estado, quer sejam eles de natureza económica ou social o que significa que caio na definição de anarquista ou libertário consoante o esquema de classificações. De acordo com a adaptação feita para o Público – como é possível verificar acima – eu seria um libertário de direita já que se assume que a direita oferece liberdades económicas de algum género. A pergunta mais frequente talvez seja – se defendo a liberdade (e sou na verdade um libertário assumido) – por que razão me inclino tanto para criticar a falta de liberdades económicas. Não se assustem os mais cépticos – que ainda crêem que o fascismo está associado de alguma forma ao capitalismo – porque sou igualmente um defensor das liberdades pessoais mas, na minha perspectiva, a liberdade económica é precisamente o centro de todas as liberdades já que simboliza a valorização factual de todas as acções sociais; de forma mais simples, o sistema capitalista garante a liberdade pessoal de cada indivíduo. O assunto é, obviamente, muito mais complexo e por essa mesma razão merece ser discutido com maior minúcia.

Em Portugal defender a liberdade económica é, regra geral, um grande choque cultural porque as pessoas estão habituadas (conformadas) a não ter liberdades económicas mínimas. Para levantar a discussão em torno do assunto apenas posso colocar uma pergunta pertinente: existiu alguma vez alguma ditadura baseada na liberdade económica dos seus cidadãos para exercer as suas tendências autoritárias? O absolutismo histórico baseou-se na centralização de poderes porque era o rei quem detinha o maior poder económico. As plutocracias e as oligarquias formam-se precisamente porque as pessoas comuns não são agraciadas com esses direitos. Não aconteceu com Salazar, Mussolini, Hitler, Mão Tsé Tung, Castro, Estaline nem com outros da mesma estirpe. Todos estes regimes foram ou são alicerçados no controlo económico do cidadão para que este nem sequer tenha direito ou opção de se defender do regime. Para os ainda mais cépticos que deambulam por aí e, descaradamente, defendem o regime de Fidel Castro ou de Kim Jong-II verifiquem as páginas da Amnistia Internacional e o Índice de Liberdade Económica, para ficarem “mais” convencidos de que falo a verdade. Deixo, no entanto, como já referi anteriormente, a questão da fácil refutação das teorias económicas socialistas para outra ocasião.

Certamente, são alvos da crítica marxista países que dão maior liberdade económica como os EUA, o Japão e o Reino Unido (ambos fortemente marcados pelo tradicional modelo anglo-saxónico) mas muito dificilmente ouviremos – por razões plausíveis – um americano, um japonês ou um britânico queixar-se da opressão exercida pelo seu governo (embora o possam fazer livremente) ao passo que em países como Cuba e outros ao mesmo nível quem abrir a boca é detido por delito de opinión.

Assim, depois de longas explicações, creio que é minimamente expectável que após esta leitura se deixe de associar Hitler com o capitalismo, Che Guevara com a liberdade e a mim com todas as ideologias que jamais surgiram, o que inclui essa magnífica demonstração de esperteza saloia que se comete ao apelidar de neonazi ou fascista um liberal/capitalista e de comunista alguém que defende os direitos básicos de todos e de cada um de nós, quando o comunismo representa a negação desses mesmo direitos. O poder deve pertencer ao povo na qualidade da transferência de poderes para cada indivíduo, é esse o verdadeiro sentido de liberdade que parece há muito ter sido esquecido ou talvez nunca assimilado com coerência.

Agora já se sabe, quando alguém referir que existe um “eixo do mal” no mundo talvez não seja coincidência que se chamem eixos àquelas linhas que existem nos gráficos cartesianos e que são vulgarmente utilizados em teste de avaliação política e económica…

[1] Para aqueles que não acreditam e frequentemente me dizem que os portugueses são muito conservadores em vez de socialistas, recomendo-lhes visitar o site do teste Moral Politics que refiro ao longo do artigo. Estes são os resultados para Portugal que, ironicamente, é o segundo país europeu onde mais gente realizou este teste até ao momento. O resultado actual aponta para 41,2% de apoiantes do socialismo. Um teste deste género nunca pode ser ilustrativo no seu todo por várias razões, incluindo a pequena amostra (e o seu tipo), tendenciosidades do próprio teste e eventuais margens de erro. No entanto, é representativo do que queria frisar. Se este ponto não for suficiente para chamar à atenção, encontrei também outro registo interessante: o de percentagem de deputados no parlamento europeu. Portugal tem 50% dos deputados na bancada socialista, ou seja, 12 de 24. Nenhum outro país tem tantos à excepção da Estónia (50%, 3 de 6) e de Malta (60%, 3 de 5).

[2] A palavra liberal nos EUA assume um significado diferente daquele que ostenta na língua portuguesa. Enquanto que na Europa liberal tanto pode significar liberalização económica como liberalização de medidas pessoais ou sociais, nos EUA a palavra liberal encontra-se associada a tendências de esquerda. Desde o início, o seu significado diferiu do seu congénere em british english mas a origem da diferença (ideológica) associada provém do apoio que foi dado a Franklin Roosevelt pelos “liberais” americanos no seu New Deal, um programa estatal que pretendia salvar a economia americana após a Grande Depressão, tornando o Estado americano no chamado “Estado de bem-estar” ou “Estado social” (welfare state). Estas medidas baseavam-se nas teorias do britânico John Keynes que, infelizmente para todos nós, foi um dos economistas mais influentes deste século XX. A palavra liberal tornou-se ainda mais demarcada após a Segunda Guerra Mundial, nos tempos do McCarthyism, quando os próprios apoiantes da esquerda deixaram de se chamar a si próprios comunistas, socialistas ou sociais-democratas para evitar as conotações negativas que haviam sido criadas na sociedade americana. A denominação de libertarian em american english acabou por espelhar essa mesma realidade, pois foi criada para identificar aqueles que eram apoiantes do liberalismo clássico do laissez-faire e não das teorias intervencionistas.

[3] A versão inglesa da Wikipedia possui um artigo intitulado Political Spectrum que explica, em termos gerais, alguns dos sistemas de classificação politica. O meu propósito primário é o de mostrar imagens (razão pela qual ceder uma ligação à Wikipedia é aceitável) dos quadros de Nolan – fundador do Libertarian Party e de Eysenck, nos quais se baseiam os gráficos discutidos neste texto.