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Monday, July 31, 2006

Divisão de poderes

Uma das acusações mais graves que se têm feito ultimamente a Israel é a sua faceta de Estado terrorista, numa lógica de atribuição das características que se desejam combater ao agente que as combate. Contudo, há poucas horas, aconteceu uma coisa deveras estranha, quase a roçar o bizarro paranormal. Uma situação que, à semelhança de casos como os de Abu Ghraib e quejandos, levou os dirigentes governamentais a estabelecer inquéritos internos para compreender exactamente o que ocorreu. Estou, obviamente, a falar da notícia do dia sobre o "massacre de Qana".

Israel diz ter suspendido os ataques aéreos durante as próximas 48 horas de maneira a investigar o que sucedeu, quais as razões da morte de mais de 50 pessoas, a discrepância de horários apresentada entre o ataque e a destruição do local e a aparente inépcia na evacuação das pessoas, apesar dos avisos emitidos. Contudo, Israel lamentou profunda e abertamente o evento e reconheceu de imediato que bombardeou a área.

Ora, deverá ser do conhecimento da maioria que as organizações terroristas, apesar da sua organização interna muitas vezes altamente delineada e cadeias de comando solidamente estruturadas, se caracterizam por uma total anomia de códigos éticos no que refere aos limites a impor às suas acções. Daí resulta que, de forma maquiavélica, não se olhe geralmente a meios para atingir os fins. Esta situação é a consequência evidente da falta de um sistema independente que permita distinguir entre os membros e a sua estrutura, como entre um Estado e um governo, ou seja, uma entidade abstracta com características definidas e os dirigentes responsáveis pela condução dessa entidade abstracta. Outra entidade externa, um sistema judicial (civil ou marcial), com auxílio de um código elaborado também ele por instituições independentes (a lei) poderá condenar ou responsabilizar o Estado por determinados acontecimentos, embora sejam pessoas concretas, que se encarregam de determinadas funções no seio da estrutura burocrática do Estado, o alvo das medidas determinadas. O cumprimento destas regras legais - independentes do governante - é um elemento-chave de um Estado democrático de direito.

Serve tudo isto para mostrar que Israel é um Estado que tem necessariamente de prestar contas pelas suas acções, assim como responsabilizar-se pelos erros militares que comete, ao contrário de organizações terroristas que obedecem apenas à voz de comando do líder supremo do momento e cuja atitude não pode sentir o freio de nenhuma constituição ou escrito fundamental que proteja os direitos essenciais dos civis em questão, nem estar dotada de nenhuma necessidade de justificar e assumir responsabilidades pelos eventuais crimes cometidos. Se, segundo os parâmetros usados, Israel é um Estado terrorista, então, Portugal também será um Estado terrorista porque se regula pelas mesmas formas de avaliação e balanço político. E este sistema deriva directamente do poder do voto que detêm os eleitores.

Claro que, de acordo com esta classificação, todas as democracias à face da Terra serão Estados terroristas, necessitando apenas o defensor da tese anunciada (paradoxalmente, em geral, um defensor ávido da democracia) que a vontade dos políticos ou militares não seja coincidente com as suas intenções pontuais, como é o caso típico e recorrente das críticas feitas ao Estado americano. Estados não-terroristas serão, certamente, por exemplo, a Venezuela e a Bolívia, onde a vontade colectiva dos eleitores conta cada vez menos para as decisões importantes e os (seus?) representantes se fundem cada vez mais com o próprio Estado e com a lei. Mas há que ter atenção. Nestes casos não se apelidam de terroristas porque, obviamente, os paraísos celestes não podem submeter-se a tal tentativa de nomenclatura terrena e prosaica.

Profetas da prolepse

Há alguns dias atrás, coloquei aqui uma ligação para o cartoon de Yaakov Kirschen, desenhado em 1992 (14 anos):



Kirschen presenteia-nos agora com um outro cartoon da sua autoria, desta vez desenhado no longínquo ano de 1982 (24 anos):



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Outras leitura importante (via O Insurgente):

The Vocabulary of Untruth
Words take on new meanings as Israel struggles to survive

Sunday, July 30, 2006

O cerne da questão é o que mais importa

Às vezes fica a sensação de que as pessoas que se limitam a analisar os acontecimentos, tal como eles ocorrem, e as suas consequências naturais têm uma espécie qualquer de amor pela guerra ou um seguidismo cegamente ideológico da política externa norte-americana.

