Pedidos de videovigilância duplicam em Portugal
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Ao vaguear por Lisboa encontram-se diversos cartazes autárquicos espalhados, ocupando vastas porções da área disponível ao campo visual. Para um país de candidatos socialistas, é quase irónico ver tal afronta às vistas panorâmicas e ao ambiente, que poderia ter outro aspecto mais “ecologicamente correcto” nos meandros da capital.
Entre os típicos cartazes políticos que tentam convencer os mais alheados da vida do poder, há um que se destaca pela repulsa que causa. Refiro-me, não ao cartaz de Carmona Rodrigues, com cara de cãozinho maltratado a fazer beicinho, mas ao de Carrilho. Aquele que diz qualquer coisa como "Videovigilância em Lisboa nos Bairros mais perigosos".
Como bom político que é na sua arte de sofista, Carrilho joga com as emoções dos eleitores para que possa atingir os seus objectivos – ser eleito para a CML. A mensagem subliminar presente no cartaz é a de que Carrilho propõe uma solução para o problema do crime em Lisboa. Habituados à falta de soluções, ou melhor, à falta de soluções eficazes, e a gostar de medidas revolucionárias que aparentemente rompem com o sistema (quando na verdade o continuam a perpetuar de forma mascarada), os eleitores concordam com a ideia. Quando se comenta o cartaz, o primeiro que apontam é logo “então e não há crime em Lisboa? Tem que ser, tem que ser, é para apanhar essa ladroagem” ou então “acho muito bem, assim eles vão ter medo porque sabem que vão estar a ser vigiados”.
A falta de tacto ao aceitar este projecto político de Carrilho revela-se através da concordância que é dada pelos simples cidadãos que formam o aglomerado de eleitores. Grande parte desta gente não mede as consequências da ideia, optando pela aplicação de uma aceitação psicológica da estratégia os fins justificam os meios. A frase de Carrilho ajuda porque é extremamente vaga. Fala em “vigilância”, palavra associada à segurança, e em “perigo”, o que faz apelar ao medo das pessoas para que involuntariamente concordem com os seus planos. Desta forma, não é estranho que as pessoas reajam como têm reagido, usando uma espécie de negação sintomática demonstrada no seu “acho bem, é para acabar com o crime”. Se qualquer medida que pretenda acabar ou diminuir o crime pode ser justificada desta forma, também poderíamos defender a lobotomia das pessoas à nascença. Ou a extinção total da espécie humana com o argumento de que “é para acabar com o crime…ou julgam que não há criminosos por ai à solta?”.
Quando um político – que à partida já é um criminoso – surge com uma ideia que retira liberdade às pessoas ou, melhor ainda, sugere uma ideia vaga e suspeita e as pessoas aquiescem e até saem em defesa de dito político, há algo de muito errado. Não só naqueles que pecam pela negligência mas especialmente naqueles que cooperam com este voyeurismo a terceiros. Muitos dos que defendem Carrilho acham que a medida será só aplicada aos outros, aos “criminosos”, esquecendo (talvez propositadamente) que também serão eles vigiados e tratados como potenciais criminosos. A questão não reside em impedir sistematicamente que existam câmaras de vigilância (desde que existam de acordo com a permissão dos visados, em casos específicos) mas sim que seja um sistema público a implementá-las, também num espaço público. Mais ainda que o sugira fazer de uma forma extremamente abstracta. No cartaz não são mencionados os tais bairros. Não são referidas as formas como os protocolos de segurança vão ser implementados. Não se indica como vai ser feito o tratamento dos dados. Em suma, não se diz nada. Simplesmente, joga-se com o medo da insegurança e as estatísticas evidentes relativas ao crime. Os visados, inconscientemente, aceitam a mensagem e passam a advogar a sua aplicação.
Quando confrontados com a realidade ouvem-se frases deliciosas como “não, não é para nos vigiar a nós, é aos criminosos!”. Como se instala uma câmara num determinado local para vigiar apenas um grupo de pessoas, sem afectar todos os outros que o frequentam? A ingenuidade desta gente deixa-me surpreendido pois deve julgar que as câmaras de vídeo têm um alarme, activado por ultra-som, que faz com que a película comece a gravar apenas quando um ladrão se digne a passar em frente dela.
