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Wednesday, January 25, 2006

O erro de Sócrates?




Várias vezes ouvi ao longo da campanha presidencial, e durante os comentários da noite eleitoral, a referência a um eventual "erro" de Sócrates ao oficializar Mário Soares como candidato do partido socialista em vez de apoiar directamente Manuel Alegre. Dizem estas pessoas, e muito bem, que se José Sócrates tivesse decido apoiar Alegre em vez de Soares, a esquerda teria conseguido reunir mais votos em torno de um só candidato que poderia possuir uma "candidatura transversal". Eventualmente, se assim acontecesse, - e aqui é especulação minha - os candidatos Louçã e Jerónimo de Sousa desistiriam em favor de Alegre. Não seria a primeira vez para Jerónimo de Sousa e é necessário relembrar que Garcia Pereira diz ter contactado os outros candidatos para reunir uma única candidatura de esquerda, algo que, a ser bem sucedido, teria evitado a sua própria proposta de candidatura. É portanto natural pensar que se existisse apenas o candidato Manuel Alegre, apoiado pelo PS, os restantes pré-candidatos estivessem mais predispostos a desistir em seu favor.

Já não é a primeira vez que Sócrates é aparentemente "derrotado". Devemos relembrar as autárquicas em que Sócrates apoiou Carrilho, apesar do evidente curso desastroso que este pronunciava. Muitos analistas viram como sinal de humilhação a vitória alcançada pelo PSD nas autárquicas e, em especial, a manutenção da CML nas mãos dos sociais-democratas. Escrevia-se que Sócrates havia sido derrotado, assim como agora se escreve que este voltou a cometer um erro. Mas será que Sócrates não sabia perfeitamente o que estava a fazer?

Quando uma companhia lança um novo produto é, por vezes, natural que se faça primeiro um estudo de mercado de forma a avaliar a aceitação que este terá perante os consumidores, especialmente se o investimento por muito relevante. É ingénuo pensar que os partidos políticos não analisam estes questões internamente de forma a tentar conhecer até que nível os seus candidatos representam as expectativas dos eleitores ou até, a conhecer o género de personalidade que mais lhes apela. Muitas das vezes estas questões não requerem qualquer tipo de estudo mas os inquéritos de sondagem são extremamente valiosos para medir a opinião pública.

Desde meados de 2005 que se "sabe" que Cavaco Silva iria ganhar as eleições. Até mesmo antes de Cavaco Silva se apresentar como candidato, já se presumia que o fizesse. Em termos realistas, pode dizer-se que já se conhecia à partida o resultado final desta eleição. Tendo disto conhecimento, Sócrates optou por apoiar Mário Soares e deixar, consequentemente, o eleitorado socialista dividido, o que se arrastou e alastrou por toda a esquerda.

Quando é apontado um erro estratégico a Sócrates, convém que as pessoas expliquem porquê. O aspecto mais evidente que indicam é o facto de não ter conseguido eleger um candidato da esquerda, nomeadamente, um militante do seu partido. Mas será que convinha verdadeiramente a José Sócrates toda esta manobra? As sondagens deram muito consistentemente como 2º classificado, Manuel Alegre. Em qualquer dos casos, os resultados de dia 22 vieram provar que Manuel Alegre era um rival à altura de Soares (mais de 6% dos votos). Também a priori, a candidatura de um destes dois homens estava a ocupar o espaço político um do outro, roubando votos mutuamente. Sócrates desconhecia este facto? Não, conhecia-o muito bem. Desde o início. E conhecia também as personalidades e convicções de ambos os candidatos.

Qual dos dois conviria mais a Sócrates, conhecendo todos estes factores? Manuel Alegre é o homem que afirma, no seu manifesto eleitoral, que o "neo-liberalismo" aumenta as desigualdades, que a a globalização precisa de ser claramente regulada, que Portugal deve apostar numa «aliança de civilizações», etc. Quem já viu Sócrates a explicar, em tom de desprezo, a Jerónimo de Sousa e Francisco Louçã como funcionam os princípios básicos de uma economia de mercado e a lógica da concorrência empresarial, sabe que Sócrates já se desprendeu em grande parte das crenças demasiado socialistas que são típicas dos sectores ainda mais à sua esquerda. A provar isso, sempre existe o registo das opiniões de Alegre que assustadoramente concorda demasiadas vezes com Louçã. Soares, já o conhecemos. O anti-globalização, pró-galicismo, anti-economicismo, anti-neoliberal, anti-guerra a todo o custo (Soares era o que defendia a "negociação" com os terroristas) e por aí adiante.

Já todos os que analisaram minimamente o espectro político representado no Parlamento devem ter concluído que não existem grandes diferenças de fundo entre o actual PS e o PSD. As ideologias que servem de mote às suas campanha são bastante semelhantes, havendo até algumas razões para crer, de minha parte, que Marques Mendes será ainda mais socialista do que o próprio Sócrates.

Analisando estes factos, qual o presidente que mais seria conveniente a um social-democrata como Sócrates? Muito provavelmente, Cavaco Silva. Quem nos diz que a insistência de Sócrates em manter a candidatura de Soares como oficial do PS não foi apenas uma estratégia sua para dispersar os votos da esquerda, apresentando candidatos que piscavam mais o olho ao PCP e ao BE do que propriamente ao eleitorado do centro político?

Onde muitos vêem um erro táctico, eu vejo astúcia política. Sócrates governa e precisa do PR que menos confusões lhe arranje. Certamente que este não é Mário Soares. Que outras razões explicam o sorrisinho muito mal contido de Sócrates durante a entrada na sala de imprensa da sede de campanha de Mário Soares, que se preparava para apresentar a sua declaração de derrota?

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