Como é óbvio, não se trata de nada disso. Trata-se simplesmente de compreender a realidade. Aqueles que gritam constantemente pelo fim da guerra só podem servir a causa da perpetuação da guerra porque não compreendem a sua fonte. A causa de tantos conflitos militares na região não se deve nem ao rapto de soldados israelitas, nem ao lançamento de rockets por parte do Hezbollah (as partes que tendem a ser intuitivamente ignoradas) ou sequer à resposta de Israel. A origem da guerra está na incompatibilidade entre os interesses de israelitas e das sociedades islâmicas que os rodeiam. Os países adjacentes não reconhecem Israel e desejam a sua destruição, acontecendo o mesmo com os grupos terroristas que activamente apoiam para atingir determinado fim sem sujar directamente a mãos.

É por isso que a paz não se atinge com negociações diplomáticas nem com a finalização dos ataques fronteiriços de Israel. Ao contrário dos mais idealistas, que a cada disparo das tropas israelitas erguem uma bandeira do Líbano (ou do Hezbollah), quem defende a posição de Israel ou simplesmente se limita a encarar a realidade, compreende que se está a lidar com um problema que tem por questão central a própria existência da nação israelita.

Por isso é que a opção não é entre a paz imediata e a guerra. É entre a sobrevivência de Israel, tal como o conhecemos hoje, ou do desmantelamento das organizações terroristas que frequentemente atentam contra os seus cidadãos. Ao defender um cessar-fogo imediato ou um fim pronto das hostilidades, os alegados defensores da paz estão, na verdade, a defender a causa dos que estão a ser derrotados - o Hezbollah - e, portanto, a defender que a guerra deve continuar durante vários anos ou décadas a troco de um pequeno intervalo de alguns dias ou semanas, apenas para que regresse posteriormente com maior intensidade, visto que o Hezbollah poderá reconstituir as suas forças, receber maior ajuda externa de regimes como o iraniano ou o sírio e voltar a estabelecer as suas actividades normais na zona. Este é o principal problema com o envio de forças internacionais: ou efectuam um desarmamento eficaz do Hezbollah (continuação inevitável da guerra, mas desta vez degenerada num panorama internacional) ou se coopera passivamente com a presença do Hezbollah para que a situação regresse à actividade intensiva que presenciamos actualmente.

É por tudo isto que não adianta falar das mortes dos civis; em todas as guerras relevantes que a humanidade conheceu, civis foram mortos e isso não irá certamente mudar, em especial nas guerras em que são usados como arma, quer ofensiva, quer defensiva. Não é a questão central e serve apenas como via de fuga ao tema vital que realmente interessa. A única dúvida persistente, e porque a única forma de mostrar uma preocupação realista com o que acontece é analisar a questão acima referida, é entre entender quais os que estão abertamente contra a existência de Israel na região - quais as soluções alternativas que propõem, a sua legitimidade e a coerência com o restante contexto global relativo a outras situações idênticas - e aqueles que, como diz muito bem o João Miranda, são idiotas úteis ao serviço involuntário de um legado a que na verdade se opõem abertamente.

Thursday, July 27, 2006

A coerência do costume

Há algo solenemente intrigante em todo o contexto de manifestações que se estão a desenvolver um pouco por todo o mundo contra as acções do Estado de Israel. Durante décadas, os ataques terroristas, seja no Médio Oriente ou em qualquer outro local do planeta, nunca conseguiram reunir tanto protesto, com tanta frequência, incidência, diversificação geográfica e indignação. Os apoiantes e simpatizantes destas causas, sempre tão preocupados com os efeitos da islamofobia e a discriminação das minorias étnicas/religiosas oprimidas (o povo hebreu perfaz cerca de 0,2% da população mundial ao contrário do islâmico que anda por volta dos 20%), parecem ignorar propositadamente todas suas defesas tradicionais, em nome de uma aliança com os que desejam a destruição completa dos pilares da democracia liberal sobre os quais assenta a maioria das nações tidas como de tradição ocidental. Talvez daí decorra tanta identificação mútua e a exigência já ensurdecedora do cessar-fogo imediato, uma vez que provavelmente se sentem a perder a guerra que já não se verifica apenas dentro das suas cabeças, mas também na fronteira entre o Líbano e Israel.

Ainda bem que o anti-semitismo é apenas um chavão qualquer inventado pela máquina de propaganda da direita pro-americana. Qualquer dia alguém até poderia sugerir que os nazis ou os restantes socialistas tinham alguma coisa a ver com tudo isto.

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Adenda: O artigo de Pablo Molina na Libertad Digital:

«La manifestación de este pasado jueves, convocada por PSOE, IU, sus sindicatos pantalla y una gavilla de organizaciones subvencionadas, coloca nuevamente a la izquierda ante sus contradicciones más flagrantes. Señores que no soportan a un cura católico, defendiendo al "Partido de Dios" formado por fanáticos islamistas, pacifistas jaleando a grupos terroristas y feministas radicales entusiasmadas con una subcultura que niega a la mujer sus derechos; todo ello aliñado con la foto inolvidable del presidente más insolvente de la Historia de España, luciendo simbología panarabista como un vulgar mozalbete camino del "insti".

