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Tuesday, January 30, 2007

Desfazer a barreira

O meu último artigo publicado na Dia D, no dia 26 de Janeiro:

A equipa de futebol do Athletic Club possui uma tradição quase centenária que consiste em manter uma equipa inteiramente composta por jogadores bascos. Actualmente a regra é um pouco mais flexível – para fechar contrato é condição suficiente que o jogador tenha ascendência recente no país basco ou lá tenha sido formado.

Este caso idiossincrático torna-se particularmente interessante não somente pela rareza, mas por ser símbolo de uma resistência à evolução, no sentido oposto, do mercado de transferências. Durante muitos anos, o Athletic integrou o restrito grupo de clubes que conseguiram vencer repetidamente várias competições espanholas, tanto por via do acesso a alguns dos melhores jogadores nacionais (dos quais, por coincidência, muitos eram bascos), como devido à impossibilidade de outras equipas se reforçarem com mais e melhores jogadores estrangeiros. A progressiva abertura geral das regras existentes para contratações e o aumento da complexidade e organização social resultaram numa inevitável facilidade de aquisição de internacionais e provenientes de outras regiões de Espanha. Para o Athletic, limitado ao seu pequeno universo de potenciais jogadores regionais, as competições tornaram-se cada vez mais difíceis de vencer e, acima de tudo, mais dispendiosas – a grande vantagem de outros clubes não era apenas a obtenção de jogadores tecnicamente mais aptos, mas o facto de que, ao terem acesso a um mercado muito mais alargado, podiam reduzir os custos das suas aquisições e aumentar significativamente o leque de escolhas disponíveis consoante as necessidades. Sem grande surpresa, o Athletic não ganha títulos importantes há mais de vinte anos, esteve recentemente à beira da despromoção e a sua situação financeira já conheceu melhores dias.

Não existem já muitos clubes voluntariamente organizados desta forma peculiar, dada a prova da ineficácia desta estratégia na busca de resultados desportivos superiores. Na verdade, a grande maioria dos associados compreende-o intuitivamente e revolta-se com frequência contra as poucas regulações europeias ainda em vigor que impõem um número limite de jogadores originários de outros continentes. Uma vez que o interesse primário é unicamente a maximização do sucesso do seu colectivo e, mesmo com toda a liberdade de contratação ao alcance, a criação de uma equipa vencedora está dependente de uma infinidade de outras variáveis como a adaptação de características individuais ao jogo em grupo e a táctica utilizada, seria extremamente penalizador para todos os clubes envolvidos criar demasiadas restrições mútuas, o que resultaria numa competição de péssima qualidade. Pelas mesmas razões, os jogadores apenas são considerados valiosos enquanto se mostrarem produtivos de forma proporcional ao seu salário (é bastante fácil que ganhem o honroso epíteto de “mercenários” se assim não for) e existe muito pouca contra-argumentação emocional que se baseie na precariedade do emprego dos jogadores com menos talento e experiência ou na eventual redução do seu salário decorrente da concorrência com jogadores de outras áreas do globo. Muito pelo contrário, esta dinâmica é encarada de forma extremamente positiva porque recompensa o esforço pela obtenção de um lugar em campo e abre imensas oportunidades de compra e venda.

Este comportamento não é de todo enigmático pois é fácil compreender que os adeptos vejam o seu clube como uma empresa simultaneamente capaz da melhor gestão e dos melhores resultados. Enigmática é a ambivalência existente na aplicação desta intuição à restante sociedade. A troco de uma falsa ilusão de segurança temporária no emprego dos que não desejam estar expostos à concorrência estrangeira e da estabilidade de empresas nacionais que adquirem um estatuto privilegiado relativamente a outras – em ambos os casos, por retirarem frutos de uma produção acima do seu valor real – todos os que não pertençam a nenhuma destas categorias, dentro ou fora do país, estão condenados a ver a liberdade de escolha e a hipótese de acumulação de riqueza severamente diminuídas. Um pouco como o endémico Athletic, sem êxito desportivo nem dinheiro para novos jogadores.

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