- Estou sim?
- Bom dia, estou a falar com o Sr. Sol?
- Está sim, minha Sr.ª, é o próprio. O que deseja?
- Muito bom dia. Eu estava a ligar para o avisar de que irá em breve receber uma carta para resolver o seu processo judicial. A apresentação dos réus ocorrerá na próxima semana. A primeira sessão será a determinar pelo juiz.
- Como??? Processo judicial???!!!
- Sim, Sr. Sol, processo judicial.
- Mas quais são as acusações que recaem sobre mim?
- Uso indevido do espectro electromagnético. Segundo as informações que os nossos inspectores obtiveram o Sr. tem andado a usar frequências que não são permitidas por lei.
- COMO???
- É verdade, Sr. Sol. Lamentos informá-lo de que sem estar devidamente licenciado não poderá emitir sinais nas bandas electromagnéticas às quais não estejam atribuídas permissões de utilização.
- Mas eu uso estas frequências há milhões de anos? Que brincadeira de mau gosto vem a ser esta?
- Dura lex sed lex, Sr. Sol.
- Você está a gozar comigo?
- Certamente que não, Sr. Sol. As bandas do espectro utilizadas por V. Ex.ª são proibidas pelas alíneas a) e d) dos artigos 2º e 5º do decreto-lei 123/2421. Os parágrafos 34 e 39 são bem claros.
- Então mas... e como é que eu posso obter essa licença?
- Não pode. A entidade que regula o mercado determinou que a sua concorrência é desleal e interfere com o interesse público nacional. E aproveito igualmente para o notificar de que o nosso departamento de análises radioactivas e ameaças genéticas levantou também um processo contra si.
- Isto não me está a acontecer...
- Lamentamos informá-lo, Sr. Sol. Acontece que nos nossos registos aparece o seu nome várias vezes como associado a emissões de radiações ultravioleta e radiações gama entre outras. Já para não falar do seu vento solar que danifica os satélites de outras companhias que também já levantaram queixas contra o Sr. O Sr. sabe que todas estas coisas prejudicam gravemente a saúde dos cidadãos e teima em persistir no seu uso.
- Ó minha senhora, há milhões de anos que eu faço isso! Até antes de existir sequer um cidadão...
- É a lei, Sr. Sol. Lamentamos mas não pode prejudicar assim o ambiente e a saúde pública. As leis existem para ser cumpridas.
- Mas que raio! Se eu não existisse vocês nem sequer tinham aparecido!
- Não fuja à questão, Sr. Sol. Vivemos num Estado de direito. Se o Sr. não quiser comparecer teremos de emitir um mandado de captura para o deter e trazer para as nossas instalações.
- Você está a brincar comigo, não está?
- Claro que não, Sr. Sol. Já agora, aproveito para lhe comunicar as palavras do Sr. Juiz que está a tratar do seu caso. Ele determinou expressamente que o Sr. deve cessar de imediato a sua actividade de forma a cumprir os termos da lei e a evitar um risco desnecessário de pena agravada.
- Ó meu Deus...mas a Sr.ª sabe sequer o que é uma reacção nuclear em cadeia, só por acaso?
- O Sr. está a dizer-me que pratica reacções nucleares domésticas?
- Há milhões de anos.
- Mas do seu processo não consta nenhuma autorização específica para produções de origem termonuclear.
- ...
- E para além disso, sabemos que o Sr. é igualmente responsável por uma contribuição significativa para o aumento anual das temperaturas globais e o sobreaquecimento das águas nos oceanos. O Sr. também anda a derreter o Árctico e a estimular o efeito de estufa. Não tem um pingo de vergonha nessa cara?
- Minha Sr.ª, já podia ter dito há mais tempo. Em nome do bem comum eu faço tudo. Vou cessar de imediato a minha actividade ilícita e respeitar as normas impostas pelo governo português. Não deixemos cair isto numa anomia, não é verdade?
- Sr. Sol, só um momento, vou comunicar ao Sr. Juiz a sua decisão.
[10 minutos depois]
- Sr. Sol?
- ...
- Sr. Sol? O Sr. está aí?
- ...
- Andreia, porque é que desligaste as luzes e o aquecedor?
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