La participación de renombrados activistas homosexuales en la algarada, entra ya de lleno en el terreno de la psicopatología. Los referentes morales que les despiertan más simpatía son el castrismo y el integrismo islámico. El primero encarcela a los gays para "reeducarlos", el segundo los ahorca para redimirlos.»

Wednesday, July 26, 2006

Conversão próxima

Isto do pacifismo é uma coisa muito complicada. Depois do assunto de Israel resolvido, qual será mesmo o próximo país democrático para com o qual os pacifistas vão demonstrar hostilidade e as milícias armadas de resistência terrorista pelas quais irão manifestar apoio incontestável e simpatia?

Pacifismo

s.m.,

ideologia política segundo a qual um povo, nação ou estado não tem o direito à reacção militar coordenada quando atacado por forças externas ou internas com o objectivo claro e identificado de colocar em risco a sua existência e a manutenção do estatuto presente no momento ou período do ataque, ainda que tal exigência não se aplique à outra parte do conflito, em especial se esta se tratar de uma força terrorista islâmica com objectivos bélicos disfarçados sob a forma de revelação divina; cagufa de todo o tamanho.

pop. filosofia de vida a defender, excepto quando se pensa em Espanha. Nesse caso, toda e qualquer declaração proferida em castelhano, por mais pacífica e amistosa que seja, é prova incontestável de que todos os portugueses de gema devem recorrer às armas para se defender do invasor inimigo e proteger a sua pátria amada.

Tuesday, July 25, 2006

O que é nosso, é meu

Defensores vitalícios da propriedade estatal pública estatal pública falham em compreender o que é a propriedade pública.

Público e privado

João César das Neves, no Diário de Notícias. Nada de citações, é essencial ler o artigo na sua totalidade.

Shahid

Da próxima vez que ouvirem uma abertura de noticiário com a linha "x inocentes/civis mortos no sul do Líbano, x - y eram crianças" ou que o Hezbollah está a lutar pela liberdade ou auto-determinação do seu povo (seja lá o que isso significar, para além da destruição de Israel) lembrem-se destas declarações de Jan Egeland, que agora já está no foco de guerra:

«But a day after criticizing Israel for "disproportionate" strikes against civilians, U.N. humanitarian chief Jan Egeland accused Hezbollah of "cowardly blending" among Lebanese civilians.

"Consistently, from the Hezbollah heartland, my message was that Hezbollah must stop this cowardly blending ... among women and children," Egeland said. "I heard they were proud because they lost very few fighters and that it was the civilians bearing the brunt of this. I don't think anyone should be proud of having many more children and women dead than armed men."»


O melhor comentário político feito à situação actual pertence ao humorista Yaakov Kirschen e data de 1992.

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Adenda: Cobertura e análise mais pormenorizadas e dinâmicas a ler, por estes dias, n'O Insurgente, A Arte da Fuga, Kontratempos e Rua da Judiaria.

Monday, July 24, 2006

Leitura recomendada

Heaven on Earth: The Rise and Fall of Socialism de Joshua Muravchick





«Much of the history of the past 200 years revolved around a single idea. It was the vision that life could be lived in peace and brotherhood if only property were shared by all and distributed equally, eliminating the source of greed, envy, poverty and strife. This idea was called "socialism" and it was man's most ambitious attempt to supplant religion with a doctrine grounded on science rather than revelation.

(...)

Because its goal proved so elusive, the socialist movement split and split again into diverse, sometimes murderously contradictory forms. There was Social Democracy, which insisted that only peaceful and democratic means could produce a harmonious commonwealth. There was Communism, which extolled the resolute use of force and dictatorship to propel mankind to a new way of life. There was Arab Socialism, African Socialism, and other Third World variants that sought to amalgamate western Social Democracy and eastern Communism. There was even fascism, which turned the socialist idea on its head by substituting the brotherhood of nation and race for the brotherhood of class. And there were those - from early American settlers, to the "flower children" of the 1960s, to Israeli Zionist kibbutzniks - who built their own socialist communities, hoping to transform the world by the force of example.

As an idea that changed the way people thought, socialism's success was spectacular. As a critique of capitalism that helped spawn modern social safety nets and welfare states, its success was appreciable. As a model for the development of post-colonial states, the socialist model proved disappointing, fostering economic stagnation among millions of the world's poorest people. And in its most violent forms, socialism was calamitous, claiming scores of millions of lives and helping to make the twentieth century the bloodiest ever.»

