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Friday, September 22, 2006

Ferir susceptibilidades II

«They long that ye should disbelieve even as they disbelieve, that ye may be upon a level (with them). So choose not friends from them till they forsake their homes in the way of Allah; if they turn back (to enmity) then take them and kill them wherever ye find them, and choose no friend nor helper from among them.» Qur'an, 4:88

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«Ye will find others who desire that they should have security from you, and security from their own folk. So often as they are returned to hostility they are plunged therein. If they keep not aloof from you nor offer you peace nor hold their hands, then take them and kill them wherever ye find them. Against such We have given you clear warrant.» Qur'an, 4:91


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1. Em nenhuma parte do discurso se discute a questão ocidente vs. oriente que não é o que é analisado, mas sim a racionalidade [logos] vs. irracionalidade e a sua relação com o uso da violência. Por isso, afirmar que o Papa diz que o Islão é irracional porque é oriental é absurdo. O Papa não diz nada acerca das religiões orientais (no oriente há muita coisa para além do Islão), nem sequer afirma que estas são necessariamente irracionais por não estarem ligadas à tradição filosófica helenística - apenas que o conhecimento sobre Deus, a profissão da fé e o estudo da doutrina religiosa devem ser executados de uma forma racional e que, por essas mesmas razões, se voltarmos atrás no texto, não podem ser guiados pela violência, que é irracional. Não sei se o Rui Fernandes está a perceber onde eu quero chegar - é o equivalente a ler a sua resposta e dizer que como o Rui está a dizer que o Papa esta a insultar o Islão, com isso estará a querer atingir a Igreja Católica e é um anti-clerical, por isso deve ser um nazi jacobino. A lógica por associação pode levar-nos a praticamente qualquer lado. O que me faz confusão em particular é o facto de tantos muçulmanos e não-muçulmanos se incomodarem com a ideia de que Maomé seria violento (e por conseguinte, o Islão), quando o Alcorão está recheado de citações de encorajamento mais que evidente à violência e à irracionalidade como aquelas ali acima que apelam à morte dos infiéis. E, obviamente, não são exemplo único.
2. Não vejo onde é que é possível «interpretar» com tantas certezas que Bento XVI é islamófobo. E se tivesse verdadeiramente aversão ao Islão, certamente teria as suas razões, que, se fossem bem fundamentadas, seriam importantes de analisar. Muitos líderes religiosos islâmicos dizem constantemente coisas muito mais claras e profanas sobre outras religiões que passam completamente despercebidas porque nessas religiões ninguém lhes faz caso (a tal coisa chamada tolerância religiosa que muitos islâmicos não conhecem). Na verdade, o Islão tem um problema muito sério com todas as religiões, monoteístas ou politeístas, racionais ou irracionais, ocidentais ou orientais simplesmente porque são outras religiões que não o Islão. É a única religião maioritária que conheço que comanda os seus fiéis a entrar numa guerra santa (sic) de conversão ou submissão dos descrentes.

3. Não há nenhum erro de análise histórica no que eu disse. Aliás, o erro histórico está nos que pensam que a agressão islâmica em nome de Alá é um fenómeno novo. Esquartejar, subjugar e dominar em nome de Alá foi uma coisa que se iniciou há 14 séculos atrás com Maomé, ou seja, faz parte da história do Islão, e continuou até aos dias de hoje. Maomé foi, entre outras coisas, um líder militar que participou em dezenas de guerras e não propriamente um pacifista.

4. As comparações a judeus e a cristãos que cometeram actos terroristas são uma defesa muito recorrente mas não levam a lado nenhum. Porquê? Porque eu não estou a propor que ninguém se converta ao cristianismo ou ao judaísmo, nem sequer a defender estas religiões. É um erro frequente encarar qualquer crítica a esta atitude islâmica como se o autor fosse sempre uma espécie de missionário ou evangelista, o que só serve para dispersar.

Contudo, há várias coisas a clarificar. Primeiro, se a justificação de qualquer que seja o terrorismo praticado por cristãos ou judeus reside na sua religião e se este é praticado em nome do deus judaico ou cristão. Quantos terroristas cristãos e judeus é que o Rui vê por aí a gritar "Deus é grande" e a matar pessoas normais apenas porque são infiéis e porque a sua religião o comanda?