A implementação de quaisquer medidas deste género associadas à ilegalidade de porte de armas, bases de dados genéticas, sistemas de identificação nacional, etc. apenas faz parte do típico esquema de controlo sobre o indivíduo. Como esta permissão do controlo não nasce de uma forma natural, torna-se imperativo incutir nas camadas mais insurgentes da população uma mentalidade de servidão para com o Estado, que é precisamente o que os governos desejam fazer.
Tudo isto é apoiado por pequenos pormenores como aquele do Big Brother; quando se fala em Big Brother as pessoas pensam que se está a falar de um programa televisivo, ignorando por completo a origem do nome e a razão pela qual surgiu. Orwell tentou avisar as gerações futuras porque viveu a era do auge comunista. Orwell conheceu e imortalizou o resultado do controlo do Estado. Contudo, as pessoas continuam a ignorar o trabalho deste Blair. A primeira vez que expliquei a alguém de onde vinha a expressão Big Brother fui confrontado com uma resposta ao bom estilo dos que vêem a verdadeira realidade como uma coisa muito bizarra – “mas do que é que estás para aí a falar?” Para essa pessoa, o Big Brother era o Zé Maria, a Teresa Guilherme e o Pedro Miguel Ramos. Orwell, 1984 e outros tópicos mais complicados como o colectivismo oligárquico (que eu ainda desconhecia na altura) eram demasiado complexos para serem discutidos abertamente, o que, aliás, explica a conivência das pessoas com todos estes programas políticos.
A sociedade paga caro pela sua ignorância e pelo envenenamento efectuado via classe política e meios de comunicação social tradicionais. Isso nota-se particularmente na pouca atenção que, ao longo destes anos, tem sido dada a estes tópicos. O último grande exemplo é o da base de dados genética. Agora o da campanha de Carrilho, que, com um programa que aparentemente viola os direitos mais básicos do ser humano, se arrisca a ganhar o tão desejado trono da Câmara Municipal de Lisboa.
É o caso de Manuel Maria Carrilho, que defende a instalação de sistemas de videovigilância em zonas problemáticas da capital, nomeadamente no Bairro Alto e Ameixoeira. Mas, à luz da actual legislação, não é possível captar imagens num bairro inteiro e sem a autorização dos residentes.
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Esta não é a primeira vez que um político fala em sistemas de videovigilância, sobretudo com o argumento de que deve ser garantida a segurança de pessoas e bens. "É um fenómeno que se está a massificar e aparecem situações completamente injustificadas", sublinha um membro da CNPD.
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Este ano, a CNPD recebeu 44 queixas de pessoas que reclamaram por estarem a ser vigiadas, nomeadamente nos locais de trabalho, e que se recusavam a que as suas imagens fossem captadas.
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Ao vaguear por Lisboa encontram-se diversos cartazes autárquicos espalhados, ocupando vastas porções da área disponível ao campo visual. Para um país de candidatos socialistas, é quase irónico ver tal afronta às vistas panorâmicas e ao ambiente, que poderia ter outro aspecto mais “ecologicamente correcto” nos meandros da capital.
Entre os típicos cartazes políticos que tentam convencer os mais alheados da vida do poder, há um que se destaca pela repulsa que causa. Refiro-me, não ao cartaz de Carmona Rodrigues, com cara de cãozinho maltratado a fazer beicinho, mas ao de Carrilho. Aquele que diz qualquer coisa como "Videovigilância em Lisboa nos Bairros mais perigosos".
Como bom político que é na sua arte de sofista, Carrilho joga com as emoções dos eleitores para que possa atingir os seus objectivos – ser eleito para a CML. A mensagem subliminar presente no cartaz é a de que Carrilho propõe uma solução para o problema do crime em Lisboa. Habituados à falta de soluções, ou melhor, à falta de soluções eficazes, e a gostar de medidas revolucionárias que aparentemente rompem com o sistema (quando na verdade o continuam a perpetuar de forma mascarada), os eleitores concordam com a ideia. Quando se comenta o cartaz, o primeiro que apontam é logo “então e não há crime em Lisboa? Tem que ser, tem que ser, é para apanhar essa ladroagem” ou então “acho muito bem, assim eles vão ter medo porque sabem que vão estar a ser vigiados”.