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Notas:

- A propósito, ler esta entrada do FCG sobre o nacional-socialismo.

- O texto acima foi retirado da sinopse do documentário que se originou após a publicação do livro. Mais informação sobre esse documentário pode ser visto nesta página da PBS.

Friday, July 21, 2006

Mais uma boa medida

Mas para aumentar o desemprego e reduzir os salários.

Guerras úteis

Há uns dias atrás, Luís Amado fez umas declarações muito vulgares acerca do repúdio total de Portugal quanto ao conflito no Médio Oriente. Na altura, nada disto era muito relevante mas a situação tem vindo a alterar-se de forma gradual.

O que está aqui em questão, e já é uma mania que no mesmo Ministério vem do tempo de Freitas, é falar indiscriminadamente em nome de Portugal. Como pode Luís Amado dizer que em Portugal se condena a escalada de violência no Médio Oriente quando vemos tanta gente beligerantemente excitada e elementos da extrema-esquerda absolutamente extasiados por terem encontrado mais um suposto pretexto para destilar o seu ódio natural contra o povo de Israel? Como pode isto ser verdade quando já se abandonou toda e qualquer vontade de analisar de forma realista e séria a situação peculiar de Israel e se cedeu puramente à discussão de reportagens-panfleto como se fossem factos e não elementos provenientes de uma guerra paralela de informação?

Para tanta gente de bem que regularmente se diz pacifista, há quem esteja seriamente a ser afectado por uma espécie de guerrite crónica. Talvez seja o efeito vasodilatador das temperaturas que se têm sentido.

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Nota: Uma notícia que de certeza não irá ser comentada pelos senhores acima mencionados. Relembrar que surge no decurso de uma guerra. Vamos esperar que o Hezbollah faça o mesmo. Mas esperemos sentados.

Revelações

Renovada esperança de compreender o que pensa um político.

Wednesday, July 19, 2006

Your eyes are very heavy now... II

Governo diz que líder do PSD teve indigestão com dados do Banco de Portugal

«Em declarações à agência Lusa, o ministro da Presidência considerou que, "ao vir agora dizer que os portugueses não comem previsões, Marques Mendes está apenas a revelar uma digestão difícil dos números positivos apresentados pelo Banco de Portugal".

"Não percebo porque é que uma boa notícia para a economia portuguesa e para os portugueses há-de ser assim tão indigesta para o líder do maior partido da oposição", comentou Pedro Silva Pereira.»

A nova previsão do Banco de Portugal para o crescimento do PIB é de 1,5%, fazendo umas considerações generosas e esticando um pouco as estatísticas e o que não dá para adivinhar. Os EUA têm previsto um crescimento do PIB superior a 3% enquanto o da UE deverá andar por volta dos 2%. Esta lista do CIA Factbook coloca Portugal no 55º lugar mundial em termos do PIB per capita de acordo com o método da paridade do poder de compra. Muitos dos países que estão abaixo do 55º lugar estão a convergir a grande velocidade para o valor médio do PIB da UE ao mesmo tempo que Portugal diverge. No espaço de 5 anos, se tudo se mantiver ao mesmo ritmo, o valor da riqueza média em Portugal será ultrapassado pelos tigres do báltico e restantes economias de leste.

A menos que o ministro da Presidência esteja tão confiante no reportado por Vitor Constâncio que acredita na manutenção de tal previsão até ao final do ano e o plano de Sócrates seja convergir e competir directamente com a economia do Burundi, não vejo propriamente qual é a razão de tanto contentamento e euforia.

Do bom e do melhor

O Jornal de Negócios fez uma avaliação das condições futuras da Segurança Social portuguesa introduzindo os factores de reforma que estão a ser iniciados pelo governo de Sócrates, em busca de uma maior sustentabilidade do sistema. Surpreendente?

«As pessoas que se reformarem em 2030 deverão sofrer, em média, um corte nas pensões de 23%, noticia hoje o Jornal de Negócios. São os jovens, que entraram recentemente no mercado de trabalho, que vão sofrer mais.»

Sócrates está claramente em defesa dos contratos praticamente unilaterais estabelecidos entre o Estado e os contribuintes portugueses. É um suspiro de alívio porque, como dizia o próprio, a proposta de capitalização de fundos de Marques Mendes iria "agravar a dívida pública" e, como todos sabemos, a dívida pública por saldar deve ser má porque se traduz necessariamente em impostos ou expansão monetária e desvalorização da moeda (este deve ter sido o momento liberal implícito das declarações...). Absolutamente louvável a preocupação do Eng. Sócrates, especialmente porque até agora ainda não houve um único imposto que aumentasse desde o início da legislatura do seu governo nem uma única demonstração de passividade e condescendência com a permanência quase constante dos números absurdos da despesa pública. Só é estranho que com tanta preocupação ainda exista um défice orçamental monstruoso, apesar de receitas igualmente monstruosas, e um crescimento económico miserável. Verdadeiramente enigmático.

