Segundo o PD, Maria Nogueira Pinto visitou no domingo o Bairro da Musgueira, onde haviam sido reintegradas varias populações em bairros sociais. Segundo o mesmo PD, MNP elogiou o trabalho anterior de João Soares e Santana Lopes. Curiosamente existe na SIC a mesma notícia. E quando digo mesma notícia, quero mesmo dizer “mesma notícia”,
ipsis verbis. A notícia do PD está datada das 18:50 e a da SIC das 19:08. A da SIC apresenta uma curiosidade, aliás, duas. A primeira é a de que refere “Lusa”. Ficamos pois a pensar que não foi uma falha da SIC ao copiar o PD, mas sim o PD a esquecer-se de referir que copiou integralmente o texto da agência noticiosa Lusa. Aqui fica o reparo.
A segunda curiosidade é da SIC. E talvez seja muito mais grave. O PD esqueceu-se de referir a fonte mas a SIC alterou a notícia. Comparem-se os títulos:
SIC – Nogueira Leite critica Santana Lopes e João SoaresPD – Nogueira Pinto elogia Soares e Santana por realojamentosComo se pode ver, os títulos, apesar da partilha total dos corpos da notícia, são antónimos. À SIC fica a imagem de uma estação na tentativa desesperada de mostrar arrogância de MNP, colocando-a a criticar os anteriores presidentes de câmara. Mesmo que o tenha feito, não existe qualquer indicação dessa mesma crítica no resto da notícia, o que significa que a SIC continua a afirmar-se como um órgão de comunicação social incorrecto e com grande défice de isenção, algo que eu já tinha apontado também
aqui.
Quanto à notícia em si, seria esperar muito que MNP criticasse a atitude de João Soares e Pedro Santana Lopes, por diversas razões. Primeiro, se o fizesse, seria para mostrar que esta integração social havia sido mal realizada mas, ainda assim, apoiando a sua concretização. Mostraria que, provavelmente, criticava apenas por criticar. Segundo, porque se criticasse a reintegração em si, ficaria mal vista popularmente já que estaria a desdenhar das “classes sociais mais desfavorecidas”, coisa que, na Quinta Dimensão Portuguesa, equivale a um suicídio político. Tanto as pessoas – que agora se queixam da má qualidade das instalações – como os observadores externos (não os vizinhos) se indignariam pela inexistência de condições básicas, como o alojamento, para estas pessoas.
Infelizmente, toda esta notícia parece a análise de dois universos paralelos. Por um lado visualiza-se MNP a passear pelo bairro, dizendo de sua justiça aquilo que lhe compete. Pelo outro, os moradores que se queixam das condições em que vivem e são completamente ignorados. MNP entra, MNP sai. Tudo fica na mesma e sente-se uma teatralização de todo o evento até porque, como dizem os moradores, os políticos apenas se preocupam com as pessoas quando estão em alturas de eleições.
Esta pequena noticia, que passa despercebida entre mais novelas presidenciais que vão servindo para desviar a atenção dos eleitores relativamente ao panorama catastrófico da sociedade portuguesa (e quando digo sociedade, sim, quero dizer economia), serve para mostrar, mais uma vez, a distância que existe entre os senhores (sic) do poder e a arraia-miúda que se limita a protestar, pedir mais socialismo e ainda, a ser ingrata.
Esta ingratidão de que falo, não é conversa barata. É evidenciada, subtilmente, pela seguinte frase, talvez intencional, de um dos moradores:
"As obras foram feitas muito à pressa. Eles despacharam isto para a gente se calar e, pronto, ficámos com a porcaria"
Foi feito para que eles se calassem. Isso significa que disseram alguma coisa. Ou a intenção do poder autárquico foi demolir as habitações e começaram os contactos com as pessoas que, obviamente, se recusavam a deixar as suas casas, ou estes referidos habitantes pediram casas, utilizando como argumento as condições degradantes em que eventualmente se encontravam. De qualquer das formas, estes pequenos factos são denunciadores de uma realidade imensamente maior. A realidade de que, de uma forma ou de outra, as pessoas cooperam com o estatismo e negam os direitos individuais de cada um.
