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Wednesday, September 27, 2006

Ferir susceptibilidades III

Há muita gente que tem uma dificuldade enorme em admitir que a religião islâmica possa ser violenta e intolerante por natureza (já para não dizer misógina e totalmente iliberal). Não que neguem que seja, e apresentem argumentos em sua defesa; simplesmente admitem à partida que não pode ser e mantêm uma postura dogmática durante a partilha de ideias. Ora, isto é absolutamente contrário à posição que deve ser essencial para qualquer pessoa que deseje fazer uma análise isenta, neutra e racional. Não é esse o caso do Rui Fernandes, que tem estado a fazer um pingue-pongue de não-respostas ao que tenho publicado por aqui. Claro que quando os factos escasseiam recorrem-se às falácias do costume, aos deus ex machina, para evitar discutir o assunto central e dispersar para outras bandas. Desta forma, os grandes argumentos têm sido "a direita, católica ou simplesmente pró-cristã", a direita ocidental islamófoba" e o que não podia faltar, as pérolas inevitáveis sobre o Grande Satã (que a paz esteja com Ele) que acaba por servir sempre de argumento para relativizar o terrorismo islâmico. Por exemplo, neste post é descrito o meu Ferir Susceptibilidades II numa perspectiva narrativa, para depois se acabar exactamente com os mesmos erros que nesse foram apontados:

«Só o cristianismo na verdade tem uma história, com ondas de distintos tipos, e uma evolução. O islamismo, ao contrário, é situado sempre fora do tempo, com a sua história no máximo adjectivada em bloco, sem direito a fases ou momentos como no caso do cristianismo, e sempre como não havendo sido nunca outra coisa que não fosse violência e maldade...»

Como se pode ver, não há qualquer intenção de discutir a religião em si nem a sua ligação com os sistemas legais e políticos vigentes em países islâmicos, apenas a de desculpar toda e qualquer atitude negativa pelo mecanismo "nós também fizemos isso" e "nem todos são assim". Duas falácias recorrentes porque apesar de "nós" não termos feito "isso", seria irrelevante para a discussão sobre o Islão se o tivéssemos feito. Esta perspectiva constante de relativismo cultural não apaga o facto de "outros" que não "nós" o tenham feito. As alegações sobre o verdadeiro islão nem têm que ver com actos em si, mas sim com a ligação entre esses actos e a proveniência da sua inspiração religiosa (satânica?). Para além disso, ninguém diz que todos são iguais, irracionais e violentos. Discute-se a religião, não os seus praticantes. Segundo esta contradição, um islâmico não pode criticar um cristão e o islamismo não se consegue definir por si mesmo em termos absolutos porque necessita constantemente de elementos comparativos para ser avaliado e não pode exercer auto-crítica.
Com este sistema ilógico, consegue manobrar-se um diálogo (que mais se assemelha a uma espécie de monólogo) em que uma tese passa directamente a ser racista, xenófoba e irracional e nunca chega a ser analisada convenientemente por uma questão de manutenção de opiniões politicamente correctas. A verdade é que não se tratam de discriminações ou ideologias políticas, mas sim de questões de facto, que só podem ser ou verdadeiras ou falsas.

Por outras alturas, por exemplo, recorrem-se a estas outras passagens para desviar o assunto:

«O papa chama de imoral, irracional e malévolo todo o islão, opondo ocidente bom com oriente mau, mas perguntam: é isso comparável ao terrorismo islâmico? Uma invasão militar à margem da ONU e baseada em falsos pretextos. E então? É isso comparável ao terrorismo islâmico? Detenções ilegais e eventual utilização de métodos de tortura nos interrogatórios. Que é que queres dizer? É isso por ventura comparável ao terrorismo islâmico? Quanta irracionalidade, imoralidade e perigosidade cabem fora do terrorismo islâmico? Para alguns nenhuma.»