Entretanto, é importante ouvir justificações políticas deste género porque nos permitem reflectir sobre outros projectos. As pensões irão ser reduzidas e não haverá capitalização de fundos porque o governo não pretende aumentar a dívida pública (isto é, não querendo também aceitar a sua incapacidade em lidar com um sistema de segurança social e rejeitando o conceito de privatização parcial ou total, assim como a capitalização das contribuições). Será a altura própria para perguntar convenientemente: estará o nosso dirigista de serviço disposto a calcar o seu próprio orgulho e a considerar seriamente eliminar todas as projecções encaminhadas de investimento público megalomaníacas, incluindo o aeroporto da Ota e a construção do TGV, ou continuaremos a ouvir o eterno mito de que o investimento público é invariavelmente bom porque gera desenvolvimento, crescimento económico, emprego, etc. e a ignorar que representam, também elas, um aumento da dívida pública?

E a dúvida persiste. Mesmo que não seja explícito se esta planificação de redução de 1/4 é real ou nominal (não compliquemos) e não se saibam prever os valores da inflação para os próximos 30 anos, quem é que, num sistema livre em que existam opções, estaria disposto a entrar neste esquema de burla? Ou os contribuintes que entraram recentemente no mercado de trabalho são apenas uma ferramenta algébrica ao uso da contabilidade estatal?

Monday, July 17, 2006

Atrasados

Os parabéns a quem nos ajuda a ter uma esperança no seio de tanto desespero.

How to Lie with Statistics

Estudo: Portugal tem o 16º melhor sistema de saúde europeu

«Portugal tem o 16º melhor sistema de saúde europeu de um total de 26 países, numa lista que é encabeçada pela França. Depois de Portugal surge Espanha e a Grécia, segundo um estudo elaborado pela organização Health Consumer Powerhouse sobre os sistemas de saúde do Velho Continente.»

O que o comunicado queria mesmo dizer era que Portugal tem o 11º "pior" sistema (o que está dependente dos critérios usados) da lista de países analisados. Claro que ver a lista a partir do ponto positivo ("melhor") é mais simpático e menos noticiosamente deprimente.

Saturday, July 15, 2006

Em nome da segurança

Toyota's totally bizarre recall

«Why would Toyota issue a recall designed to make vehicles less safe?

This fall, Toyota will voluntarily recall nearly 160,000 Toyota Tundra pickups so that they can be made less safe for children riding in the front seat.

No, that's not a mistake - at least not on our part.

The recall, announced Monday, is meant to make Tundras comply with a set of safety regulations. The rules say that vehicles built after 2002 must have a child-seat anchor system known as LATCH in the front seat if they also have a front-seat airbag shut-off switch.

The Tundras in question were built with an airbag shut-off switch but not the LATCH system.

The solution? Spend lots of money and inconvenience customers...to remove the airbag shut-off switch.

The move not only doesn't enhance the safety of these vehicles, it actually makes the vehicles unsafe for small children riding in the front seat.

Those shut-off switches exist because airbags can injure and even kill small children even in otherwise minor crashes.»

(via Tom Palmer)

Esta questão, para além de servir como forma de elucidação aos mais distraídos acerca da típica regulação por motivos de segurança (que reflecte o malefícios dos decisores políticos) e obrigar a Toyota a gastar mais milhões de forma aparentemente desnecessária e nefasta, demonstra uma das razões pelas quais o Estado não consegue "regular" devidamente seja o que for: falta de informação. O Estado não consegue ser, em simultâneo, especialista em todas as áreas do conhecimento e inovação tecnológica, não podendo, por essas mesmas razões, reclamar conhecer mais sobre um determinado sistema do que o seu respectivo produtor e analistas.

Este problema recorda, também nos EUA, o dos adoçantes artificiais. Um dos exemplos mais polémicos é o do aspartame, uma substância bastante duvidosa do ponto de vista médico (para além do tradicional problema que causa aos portadores de fenilcetonúria) e largamente utilizada em refrigerantes. Entre outras coisas, estudos médicos sugeriram que alegadamente poderia haver uma ligação do aspartame com tumores e lesões cerebrais, linfomas, mutações genéticas, leucemia, perturbações neurológicas, etc. Existe muita informação e também muita contra-informação dada a controvérsia sobre o assunto. Seria, portanto, de esperar que o aspartame tivesse uma quota de mercado reduzida por ser demasiado caro de produzir e possuidor de um risco relativamente elevado que os consumidores e os produtores não estariam dispostos a correr.

