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Wednesday, August 24, 2005

Inteligência canhota e debilitada


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Fui hoje surpreendido pela notícia de que Jerónimo de Sousa seria candidato às eleições presidenciais ou talvez eu continue a pensar que os comunistas, e a extrema-esquerda em geral, são compostos por gente astuta (porque honesta nunca é).

«Evitar que a direita tome conta do Palácio de Belém», é o principal objectivo da candidatura de Jerónimo de Sousa, anunciou o secretário-geral do PCP no final da reunião com o comité central do partido.


Nos últimos tempos não se tem falado de nenhum candidato do PSD ou do CDS além de Cavaco Silva, a quem agora toda a gente chama de “Professor” embora ele já o fosse e para com o qual mostram cada vez mais respeito embora seja keynesiano. É certo que no estado tão lamentável em que se encontram as actividades económicas até um kenesyiano podia pôr isto a funcionar – ou é isso em que a população quer acreditar. Tenho visto muita gente, votantes do agora chamado “Bloco Central”, falar de Cavaco Silva com um sentimento enorme de nostalgia. Aqueles longínquos anos em que tantas críticas surgiam – como, aliás, surgem sempre – parecem agora estar esquecidos e todos dizem que “se fosse o Professor Cavaco, eu até votava nele”. Curioso que tenha sido também um sentimento de desespero nacional a dar tanto apoio a Salazar, o salvador da Pátria. Já se deve ter reparado que esta Pátria precisa de Juntas de Salvação Nacional com certa regularidade – sejam elas D. Sebastião, Oliveira Salazar, o governo de José Sócrates, segundo as palavras de Mário Soares ao El Pais (jornal do Grupo PRISA), ou a própria.

Outro factor importante de que se esquece a maioria é de que Cavaco, caso tenha decidido concorrer verdadeiramente a eleições, se tornara Presidente da República. Ora, como se sabe, o Presidente da República, como figura política, é apenas um cargo de chefia passiva e controlo ligeiro sobre o poder executivo. O presidente não faz mais do que falar aos portugueses, vetar leis do parlamento quando acha que são inadmissíveis e representar Portugal no estrangeiro, quando convém. Além disso, o Presidente da República serve também para fazer figuras tristes como as de dar medalhas por condescendência ou simplesmente por interesse de divulgação. Como tal, o apoio e toda a conversação que se tem vindo a levantar acerca das eleições presidenciais é completamente irrelevante. Desviam-se as atenções dos problemas reais, preferindo entrar num debate completamente casual acerca de uma banalidade. Não é o Presidente da República que vai salvar o país. Ninguém vai salvar o país.

Eu compreendo que Cavaco Silva queira pensar porque na situação presente, ser Presidente da República é perigoso. Vejamos que o Presidente da República não desempenha cargo de grande importância embora seja o Chefe de Estado – um pouco o resquício republicano dos tempos monárquicos. Então porque se fala tanto no assunto? Não é certamente Cavaco nem o PSD quem monopoliza a questão. Se repararmos, tem sido o PS (e os seus candidatos) a dirigir completamente a questão e até a polémica. E agora surge a notícia, para mim surpreendente, da candidatura de Jerónimo de Sousa.

Analisemos a questão. Há vários meses que as atenções têm sido desviadas do mundo real para que se discutam, como se de uma questão central se tratasse, as eleições presidenciais. Nem sequer o referendo da Constituição Europeia, algo de importância muito superior, promoveu tanta discussão. Após a fuga de Durão Barroso para Bruxelas dizia-se que o PSD estava fragmentado e que tudo o que aconteceu de seguida era inevitável. Manuela Ferreira Leite, a número 2, não substituiu Barroso. Santana Lopes fê-lo sem apoio dos dinossauros sociais-democratas e Marques Mendes foi eleito com muita timidez pelos militantes, que lhe deram simplesmente 56.6% dos votos ao contrário de Sócrates que, no PS, ganhou esmagadoramente com 81,7%. Os comentadores assinalavam que os socialistas, ao contrário dos sociais-democratas, estavam unidos, coesos e tinham uma base coerente para avançar para eleições legislativas.