Pela perspectiva dos realojados, podem ter acontecido duas coisas. É provável que os habitantes tenham sido forçados a sair. Nesse caso, contrariou-se o seu direito a permanecer nas suas casas, que eles próprios construíram, como refere uma antiga moradora. Existe também a possibilidade de que muitos destes realojados tenham pedido novas casas, pagas pela autarquia, com o dinheiro dos “ricos” contribuintes. De ambas as formas, há uma exigência que nega um dos direitos mais básicos – o da propriedade.
Na visão dos políticos locais, olha-se para o amontoado de seres humanos como um todo. “Os moradores do bairro da Musgueira”. Olha-se para eles como uma colectividade e negam-se as vontades individuais – o paradigma máximo da democracia, a vitória da maioria das opiniões. Certamente, sempre foram vistos como um problema social no seu todo. Não só pelo facto de darem a sensação de bairro ilegal, mas pelo facto de não obedeceram a um planeamento urbanístico prévio. "O construtor não-autorizado, o construtor ilegal, o criminoso perpetrador da panorâmica, o pobre inculto e desrespeitador da lei e do civismo mais básico". Na mente de um político, torna-se imperativo eliminar este local, quer pela pressão dos outros moradores, legalizados (não por isso mais puros de consciência), quer pelo desajuste social. A solução? “Fogos de reabilitação”, pagos com o dinheiro, não da boa vontade dos políticos, mas da passividade e impotência dos contribuintes de vários locais que nem sequer conhecem a Musgueira nem os seus habitantes. Pouco importa que alguns moradores não queiram sair, a lei esta do lado do poder. Pouco importa que não queiram sair, o poder deseja, o poder manda. Mas como está dependente dos papelinhos das eleições, é forçado a negociar.
A solução mais fácil é anunciar um realojamento social, e não anunciar que vão ser tomadas medidas de liberalização da economia para permitir que estas pessoas tenham mais possibilidades, para permitir que se tornem aquilo que, provavelmente, tanto criticam – ricas. Não, o capitalismo é mau e cria mais desajustes sociais. Não, a solução da reintegração social artificial é a mais fácil, independentemente do custo que apresenta financeira e socialmente para os moradores mais próximos. Negação constante.
Perante todo este imbróglio, MNP deixa escapar aquilo que qualquer pessoa acaba por pensar no final.
“Todo o discurso ainda é o do coitadinho, do dêem-me isto, dêem-me aquilo. É preciso dar a ideia às pessoas que elas também têm de fazer pela sua vida”
Contudo, ao dizer isto, MNP contradiz-se, porque concorda com o apoio político-social a esta gente (ao ponto de se lhes construírem casas) apesar da sua crença disfarçada na individualidade. Em suma, não é preciso fazerem nada, nós ajudamos, ou melhor, têm problemas? Desenrasquem-se. MNP engana-se também ao dizer que há falta de uma cultura de deveres, apelando ao autoritarismo. É um dever lutarmos por nós próprios? Quem define isso? O Estado? Não é o Estado que constantemente restringe a possibilidades e liberdades dos cidadãos, impedindo-os de lutar por si mesmos? Então, que significa a frase de MNP?
Nada. Tentativas vagas de demonstração de superioridade moral. Vazio ideológico. Silêncio intelectual. Vestígios de autoritarismo e paternalismo político.
- Segue a tua vida meu filho, o papá está aqui para ajudar mas também para te dizer que não quer que saias de casa, que não tenhas um emprego diferente do que eu quero que tu tenhas, que não te quer ver em más companhias, em maus vícios. Não quero que andes com aquela rapariga, ela não é de confiança. Queres casar com ela? Não, não faças isso, ela é não é indicada para ti. Não comas isso, faz-te mal. Não tomes esse medicamento, faz mal. Não fumes, é mau para a saúde, vou passar a penalizar-te por isso. Dá-me algum dinheiro para contribuir para as despesas da casa, afinal, tu já trabalhas. Porque tens a televisão ligada? Não tens de trabalhar amanhã? Não vais dormir, não vais acordar cedo amanhã para nos sustentar? Depois de tudo o que eu sempre fiz por ti, protegendo-te...- Sim, papá. Gosto muito de ti. Vou já fazer o que me disseste.O estatismo é o grande vencedor.