No entanto, acontece que a FDA (Food and Drug Administration), o corpo governamental que regula a qualidade dos alimentos e medicamentos nos EUA, deu carta branca aos produtores de aspartame nos anos 80. Adicionalmente, o governo subsidia a indústria nacional de produção de adoçantes artificiais e impõe restrições à importação de açúcar produzido no estrangeiro, através de tarifas alfandegárias. Ou seja, se todos estes efeitos forem reais, o Estado americano tem estado a apoiar o consumo de substâncias químicas potencialmente perigosas enquanto os produtores de alimentos e bebidas como os refrigerantes são desincentivados a usar açúcar e outros componentes portadores de um risco de saúde menor.

Ainda bem que os governos existem para proteger a nossa saúde. Pessoalmente, julgo que qualquer um ficará menos preocupado.

Friday, July 14, 2006

Entrelinhas

Para quem tem acompanhado com o mínimo de atenção os desenvolvimentos dos últimos dias sobre o recente conflito israelo-árabe, há apenas uma certeza que é justificada pela quantidade de vezes que o comportamento se repete, sempre da mesma forma, e que por isso já não apresenta grande novidade.

Tanto na comunicação social como nos comentários políticos é-se muito mais rápido e desproporcional a condenar uma acção com objectivos militares do Estado israelita do que a fazê-lo quando se trata de um ataque terrorista com o objectivo puro e simples de matar civis israelitas. Para além do típico apoio pela "causa palestiniana" existe uma razão muito óbvia para que isto aconteça. Israel, como parte do Ocidente pela ligação às raízes judaico-cristãs, faz com que se apresente uma enorme dificuldade em destacar entre o "eles" do "nós". Daí decorre que as acções de Israel ou do Estado de Israel são tipicamente analisadas segundo o critérios de avaliação feito para um país do Ocidente - por exemplo, os EUA - enquanto as dos demais países árabes (ou outros islâmicos) são vulgarmente vistos como pertencentes a outra "cultura" e portanto, à luz do multicultarismo niilista, possuidoras de uma infinidade de explicações de acordo com a sua especificidade social local. Não que exista muito raciocínio em todo este processo, é algo que acontece de forma automática.

Ironicamente, ao fazerem esta distinção natural, os que tanto labutam por se destacar de Israel, acabam por admitir necessariamente que fazem parte da sua matriz cultural.

Tuesday, July 11, 2006

Gestão da economia

Oposição diz que estratégia do Governo falhou
O PCP apelou hoje ao Governo para que não se resigne com o anunciado encerramento da Opel na Azambuja no final do ano, sublinhando que o executivo «tudo deve fazer» para garantir a continuidade da fábrica da General Motors.
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Continua-se sem entender muito bem quais as verdadeiras intenções das pessoas que tanto criticam a saída da fábrica da Opel da Azambuja. Sabendo que estas, que tanto se indignam e sobressaltam com os anúncios na imprensa, são exactamente as primeiras a rejeitar de forma muito contundente que não devem existir mais incentivos fiscais e subsidiários, nem aceitam os conceitos de globalização, divisão do trabalho a nível internacional, multiplicidade de centros de decisão e liberdade económica, qual é propriamente a ideia que têm em mente? Repetidamente se ouve o ministro da economia e outros a dizer que a Opel assinou um contrato em como permaneceria em Portugal por um período de tempo (até 2008) em troca de benefícios estatais e, como tal, deve pagar a indemnização referente à sua quebra. Se é certo que a Opel assinou o dito contrato, é igualmente tão certo que a Opel não dispensa ter os seus advogados prontos a disputar a questão em tribunal ou a pagar de imediato o que foi estipulado de acordo com as condições de rescisão.

De que serve saber isto? O cerne do problema aqui é que a Opel não é suficientemente ingénua para pensar que não terá de indemnizar os trabalhadores e o Estado português ou que não terá gastos adicionais com os sucessivos problemas decorrentes das deliberações do sistema judicial. A questão central é que, mesmo avaliando todos estes potenciais gastos, a Opel determine que os custos de tal operação sejam provavelmente menores e justifiquem os benefícios industriais e comerciais obtidos com a deslocalização da fábrica da Azambuja... para Espanha. Se não o analisasse desta forma (caso a probabilidade de sucesso e o risco a este associado não fosse aceitável), os seus directores acabariam por se resignar à actual situação. Isto sim, é deveras relevante e preocupante.

