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Saturday, September 03, 2005

Katrina e o anti-americanismo II

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Eu não queria falar disto. Mas é impossível. Hoje acordei e li em vários blogues o que se estava a passar.

Fui ligar a televisão e a única coisa que consegui ver foi um jornalista da TVI com um sorriso irónico a mostrar imagens da devastação do Katrina com um título “Ajuda humanitária não chega a tempo” ou algo do género. Demorou pouco para perceber o que realmente se estava a passar. Uma entrevista a um desalojado (português, como não) que dizia ter ficado na cidade e depois ter percebido que as ajudas não viriam. Fiquei sem compreender porque se queixava já que as autoridades incentivaram a evacuação. Parece idiota ficar num local que vai ser atingido pela maior tempestade de todos os tempos mas foi a sua opção. É verdade que naquelas áreas há tornados e tempestades a toda a hora mas esta era de grau máximo e foi por isso que há dias se deu a evacuação que vimos. A parte mais chocante é que os que não quiseram sair, depois esperam que os ajudem imediatamente.

Entretanto, mudo para a CNN e vejo um grupo de pessoas paradas, em pé, a gritar para os meios de imprensa que passavam por lá “We Want Help!”.

Fico sempre com a sensação de que as pessoas sofrem o dobro do que deveriam sofrer. Levam com a catástrofe em cima e depois têm que se aguentar com as consequências da sua mentalidade estatista – a do “We Want Help” - em vez de procurarem soluções. Claro que eu lhe chamo mentalidade estatista. Muitos outros, como esse herói da liberdade, Hugo Chávez, diriam que o governo da primeira potência do mundo era vergonhoso porque não tinha um plano de evacuação. Note-se bem a palavra governo. O Sr. L’État c’est moi a criticar o governo de um país que se orgulha de ter menos governo, o que explica também que tantos milhares tenham sido evacuados a tempo devido à qualidade dos meios de transporte.

Minutos mais tarde, falo com meu pai, que me diz a frase que menos estaria disposto a ouvir hoje, depois de tudo o que li e pude ver. Algo que gera em mim um sentimento profundo de consternação e irritação. “Então, aquilo lá na América, um país tão civilizado e evoluído, é assim?”

A seguir a isto deu-se uma explosão de emoções descontrolada e o meu pai acabou por ter que me ouvir durante cerca de uma hora. Expliquei-lhe que era interessante como ele e os meios de comunicação social portugueses (alemães e outros incluindo os próprios americanos) conseguiam transformar uma catástrofe natural – talvez a maior de que haja memória nos EUA – num bastião político anti-americano. Hoje falou-se da guerra do Iraque, falou-se do aquecimento global, do incumprimento do Protocolo de Quioto, das pilhagens, da falta de meios, da lentidão dos serviços. Tudo culpa dos americanos, obviamente.

Acabei por perguntar ao meu pai qual era a sua justificação para fazer um comentário tão idiota acerca de uma tragédia assombrosa que se havia abatido sobre o continente americano. Ele referiu as “pilhagens”. Segundo ele, um povo tão civilizado, avançado, evoluído, etc. não se devia comportar de forma tão miserável. Naquele momento perguntei-lhe o que faria ele, algo a que não me respondeu. Disse-me, passados uns minutos, que se fosse em Portugal teria acontecido o mesmo ou pior mas atenção – nós, ao que parece, não somos um “povo evoluído”.

Depois de lhe explicar que era ele quem estava a negar a natureza humana (a da sobrevivência) e de lhe dizer, num tom bastante irritado, que os americanos não são extraterrestres, que são humanos como nós (e logo é natural que partilhem a mesma biologia) ele limitou-se a permanecer calado por uns instantes e a dizer que, na verdade, não tinha ouvido bem as noticias e não sabia realmente o que se estava a passar. Curiosamente, toda esta saída em defesa dos que sofrem com a tragédia levou-me a ouvir, mais uma vez, a pergunta que tantas vezes ouço.

“Mas afinal tu és americano ou português?”

Perguntei ao meu pai se, quando a pessoa X mencionava o sofrimento das vítimas do tsunami no sudeste asiático, alguém chamava à pessoa X indonésio. Mais uma vez, resignou-se ao silêncio. Parece que as nações pobres têm direito a sofrer uma catástrofe natural. As mais ricas não. E quando as sofrem, ainda são insultadas por isso. Aliás, os que as defendem são também insultados.

Disse-me que iria comprar o jornal amanhã para ler sobre o que tinha acontecido, com uma voz que evidenciava um sentimento de culpa pelas idiotices que tinha está a proclamar, demonstrando a mais pequena das solidariedades para com o povo americano (se alguma, de todo).

O anti-americanismo ou anti-bushimo (segundo os praticantes, o anti-bushismo é coisa temporária porque eles não são anti-americanos, apenas anti-bush) são ideologias crescentes. À semelhança do direito à propriedade (algo que é natural e não se consegue contrariar) que os comunistas dizem não existir, embora sejam os primeiros a ficar muito irritados com a expropriação dos seus bens, existe também outra característica humana que a esquerda gosta de ignorar – o individualismo. Mesmo quando as pessoas pensam de forma colectiva acabam sempre por defender os seus interesses pessoais e a verdade é que as sociedades socialistas acabam por ser as mais egoístas (toda a gente tenta passar por cima dos outros para obter o que quer).