Qualquer pessoa que julgue que invasões à margem da ONU são más, a tortura é má e o terrorismo islâmico é mau, não pode usar um para atenuar qualitativamente o outro, isto é relativismo moral e cultural em todo o seu esplendor, a cada vez mais comum condenação do terrorismo seguida de um mas. Gostaria particularmente de ver o que aconteceria se eu criticasse a ocupação de um país por uma invasão à margem da ONU ou a utilização de tortura em interrogatórios. Será que o Rui Fernandes me diria "é isso comparável ao terrorismo islâmico?" para se opor? É que só há duas hipóteses - ou se usa este argumento para dizer que o terrorismo islâmico é irrelevante (o que é muito grave) ou se usa para o legitimar quando comparado com o resto (o que provavelmente é mais grave ainda). É preciso talvez informar que o terrorismo islâmico não acontece somente em países ocidentais: começa por dentro. É um sistema de terror, adoração da morte e carnificina que continua hoje bem presente nas centenas de milhares de mortos que tanta gente pretende ignorar (como no Sudão por exemplo).

Claro que estas minhas tentativas de resposta são totalmente inúteis, simplesmente porque se baseiam no pressuposto de ter um interlocutor disposto a uma discussão honesta e séria. Quando o Rui Fernandes se recusa a admitir que a possibilidade acima exposta existe ou não consegue demonstrar que é falsa por meio de argumentos válidos, ao mesmo tempo que prefere criticar constantemente o ocidente e o cristianismo, apenas deixa transparecer a pouca importância que alguns valores fundamentais representam para si.

O roubo é punido com o corte das mãos. O espancamento de mulheres é prática corrente e incentivada. A mulher é um objecto, nem sequer tem valor jurídico - o ónus da prova recai sempre sobre ela, não sobre quem a acusa. Se não for morta por ordem judicial, é morta pela família por a ter "desonrado". A guerra contra os infiéis é uma ordem de Alá. A apostasia, o adultério, a blasfémia são puníveis com a morte. E não estamos a falar de pena de morte por injecção letal, mas sim apedrejamento ou enforcamento na praça pública. Tudo isto faz parte do maravilhoso sistema legal que é a shari'a, que embora tendo variações consoante os países, derivam directamente do Alcorão, e dos relatos das práticas de Maomé, como descritas na Suna e na Hadith.

Vale a pena lembrar que se os Estados Unidos da América fizessem qualquer uma destas coisas seriam de imediato internacionalmente condenados, como aliás já são, independentemente do que fazem. É este o sistema que está a entrar na Europa e é já uma lei de facto em muitas zonas onde a polícia nem sequer se atreve a entrar. Ainda este mês, o ministro da justiça holandês mostrava a sua passividade perante uma eventual introdução da shari'a na Holanda. Em Abril deste ano, muçulmanos na Suécia exigiam a aplicação da shari'a. O mesmo se passa constantemente no Reino Unido e no Canadá, na Alemanha e em outras localidades como França, Itália, Dinamarca, etc. Basta procurar.

O Rui acha que o Papa é islamófobo por supostamente dizer que o Islão é irracional mas pensa que Ahmadinejad já é um verdadeiro promotor do dialogo inter-religioso e da paz entre religiões. Será que estamos a falar da mesma pessoa que diz que o Holocausto não existiu (algo muito insultuoso para os judeus) e que de vez em quando deixa escapar que deseja que Israel, o único país do mundo onde o judaísmo é maioritário, deixasse de existir?

Parece que ninguém se preocupa com as sensibilidade dos judeus, qualquer pessoa pode dizer mal deles e de Israel porque certamente estes não vão correr a detonar-se em actos terroristas ou fazem ameaças de morte. Quem reage com violência extrema, incutindo o medo a qualquer crítico, é premiado com o discurso da capitulação da liberdade de expressão e do apelo ao bom senso para evitar ofender as sensibilidades. Ainda assim há quem julgue que afinal o islão e a história do islamismo podem ser "interpretados" de muitas formas e dependem do contexto em que são inseridos, mas atenção – o discurso do Papa só tem uma interpretação inequívoca, a do insulto xenófobo directo ao mundo muçulmano.

Para terminar, independentemente de concordar ou não com o Papa, penso que ele tem todo o direito de emitir a sua opinião sobre qualquer que seja o assunto, assim como o fez quando apelou ao cessar-fogo no último conflito entre Israel e o Hezbollah. Azar dos muçulmanos se se sentem ofendidos e insultados, seja por citações da idade média, cartoons com caricaturas do seu profeta ou a homossexualidade no ocidente. Há muito boa gente que se sente insultada e ofendida quando alguém deseja suprimir a liberdade de expressão e, no entanto, não apela a ninguém para que se cortem cabeças, destruam embaixadas ou se invada Meca.

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