A falta de tacto ao aceitar este projecto político de Carrilho revela-se através da concordância que é dada pelos simples cidadãos que formam o aglomerado de eleitores. Grande parte desta gente não mede as consequências da ideia, optando pela aplicação de uma aceitação psicológica da estratégia os fins justificam os meios. A frase de Carrilho ajuda porque é extremamente vaga. Fala em “vigilância”, palavra associada à segurança, e em “perigo”, o que faz apelar ao medo das pessoas para que involuntariamente concordem com os seus planos. Desta forma, não é estranho que as pessoas reajam como têm reagido, usando uma espécie de negação sintomática demonstrada no seu “acho bem, é para acabar com o crime”. Se qualquer medida que pretenda acabar ou diminuir o crime pode ser justificada desta forma, também poderíamos defender a lobotomia das pessoas à nascença. Ou a extinção total da espécie humana com o argumento de que “é para acabar com o crime…ou julgam que não há criminosos por ai à solta?”.
Quando um político – que à partida já é um criminoso – surge com uma ideia que retira liberdade às pessoas ou, melhor ainda, sugere uma ideia vaga e suspeita e as pessoas aquiescem e até saem em defesa de dito político, há algo de muito errado. Não só naqueles que pecam pela negligência mas especialmente naqueles que cooperam com este voyeurismo a terceiros. Muitos dos que defendem Carrilho acham que a medida será só aplicada aos outros, aos “criminosos”, esquecendo (talvez propositadamente) que também serão eles vigiados e tratados como potenciais criminosos. A questão não reside em impedir sistematicamente que existam câmaras de vigilância (desde que existam de acordo com a permissão dos visados, em casos específicos) mas sim que seja um sistema público a implementá-las, também num espaço público. Mais ainda que o sugira fazer de uma forma extremamente abstracta. No cartaz não são mencionados os tais bairros. Não são referidas as formas como os protocolos de segurança vão ser implementados. Não se indica como vai ser feito o tratamento dos dados. Em suma, não se diz nada. Simplesmente, joga-se com o medo da insegurança e as estatísticas evidentes relativas ao crime. Os visados, inconscientemente, aceitam a mensagem e passam a advogar a sua aplicação.
Quando confrontados com a realidade ouvem-se frases deliciosas como “não, não é para nos vigiar a nós, é aos criminosos!”. Como se instala uma câmara num determinado local para vigiar apenas um grupo de pessoas, sem afectar todos os outros que o frequentam? A ingenuidade desta gente deixa-me surpreendido pois deve julgar que as câmaras de vídeo têm um alarme, activado por ultra-som, que faz com que a película comece a gravar apenas quando um ladrão se digne a passar em frente dela.
A implementação de quaisquer medidas deste género associadas à ilegalidade de porte de armas, bases de dados genéticas, sistemas de identificação nacional, etc. apenas faz parte do típico esquema de controlo sobre o indivíduo. Como esta permissão do controlo não nasce de uma forma natural, torna-se imperativo incutir nas camadas mais insurgentes da população uma mentalidade de servidão para com o Estado, que é precisamente o que os governos desejam fazer.
Tudo isto é apoiado por pequenos pormenores como aquele do Big Brother; quando se fala em Big Brother as pessoas pensam que se está a falar de um programa televisivo, ignorando por completo a origem do nome e a razão pela qual surgiu. Orwell tentou avisar as gerações futuras porque viveu a era do auge comunista. Orwell conheceu e imortalizou o resultado do controlo do Estado. Contudo, as pessoas continuam a ignorar o trabalho deste Blair. A primeira vez que expliquei a alguém de onde vinha a expressão Big Brother fui confrontado com uma resposta ao bom estilo dos que vêem a verdadeira realidade como uma coisa muito bizarra – “mas do que é que estás para aí a falar?” Para essa pessoa, o Big Brother era o Zé Maria, a Teresa Guilherme e o Pedro Miguel Ramos. Orwell, 1984 e outros tópicos mais complicados como o colectivismo oligárquico (que eu ainda desconhecia na altura) eram demasiado complexos para serem discutidos abertamente, o que, aliás, explica a conivência das pessoas com todos estes programas políticos.
A sociedade paga caro pela sua ignorância e pelo envenenamento efectuado via classe política e meios de comunicação social tradicionais. Isso nota-se particularmente na pouca atenção que, ao longo destes anos, tem sido dada a estes tópicos. O último grande exemplo é o da base de dados genética. Agora o da campanha de Carrilho, que, com um programa que aparentemente viola os direitos mais básicos do ser humano, se arrisca a ganhar o tão desejado trono da Câmara Municipal de Lisboa.
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