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Friday, December 16, 2005

Fora de Portugal III

Estar fora de Portugal por uns dias é o suficiente para notar que noutro país mais normal não existem discussões acerca do aquecimento. Num local onde se atingem temperaturas semelhantes às de Portugal (ou às vezes, até mesmo negativas), o aquecimento não é uma questão de retórica, é uma necessidade básica. Os defensores do aquecimento global não contam, esses também deixam frases nas paredes dizendo "what are you doing about climate change?" mas igualmente beneficiam dos bens produzidos pela troca livre de produtos, ou seja, falam de aquecimento visível mas aquecem-se na mesma, o que levanta algumas suspeitas.

Mesmo quando as temperaturas são relativamente amenas (mas inferiores às desejáveis) o aquecimento não é desligado, é mantido para criar uma temperatura ambiente, não havendo qualquer discussão ridícula em torno desse facto. Os esquentadores (ou caldeiras) também não são desligados para poupar gás ou electricidade. A água quente é uma necessidade.

Ao voltar a Portugal, país onde as populações estão há tantos anos submetidas a um socialismo masoquista que já nem sabem o que é viver, é necessária uma guerra de vários dias (semanas, se o caso for grave) para chamar um electricista caso haja uma avaria num sistema de aquecimento. Tudo isto porque as pessoas que coabitam a mesma casa não permitem que se gaste dinheiro na reparação de um aparelho eléctrico que produz aquecimento. Ao primeiro sinal de frio, toda a gente se enche de casacos, mantas, cachecóis e até luvas dentro da própria casa para reduzir os efeitos do frio. Se alguém faz uma mínima aproximação que seja a um aparelho de aquecimento, é-se logo abordado com a frase tão típica: "tens frio? veste um casaco". Ligar o aquecimento está fora de questão "porque gasta electricidade". Tão pouco é importante repará-lo porque "arranjar é muito caro" e não se deve usar "porque consume muita electricidade" (que, por si mesma, é cara). Ligar o dito aparelho torna-se uma odisseia porque a cada tentativa há vozes que gritam em uníssono, em tom de desaprovação (sim, porque aquecer as casas é obviamente um luxo), que devemos ser demasiado finos para não quereremos aquecer-nos com um cobertor (ou melhor, n cobertores, sendo n um número natural que varia entre 1 e 10). Se, por obra e graça do divino Espírito Santo, lograrmos deixá-lo em funcionamento, somos interpelados com uma frequência de cerca de 2 mHz (1 vez em cerca de 10 minutos) de que "aquilo já está ligado há muito tempo". A parte mais engraçada de todas dá-se quando entramos, erradamente, na conversa deles, e vamos buscar o manual para fazer contas básicas sobre potência e energia gasta, convertendo depois em dinheiro. Há gente que diz "essas contas estão mal feitas", ou então, "de onde é que vêm esses números? A energia é igual à potência multiplicada pelo tempo? Isso nao faz sentido". Não adianta explicar as equações ou sequer as unidades (deve haver gente que nunca pensou porque é que o kWh é uma unidade de energia) porque a verdadeira razão por trás de tanto boicote é uma aversão à tecnologia e um masoquismo embutido. Ir buscar o manual (quando estas próprias pessoas o escondem para evitar que o descubramos, pois sabem que sabemos fazer contas) é entrar no seu jogo porque de nada adianta. Se a pessoa disser que não entende, nada feito. E a pessoa sempre pode dizer que o resultado da conta é muito grande. A grandeza de um número é relativa. Não importa que possa gastar menos do que uma televisão.

O mesmo se passa com a água quente. O esquentador (embora agora a maioria seja inteligente) só deve estar ligado quando uma pessoa toma banho e mesmo assim isto deve ser evitado. Se estivermos no início do Inverno e se (só por mero acaso) for necessário usar água quente, coisa para a qual é necessário usar o esquentador, é-se assaltado novamente com o argumento do fino. "Deves ser muito fino para ter de tomar banho de água quente quando ainda está tanto calor". Em substituição do adjectivo fino podem sempre aparecer coisas como friorento, piegas ou, se for o caso, rico. O epíteto carinhoso de rico assume vários significados laterais na língua portuguesa. Num restaurante, por exemplo, é possível que alguém esteja mal disposto e deixe o prato a meio. Se o nosso companheiro de refeição for dado a banalidades, não será estranho ouvir "deves ser rico, e tanta gente a morrer à fome em África". Geralmente estas frases vêm de gente que tem mais possibilidades financeiras do que a pessoa cujo prato ficou a meio mas isso é irrelevante. O que conta é fazer uma demonstração de inteligência saloia (e de uma preocupação artificial com os mais carentes) em frente do público. A classificação de rico torna-se então geral para qualquer gasto que uma determinada pessoa considere supérfluo noutra. Um telemóvel, um computador, um carro, etc. Até o aquecimento de uma casa.

Todo este problema denota, na minha opinião, uma tendência histórica de condições abaixo do aceitável que os portugueses viveram, não se dando ainda conta de que serviços básicos como o aquecimento são, de facto, cruciais e não dispensáveis. Não são um luxo. Em 2003, 15.000 franceses morrem devido à onda de calor durante o Verão porque as suas casas não estavam equipadas com aparelhos de ar condicionado. Será, à semelhança do aquecimento, o arrefecimento um luxo?

Muitos portugueses preferem seguir este modelo mas depois surpreendem-se com a conta da farmácia já que, com condições menos propícias, os vírus agradecem. É caso para dizer que a expressão popular "mais vale para isto do que para a farmácia", não se aplica. Quando se trata de "luxos", muitos portugueses preferem tomar a rota de maior risco. Por coincidência, ou não, esta gente costuma ser a que pergunta com alguma frequência -- "como é possível que em pleno séc. XXI ainda haja gente que não tem electricidade ou água corrente em Portugal?" A isso eu respondo que a resposta está à vista. Para quem diz que o aquecimento (ou a água quente) é secundário, deve ser fácil relativizar a questão e concluir que a electricidade também deve ser um luxo, assim como a água.

É urgente libertá-los das amarras desta servidão socialista histórica. É urgente fazê-los entender que os únicos a sofrer com isto são eles próprios, que se auto-flagelam ao pedirem mais socialismo e, consequentemente, mais impostos e regulação estatal, ao mesmo tempo que se preocupam com a conta da electricidade. Infelizmente está tudo interligado, a conta da electricidade também depende do regime político pois o mercado não é livre. Pensem nisso quando ligarem (ou não ligarem) o aquecedor durante este Inverno.

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