Ao aproximarem-se as presidenciais notou-se a dificuldade de candidatos da esquerda. Manuel Alegre, como bom revolucionário, está sempre disponível porque afinal “não há donos da república”. Falou-se também em Guterres porque, afinal, os portugueses também já devem ter esquecido os anos de guterrismo e o abandono de Guterres para evitar o pântano político de que falava. Obviamente, Gueterres, que ainda não está em fim de carreira prefere ficar a servir a ONU. O tacho é melhor e tem mais visibilidade. A seguir à Internacional Socialista, considerar ser Presidente da República Portuguesa é um cargo menor e de pouco prestígio – isso ficará para quando Guterres se tornam num dos que andam por aí. Logo surgiu Mário Soares que, obviamente, não perde uma oportunidade para aparecer nas luzes da ribalta. O “pai da democracia portuguesa” acha que os portugueses ainda podem sentir saudades suas o que é, se calhar, é uma grande verdade.

A grande polémica em torno de Soares e Alegre, que pareciam competir pela preferência dos apoios socialistas, dava lugar a uma estratégia de fundo que mostrava os cordelinhos que tentavam manipular nas mentes portuguesas. Soares dizia que a candidatura de Cavaco não podia ser um passeio na Avenida dos Aliados e por isso deu o passo em frente. Alegre indignou-se, mostrando o seu carácter revolucionário de que os comunistas e bloquistas tanto gostam. Se Soares desistisse (referindo a falta de apoios) Alegre seria o tal candidato providencial que uniria a esquerda contra a “direita” (ou aquilo a que a esquerda gosta de chamar de “direita”). Alegre, cujos apoios poderiam vir do Bloco e do PCP, seria igualmente candidato pelo PS, reunindo simultaneamente todos os votos destes partidos. Os candidatos restantes? Freitas do Amaral nunca teria o apoio do CDS depois de se ter juntado ao governo socialista. Resta apenas Cavaco, que reunirá os votos do PSD, do CDS e de muitos dos eleitores do PS que se encontram desiludidos com a actual governação (como se dela se tivesse devido esperar algo de diferente).

A candidatura de Jerónimo de Sousa surge em péssima altura. De Sousa é um candidato que não é um intelectual típico do comunismo e, por isso mesmo, tem o dom de mover multidões pela identificação que, infelizmente, o “proletariado” sente. Um líder simpático, populista, crítico q.b., e extremamente coerente no seio da sua incoerência. Fala de nacionalizações, fala do egoísmo do vil metal e das privatizações inaceitáveis que cedem o poder do povo aos interesses empresariais. Como dizia alguém durante as legislativas, de Sousa é o metalúrgico de camisa, parte do povo, que se engana ao falar, comete erros de apreciação e por isso mesmo demonstra ser falível no discurso. Isso geria simpatia generalizada. No entanto, as duas ideias dificilmente podem ser aceites por grande parte do eleitorado socialista – essa fase, por enquanto, já foi ultrapassada – e a maioria acredita numa versão social-democrata do paraíso social, o “Estado de bem-estar” e não nas revoluções comunistas de Cuba ou nos regimes coreanos, ao contrário do candidato do PCP que facilmente se classificaria como marxista-leninista.

Assim, a extrema-esquerda perde uma boa oportunidade para ficar em silêncio. O PS nunca desistiria de ter um candidato próprio – seja ele Alegre, Soares ou outro – mas o PCP poderia muito bem prescindir de um, coisa que não fez. Os apoios aos candidatos socialistas ficam comprometidos, dividindo os eleitorados do PCP e do BE que, à partida, poderiam apoiar um candidato apresentado por Sócrates.

Para quem dizia que é preciso combater a “direita”, a esquerda, da qual se tem dito muito unida, demonstra a sua fragmentação interna e falta de visão estratégica a longo prazo. O walk in the park de Cavaco Silva parece cada vez mais evidente já que o PSD e o CDS parecem não apresentar mais ninguém. Na verdade, se Cavaco Silva disser “não” será muito difícil arranjar um candidato à altura do colosso Soares.

Contudo, há que louvar a falta de perspicácia da extrema-esquerda portuguesa. Se há que escolher entre mau e pior, que vença Cavaco Silva. Ao menos ganha-se o direito de veto sobre as leis aprovadas pela maioria absoluta do PS, coisa que seria muito difícil tendo Soares nesse mesmo cargo. Felizmente, a esquerda não compreendeu isso e, a menos que haja alguma outra reviravolta (in)esperada, não me parece que a situação se venha a alterar. Isto, se Jerónimo de Sousa não desistir da candidatura como fez contra Jorge Sampaio. No entanto, numa altura tão crítica, qualquer movimento como o de Jerónimo de Sousa causa fracturas no seio da esquerda que a priori se esperava que juntasse forças para derrubar Cavaco.

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