Assim sendo, não é de estranhar que a culpa seja sempre dos americanos. Do aquecimento global, porque os americanos são uns capitalistas exploradores que fazem muita poluição. Da pobreza no mundo, porque exploram os recursos do hemisfério sul. Da guerra, porque só querem saber do petróleo. Do fanatismo cristão, que é intolerante e contra o multiculturalismo (i.e., terrorismo islâmico). A Europa e os países de paraísos comunistas ao melhor estilo de Cuba e Venezuela continuam a olhar para os EUA com um ar de superioridade – “vejam, nem os americanos estão a salvo!”, “aquilo parece um país de terceiro mundo”. Perante a tragédia, também a esquerda opta pelo desvio típico ao que acontece. Falam de Bush, Quioto, racismo, etc. Falam, com arrogância intelectual, da inevitabilidade do sucedido até perante a engenharia, a tecnologia e a riqueza. Lembrem-se esses de que se não morreu mais gente, como eu disse antes, foi precisamente pelo desenvolvimento tecnológico, próprio de um país como os EUA. Mas suponho que a tecnologia seja má. Afinal de contas, foi produzida destruindo o ambiente e quebrando o Protocolo de Quioto. A partir de amanhã toda a gente devia deixar de usar telemóveis, computadores, carros, satélites e televisões. Tudo isto porque o progresso tecnológico é insuficiente para evitar a tragédia e prejudica o ambiente. Logo, não é necessário.

Houve um comentário em específico que achei intrigante:

A importancia de certos blogs portugueses, é que ontem foi o dia de blog para arranjar fundos para as vitimas na America e por aqui andava tudo caladinho a ver se nao se falava na tragédia.
Hoje como já nao era possível calar mais, desata tudo a berrar que é sectarismo. Ainda querem estes blogs politicos ter credibilidade. Sois o sub-mundo!


Ana, comentário no blogue O Insurgente

Senhora dona Ana, os blogues liberais não são necessariamente blogues de apelo à caridade social. Falo por mim. Mas também posso falar por muitos outros porque sei que não foi o seu objectivo ao criá-los. Isso não quer dizer que não sejamos solidários com a tragédia. Na verdade, é contra isso que nos revoltamos. O seu discurso demonstra falta de coerência. Se ontem não defendemos a América é porque somos calados e não falámos na tragédia. Se hoje falamos é porque somos contra o sectarismo. Afinal, na sua perspectiva, devemos ou não defender as vítimas da tragédia? Não sei se reparou mas O Insurgente não é um blogue sensacionalista por isso o formato 24Horas / TVI que deseja implementar não resulta. Nunca nos iríamos ocupar com o preenchimento dos nossos espaços através de imagens da devastação do Katrina quando elas estão por todo o lado. Para quê? Toda a gente pode acompanhar os acontecimentos e havia pouco a dizer – a não ser expressar a solidariedade para com os lesados. A partir de hoje, a questão ficou altamente politizada porque os meios de comunicação parecem decididos a aumentar o anti-americanismo que existe em Portugal, desprezando completamente a causa dos acontecimentos.

E, já agora, se a senhora estivesse assim tão preocupada com os fundos para as vítimas, porque não nos deu a ligação para esses locais onde se fazem angariações de fundos? Também não as sabe? Sim, nós já tínhamos entendido. É que ao contrário da senhora, nós estamos conscientes de que Portugal é um país pobre. Por isso é que somos liberais e não socialistas. Mas imagino que, no seu ponto de vista, todos os pobres devem ser socialistas. Afinal de contas, seria lutar pelos direitos das classes mais desfavorecidas, ou não é assim que diz a cassete?

Relativamente ao Katrina, que partes sulistas dos EUA mantêm o seu racismo contra os negros, já nos sabemos. Mas que superioridade pode demonstrar um português (por ser “português anti-americano”) perante um americano? Por acaso ter-se-ão já esquecido de quem foi o monopolizador do tráfico de escravos para os estados americanos? A memória histórica em Portugal é uma coisa nula. E que moralismo cínico pode um português impor a um americano quando todos os anos ardem centenas de hectares em Portugal por culpa de proprietários, autoridades locais, etc. sem que o governo – essa entidade mística – preste auxilio? A somar os hectares ardidos de 2003, 2004 e 2005 já se vai quase em duas vezes a área do Luxemburgo. Portugal parece o Ruanda ou o Sudão? Não, Portugal parece pior do que o Ruanda e do que o Sudão. E os portugueses não têm espelhos em casa – talvez porque sejam importados dos EUA. Como o ódio é tanto, preferem ficar na ignorância do que realmente são.

Se amanhã cair um asteróide nos EUA, os meios de imprensa dirão que uma potência como os EUA não estava preparada para uma catástrofe de tal dimensão. Que vergonha. Se o asteróide cair na Europa criticar-se-ão os EUA por não terem previsto o desastre (assim como já aconteceu com o tsunami do sudeste asiático). Que se lembrem os críticos – se apontarem os dedos aos americanos estarão a desprezar as vítimas da tragédia. Se disserem que a culpa é da ineficiência do governo, então serão liberais, o que é bastante diferente de ser anti-americano. O grande problema é que, perante esta dicotomia, os críticos costumam ficar confusos, demonstrando a sua verdadeira natureza inconsistente.

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