Tal realidade deveria dar muito que pensar aos deputados dos mais diversos partidos representados na AR. No entanto, alguns parecem estar mais inclinados para a indignação automaticamente gratuita. Qual é o plano? Nacionalizar as instalações em nome dos direitos do povo?

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Actualização: No Diario Económico: «A Delphi produz componentes para a Opel e tem cinco fábricas em portugal. Duas das unidades, que têm reduzido pessoal, vão ver os custos aumentar para colocarem a produção em saragoça em vez da Azambuja.»

Sunday, July 09, 2006

Your eyes are very heavy now...




Vai sendo cada vez mais cansativo ouvir anúncios de investimentos privados feitos por José Sócrates (os anúncios, não os investimentos) com a inclusão de números astronómicos de cash flow a entrar na humilde caixa registadora portuguesa. Em todos estes anúncios é comum ouvir-se 3 palavras mágicas: "competitividade", "economia", "Portugal". Quando conjugadas perfazem a justificação para os compromissos publicitários - digo, novo investimento - e a conclusão de que a forma de actuar do governo está no caminho certo.

Quem estiver mais distraído até poderá pensar que é dos governos que nasce a iniciativa privada. Parece ser esse o objectivo do conteúdo das declarações.

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Nota: Este comentário do Bruno Gonçalves sobre o Debate da Nação ajusta-se perfeitamente.

Wednesday, July 05, 2006

Os espanhóis não gostam de nós!

Mundial 2006: Embaixada lusa em Madrid recebe saudações

«Todos os serviços da Embaixada têm recebido inúmeras mensagens de espanhóis, que se tem dirigido à Embaixada para desejar boa sorte, para dar vivas a Portugal e para saber onde podem ver o jogo», disse à Agência Lusa a assessora de imprensa, Maria de Lurdes Vale.

«Recebemos telefonemas de pessoas que dizem que nas suas empresas estão todos por Portugal. Que desejam a vitória portuguesa e que mandam saudações aos portugueses», explicou.

Muitos dos telefonemas usam, agora por Portugal, a frase que foi tornada célebre no apoio à selecção espanhola: «A por ellos» (vamos a eles).

A delegação da Agência Lusa em Madrid tem recebido mensagens idênticas de jornalistas latino-americanos residentes em Espanha e de espanhóis, com saudações a Portugal e manifestações de esperança de que a selecção portuguesa vingue as equipas nacionais espanhola, brasileira e argentina, todas eliminadas até aos quartos-de-final.

Nada de novo - já todos sabemos que de Espanha nem bom vento, nem bom casamento. Como se pode constatar, está tudo a roer-se para que a França ganhe. Ainda bem que os portugueses não são assim tão orgulhosos e arrogantes. Se fosse ao contrátrio, estariam certamente todos a torcer por Espanha. Francamente, estes espanhóis...

Tuesday, July 04, 2006

Introdução à Lógica I

Muita gente tem estado a defender que o governo não deveria deixar a fábrica da General Motors sair de Portugal. Apesar de não especificarem exactamente que meios de persuasão deve utilizar o governo, já que, regra geral, esta gente também está contra as reduções/abolições de impostos, abdicação da protecção laboral e outras regulações, há algo que nunca fica seriamente respondido e permite que estas indignações bem-pensantes sobrevivam ao passar do tempo como arma política e continuem a ser usadas indefinidamente.

A pergunta incómoda é a seguinte: partindo-se do princípio de que o governo teria a legitimidade e o direito inquestionável para exigir que uma empresa se mantivesse operacional em Portugal após o seu investimento, independentemente do seu incentivo original, qual a percentagem de empresas estrangeiras, em comparação com a actual, que passaria a estar interessada em investir uma parcela do seu capital neste país? A mesma pergunta se aplica aos que defendem que o governo deve impedir que seja permitido movimentar grandes quantidades de capital para o estrangeiro.

Se é certo que a média nos exames nacionais de matemática costuma ser sempre abaixo de 9 numa escala de 20 valores, deveria existir ao menos a noção de que modificar uma variável numa equação literal e assumir que todas as restantes ficaram intactas não é, geralmente, boa ideia. Daí a concluir, com um bocadinho de raciocínio abstracto mas simples, em que sentido se vai movimentar a variável "capital estrangeiro investido" não deve ser muito difícil.

A Arte da Fuga de parabéns



2 anos de excelentes fugas sem, no entanto, fugir ao que realmente importa.

