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Monday, July 31, 2006

Divisão de poderes

Uma das acusações mais graves que se têm feito ultimamente a Israel é a sua faceta de Estado terrorista, numa lógica de atribuição das características que se desejam combater ao agente que as combate. Contudo, há poucas horas, aconteceu uma coisa deveras estranha, quase a roçar o bizarro paranormal. Uma situação que, à semelhança de casos como os de Abu Ghraib e quejandos, levou os dirigentes governamentais a estabelecer inquéritos internos para compreender exactamente o que ocorreu. Estou, obviamente, a falar da notícia do dia sobre o "massacre de Qana".

Israel diz ter suspendido os ataques aéreos durante as próximas 48 horas de maneira a investigar o que sucedeu, quais as razões da morte de mais de 50 pessoas, a discrepância de horários apresentada entre o ataque e a destruição do local e a aparente inépcia na evacuação das pessoas, apesar dos avisos emitidos. Contudo, Israel lamentou profunda e abertamente o evento e reconheceu de imediato que bombardeou a área.

Ora, deverá ser do conhecimento da maioria que as organizações terroristas, apesar da sua organização interna muitas vezes altamente delineada e cadeias de comando solidamente estruturadas, se caracterizam por uma total anomia de códigos éticos no que refere aos limites a impor às suas acções. Daí resulta que, de forma maquiavélica, não se olhe geralmente a meios para atingir os fins. Esta situação é a consequência evidente da falta de um sistema independente que permita distinguir entre os membros e a sua estrutura, como entre um Estado e um governo, ou seja, uma entidade abstracta com características definidas e os dirigentes responsáveis pela condução dessa entidade abstracta. Outra entidade externa, um sistema judicial (civil ou marcial), com auxílio de um código elaborado também ele por instituições independentes (a lei) poderá condenar ou responsabilizar o Estado por determinados acontecimentos, embora sejam pessoas concretas, que se encarregam de determinadas funções no seio da estrutura burocrática do Estado, o alvo das medidas determinadas. O cumprimento destas regras legais - independentes do governante - é um elemento-chave de um Estado democrático de direito.

Serve tudo isto para mostrar que Israel é um Estado que tem necessariamente de prestar contas pelas suas acções, assim como responsabilizar-se pelos erros militares que comete, ao contrário de organizações terroristas que obedecem apenas à voz de comando do líder supremo do momento e cuja atitude não pode sentir o freio de nenhuma constituição ou escrito fundamental que proteja os direitos essenciais dos civis em questão, nem estar dotada de nenhuma necessidade de justificar e assumir responsabilidades pelos eventuais crimes cometidos. Se, segundo os parâmetros usados, Israel é um Estado terrorista, então, Portugal também será um Estado terrorista porque se regula pelas mesmas formas de avaliação e balanço político. E este sistema deriva directamente do poder do voto que detêm os eleitores.

Claro que, de acordo com esta classificação, todas as democracias à face da Terra serão Estados terroristas, necessitando apenas o defensor da tese anunciada (paradoxalmente, em geral, um defensor ávido da democracia) que a vontade dos políticos ou militares não seja coincidente com as suas intenções pontuais, como é o caso típico e recorrente das críticas feitas ao Estado americano. Estados não-terroristas serão, certamente, por exemplo, a Venezuela e a Bolívia, onde a vontade colectiva dos eleitores conta cada vez menos para as decisões importantes e os (seus?) representantes se fundem cada vez mais com o próprio Estado e com a lei. Mas há que ter atenção. Nestes casos não se apelidam de terroristas porque, obviamente, os paraísos celestes não podem submeter-se a tal tentativa de nomenclatura terrena e prosaica.

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