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Tuesday, December 20, 2005

Governo, IST e MIT



Já não me deixa surpreendido, creio eu, ouvir que o governo ou o Estado, em geral, tem como objectivo promover a cultura e a educação da população. Não sei quem é que hipnotizou toda esta camada extensa da sociedade para que possam acreditar em todas essas balelas. Talvez tenha sido o próprio Estado - ou existe alguma outra razão para apoiar as escolas públicas e a definição dos conteúdos programáticos por parte do Ministério da Educação? - a incutir toda esta confiança cega. Os governantes até tomaram o cuidado extremo de tornar a escolaridade obrigatória de forma a certificar-se que ninguém lhe possa escapar legalmente. Ocupou-se igualmente de educar todos a pensar que "alguém sem educação [secundária/superior] nunca será ninguém na vida". É certo, quando um estudante abandona o ensino escolar, grande parte da comunidade passa a vê-lo como uma espécie de marginal que não deseja trabalhar e que será relegado para os recônditos do gueto mais próximo. Não me irei alongar acerca deste assunto porque não é o âmbito deste artigo; ficará para outra ocasião.

Através d'O Insurgente (notícia que também pude ler no Bodegas), tive conhecimento ontem de que o Massachusetts Institute of Technology (esse mesmo, outro produto do capitalismo selvagem americano) deseja estabelecer um pólo de investigação em Portugal. A notícia não refere exactamente que tipo de investigação seria esta mas presumo que seja sobre um ramo de engenharia. A fracção relevante incide sobre estes pequenos pedaços que dizem quase tudo:

A entrada do Massachusetts Institute of Technology (MIT) em Portugal pode estar em risco devido a divisões no interior do Governo relativamente ao Plano Tecnológico.

(...)

o reitor da UNL, Leopoldo Guimarães, revelou ao jornal que as negociações estão cada vez mais difíceis.

As negociações já deveriam estar fechadas há cerca de um mês, mas até ao momento nenhuma decisão foi anunciada.

Uma das exigências colocadas pelo instituto norte-americano é que o MIT possa recrutar investigadores junto de todas as universidades nacionais, hipótese que não agrada a alguns elementos do Executivo.

Estes defendem que seja apenas uma universidade portuguesa, nomeadamente o Instituto Superior Técnico (IST), a deter a exclusividade da parceria com o MIT.

Por uma razão que ninguém entende, o governo insiste em complicar negociações que envolvem as universidades portuguesas e o Massachusetts Institute of Technology (MIT para os amigos). Este deseja, com toda a naturalidade, poder recrutar investigadores de mais do que uma instituição.

Que razões podem existir para tal comportamento insano?

1. O Estado português não quer saber da inovação tecnológica portuguesa. Não se preocupa com qualquer género de desenvolvimento científico que possa ser produzido em Portugal, para benefício dos portugueses e dos seus investigadores locais. A intenção do governo é puramente destruir cada vez mais as oportunidades e possibilidades de avanço da economia portuguesa.

2. O Estado português fez um contrato informal e interno com o IST para que uma parte dos fundos dirigidos à instituição seja recambiada para as contas pessoais dos governantes. Isso explicaria o porquê da exigência na exclusividade.

3. O Estado português acredita no mI(S)To - trocado por miúdos - o mito do IST. Todos os bons alunos de ciência e engenharia vão para o IST. Todos os melhores estudantes são do IST. Todos os melhores programas de estudos para estas áreas são do IST, assim como os professores. Se os investigadores não forem do IST, não há futuro risonho à sua frente e é melhor que se preparem para uma carreira medíocre como electricistas numa companhia qualquer que também emprega ucranianos. Nesta versão, entende-se porque é que o governo parece nem sequer considerar a existência de outras universidades locais que também atraem estudantes (Lisboa, Nova de Lisboa, Coimbra, Porto, Aveiro...).

4. O Plano Quinquenal, perdão, Tecnológico do governo socialista é uma cagada total. Consiste apenas em mais uma técnica mascarada para continuar a sugar dinheiro dos contribuintes, com o apoio de grande parte deles. A maioria dos estudantes, investigadores e professores acha muito bem porque concordam com o slogan de mais dinheiro para "educação, inovação e desenvolvimento". No entanto, a maior fatia deste dinheiro nunca chega nem aos professores, nem aos estudantes, nem aos investigadores. A única coisa que se vê são políticos e governantes em carros de luxo e seus respectivos fatos e gravatas. Um político que se preze deve andar sempre aprumado e com uma imagem respeitável. Minimamente suspeito...