Sunday, July 02, 2006

Fair play é só para os outros

É muito engraçado que alguma imprensa inglesa e muitos comentadores apoiantes da respectiva selecção continuem com a sua evasão dos acontecimentos que ocorreram durante a partida com Portugal. Não que os ingleses tenham particularmente fama de serem gente fina (excepto o mito de que todos são muito educados e uns verdadeiros gentlemen) mas em especial pelo facto de, durante a semana passada, terem exercido pressão psicológica sobre a selecção portuguesa e os portugueses por supostamente serem "arruaceiros".

Claro que colunistas menos sensacionalistas e mais racionais lá admitem que Rooney foi infantil ou mesmo idiota por ter colocado Inglaterra a jogar com 10 e ter influenciado negativamente o decurso do restante jogo, tendo até algumas reticências em vê-lo jogar em breve, mas é curioso ver que, depois de tanta gente ter acusado os portugueses de ser violentos, estejam a tentar desculpar uma pisadela - ao que tudo parece segundo as imagens, completamente intencional - de Wayne Rooney que poderia ter afectado seriamente a saúde de Ricardo Carvalho. Este fenómeno "inexplicável" inclui companheiros de equipa que, incrivelmente, culpam Cristiano Rolando pelo sucedido.

De início, ninguém deveria recriminar os jornalistas que saíram com acusações à selecção portuguesa, depois do despique com a Holanda, em que o árbitro teve um ataque de insanidade e o próprio Joseph Blatter criticou a arbitragem infeliz. Também, de forma curiosa, foi neste mesmo jogo que Cristiano Ronaldo saiu lesionado após uma entrada absolutamente descabida (apesar de os violentos serem os portugueses e não os holandeses, claro), o que até mostrou gerar algum agrado implícito por parte da imprensa desportiva britânica.

Inglaterra é um daqueles países de futebol muito jogado com o físico em que os árbitros mostram ser bastante complacentes com faltas que seriam consideras agressões noutras ligas, razão pela qual algumas equipas europeias receiam encontrar árbitros ingleses em competições internacionais. Se se entrar nesta guerra sem sentido, também se poderiam referir todos os distúrbios tradicionais que causa a perigosa mistura bioquímica entre a cerveja e os adeptos ingleses em qualquer parte do mundo para onde se dirijam. Na Alemanha, por exemplo, quase todos os dias lemos sobre como houve mais uma rixa que envolvia claques de apoio inglesas. Qual a relevância disto? Absolutamente nenhuma. O facto de querer desculpar uma suposta e provavelmente verdadeira falta de fair play da selecção portuguesa, durante o jogo com a Holanda, com base nas acções de quem se pronuncia é irrelevante porque, sendo apontado ou não por alguém que age de forma semelhante, não deixa de ser um facto verídico e constatável. Todavia, criticar um suposto comportamento alheio para depois o tentar desculpar quando a situação já é pessoal torna-se moralmente questionável e preocupante.

O mais intrigante e relevador sobre o conceito de jogo limpo de alguns ingleses é que, sempre dispostos a ser diplomáticos e politicamente correctos, queiram primeiro convencer o mundo de que os portugueses são uma espécie de agressores e violadores das regras básicas (do futebol e não só) para depois vitimizar Rooney quando este agride Ricardo Carvalho. Como dizia o jornal madrileno As ontem (em tom de brincadeira mas, infelizmente, realista): «el colegiado argentino Elizondo interpretó que Rooney quiso hacer intencionadamente una tortilla con sus tacos y las partes íntimas de Carvalho.»

Talvez um bocadinho de humildade e menos dualidade de critérios lhes ficasse bem. Que festejem pacificamente a desejada saída de Eriksson e parem de bater em alemães. Os fãs do futebol de alta competição agradecem.

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Notas:

1. N'O Insurgente, ver o vídeo com quem penso ser Alan Shearer a dizer que os ingleses (que são todos santos, a começar por Rooney...) não fazem coisas assim, referindo-se à reacção dos jogadores portugueses depois da tentativa de transformar os países baixos de R. Carvalho em ketchup.

2. Ver também no Blasfémias os dois artigos do CAA sobre (1) as teorias da conspiração britânicas quanto à piscadela de olho de Cristiano Ronaldo - como se o contentamento dos jogadores portugueses justificasse a não atribuição de cartão vermelho a Rooney - e (2) a ideia de que jogar no Manchester United depois de ter prejudicado a equipa inglesa não seja muito natural. Talvez, como diz o CAA, a imprensa inglesa esperasse que C. Ronaldo fosse mais um lion.

3. De admirar a súbita defesa de Rooney quando é conhecido pelo seu carácter tempestuoso em casa. Um comentário mais sóbrio de Rob Smyth no Guardian acompanhado de comentários de leitores menos sóbrios.