O segundo ponto, e porque o Rui diz, quanto às minhas afirmações sobre o Islão, que «haveria sido ridículo formular por um cristão a um maometano em outras épocas e situações», em que parte do Novo Testamento, que é a parte mais importante da Bíblia para os cristãos, é que se encontram indicações sobre como os membros de outras religiões devem ser perseguidos, convertidos à força, executados, ter um estatuto legal inferior para garantir a sua sobrevivência ou são dados exemplos (i)morais acerca destas situações? E em quantos países maioritariamente cristãos é que tais ideias são correntes e são praticadas ao abrigo da lei ou como parte desta? Quantos países maioritariamente cristãos são teocratas e aplicam leis contra a blasfémia ou heresia ao cristianismo? E nas situações em que os países cristãos o fizeram no passado, quais eram os ensinamentos de Cristo que os obrigavam a fazer tal coisa?

O mesmo pode ser questionado relativamente ao judaísmo. Claro que no Pentateuco há muita indiciação à violência, como nos livros do Levítico e do Deuteronómio, mas somos forçados a regressar à questão essencial - quem são os judeus (porque o Pentateuco corresponde à Tora) ou os cristãos que seguem estes mandamentos ou os incluem na lei? Quem são, mesmo entre os que reclamam uma exegese literalista, os que desejam aplicá-los e o fazem? Volto a frisar - o que nós vemos é um terrorismo a nível global em nome do Islão, e não um terrorismo em nome dos valores cristãos e/ou judaicos, o que, aliás, seria bastante contraditório.

Nada disto seria relevante se a filosofia de interpretação literalista dos textos islâmicos não fosse tão vulgar e abrangente, sendo esse o terceiro ponto a recordar - qual a quantidade de pessoas cristãs e judaicas que partilha uma defesa do terrorismo em nome da sua religião? Qual é a aceitação que têm estes grupos entre os outros praticantes?

Quem analisar todas estas questões de forma racional chegará à conclusão óbvia, por mais difícil que seja de retirar, de que comparar as religiões sobre estes parâmetros faz pouco sentido. E para isso não é necesário sequer ler sobre documentos teológicos, basta ir lendo as notícias internacionais que não só mostram esta violência islâmica nos países de outras religiões, como nos islâmicos entre facções distintas, que se vêem mutuamente como hereges e se tentam extinguir. O que não deixa de ser curioso em tudo isto é que o Islão acaba por ser irracional quase por definição, porque para uma grande parte os ensinamentos presentes nos seus escritos, que são vistos como a palavra sagrada e directa de Alá, devem ser seguidos de forma literal. Para a generalidade não há estudo hermenêutico necessário, há simplesmente submissão (o significado da etimologia de Islão). Por isso, a ideia de defender que a tese do Papa sobre a irracionalidade do Islão - que por si é uma dedução do que é dito - é uma imbecilidade é quase uma espécie de imbecilidade em si própria.

Só uma nota aparte. Eu não faço "acusações" nenhumas contra os "árabes", e respectiva história ou cultura. Sejamos claros. Estamos a falar de muçulmanos - não é preciso ser árabe para ser muçulmano, nem todos os árabes são muçulmanos.

5. Falar de islamofobia quando ela não existe é uma forma de dissuadir as pessoas de discutir os assuntos de forma séria. Quem alguém tem medo de ser acusado de racista não se atreve a dizer o que pensa - é uma forma de tentativa de bloqueio à discussão. Mais uma vez, comparar cristianismo e seus princípios com islamismo é um erro muito grave. Dizer que todas as religiões podem ter as suas coisas más é uma coisa, mas insistir que estão todas numa espécie de nível semelhante porque as civilizações que as adoptaram cometeram, qualitativamente, erros históricos ou fizeram coisas menos boas é uma forma pouco isenta de diminuir os mandamentos que cada religão postula e a quantificação dos erros das civilizações quando correlacionados com os ensinamentos das respectivas religiões. Para além de ser terrivelmente falacioso, porque dois errados não fazem um certo, as civilizações só devem ser analisadas na sua medida religiosa de acordo com aquilo que é expresso nesses mesmos valores religiosos que professam, aqueles que decidem aplicar às suas sociedades e ao seu modo de vida e que tipos de eventos são derivados desses princípios.

6. O discurso de Bento XVI é um discurso tipicamente académico. Ele próprio o declara no início. Aquilo que para mim é mais preocupante é o facto de ao Rui Fernandes parecer mais importante demonstrar que quem concorda com o Papa é irracional, xenófobo, imoral, racista etc. e não que uma religião que não consegue obviamente lidar com criticas externas, um escrutínio público livre e a liberdade religiosa é, efectivamente, muito pouco racional e, como exposto aos olhos de todos, extremamente violenta. Mesmo que o Papa não o tenha dito explicitamente. Veja-se por exemplo, como encaram os cristãos a crítica à sua religião - matam, ameaçam, proíbem e condenam?

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