5. Possível pensamento: O MIT é uma instituição americana. Quem é que eles pensam que são, hein?! Lá porque são americanos vêm para aqui mandar em nós? Ai o raio dos americanos, que vão para a não-sei-quantas da mãe deles... ou fazem o que nós queremos, ou não há festa para ninguém. Respect! Nós somos portugueses mas não é por isso que somos inferiores. Se querem entrar em Portugal, têm de baixar a bolinha e obedecer-nos.

6. Outro possível pensamento: Há que proteger os interesses nacionais (ler, interesses do Estado) e o interesse nacional é não ter o MIT a competir pelos melhores alunos/investigadores com as universidades portuguesas, já que os absorveriam para os mercados internacionais, especialmente o americano. É melhor que façamos exigências muito fortes para que eles não aceitem o acordo e acabem por desistir da utilização do pólo de investigação. Qualquer introdução do MIT no mercado português é altamente prejudicial porque apenas o MIT ganha com isto e nem sequer os podemos ter sobre o nosso jugo.

7. E ainda outro: Há que estudar o impacto ambiental da entrada do MIT em Portugal. Eles são americanos e não se preocupam com o ambiente. Se tiverem acesso a alunos de todas as universidades, não tarda nada, estarão a tentar construir um outro pólo com ligações industriais que irão, obviamente, prejudicar o meio ambiente. Se querem matar a Natureza, que a vão matar lá na terra deles! É melhor restringir-lhes as possibilidades de crescimento em Portugal.

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O que é que Portugal ganha ou perde, realmente, com tudo isto? Quais são as consequências mais evidentes? Se o MIT tivesse possibilidade de recrutar estudantes para o seu centro de pesquisa, Portugal ganharia pessoas com uma melhor formação técnica e uma probabilidade ainda mais ampla de aproveitamento das suas capacidades. Estas pessoas, per se, teriam acesso a mais oportunidades de investigação, mais créditos atribuídos à sua carreira e ofertas de emprego mais vantajosas, possivelmente, em boas universidades no estrangeiro onde pudessem continuar a fazer pesquisa de alto nível e onde recebessem salários mais elevados, que realmente reflectissem a qualidade do seu trabalho. Portugal ganharia maior renome internacional por ter a capacidade de formar técnicos de calibre. O próprio investimento do MIT em Portugal é vantajoso porque Portugal iria beneficiar em primeira mão das tecnologias que fossem desenvolvidas em solo português, podendo ter um acesso mais facilitado do que se necessitasse de as importar de um país estrangeiro. Igualmente, ao investir em Portugal, maiores fluxos de capital passariam a circular, gerando mais riqueza e mais (e melhor) emprego. A escalada dos níveis de desemprego entre os recém-licenciados não seria, também, tão elevada.

Tendo um colosso do tamanho do MIT a actuar em Portugal, as universidades portuguesas seriam necessariamente forçadas a subir o seu nível de qualidade para que os estudantes não se atropelassem mutuamente para conseguir trabalhar no(s) pólo(s) do MIT, desprezando completamente todas as outras oportunidades. Para conseguir atrair estudantes, a qualidade de ensino e de investigação teria de se tornar mais atraente, de tal maneira que pudesse estar minimamente a par da míriade de chances disponibilizada pelo MIT.

Optando por interferir em algo que deveria ser apenas determinado pelo contrato entre a instituição americana e os conselhos directivos/executivos das univerisdades portuguesas, o Estado revela, mais uma vez, a sua verdadeira natureza. Coloca um travão na liberdade de escolha dos cidadãos, impede o investimento, o desenvolvimento económico e científico, limita as oportunidades de sucesso dos seus contribuintes, retira-lhes os benefícios de mercado e usa o dinheiro gerado por estes para acabar por tomar uma decisão que só os prejudica. É vergonhoso mas, infelizmente, há muita gente que apoia tudo isto ou ainda pensa, de forma extremamente naïf, que o Estado existe para ajudar e financiar os projectos relacionados com o conhecimento e a cultura.

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