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Monday, October 24, 2005

United só mesmo o Manchester

A novela Cristiano Ronaldo é muito representativa da típica mentalidade portuguesa. Quando se soube da acusação de violação, dezenas de portugueses anteciparam-se a inventar que ele tinha sido detido, coisa, aliás, tão grave que tinha sido até forçado a sair da cadeia só mesmo com o pagamento de uma elevada caução. Disseram também que "estes jovens de hoje em dia não têm cabeça" e que isto era "uma vergonha". Ouvi também que "ele foi burro porque não precisava de fazer isso com o dinheiro que tem" e tantas outras pérolas do saber lusitano.

É interessante que estas mesmas pessoas são as que seguem atentamente todos os passos de portugueses como Cristiano Ronaldo no estrangeiro e que até lhes chamam "os nossos que estão lá fora", numa evidente alusão à sua nacionalidade e ao local - porventura distante - onde estes vivem de momento. É uma idolatria completa que vai do futebol à ciência, passando por vários outros ramos. Qualquer seguidor de futebol sabe que o Pauleta está em França, que o Hugo Viana está no Newcastle e que o Zé-não-sei-das-quantas está no clube X do país Y. Qualquer seguidor da investigação científica saberá dizer, por exemplo, que o João Magueijo está no Imperial College e que o António Damásio está algures numa universidade americana. Até sabem que a Teresa Kerry, a Nelly Furtado, o Sam Mendes e o Tom Hanks são descendente de portugueses.


Por estas mesmas razões, nestes momentos, seria de esperar uma maior compaixão e até uma atitude algo paternalista por parte destas pessoas. O que se verifica, contudo, é precisamente o oposto.

Em Inglaterra, onde vive o Cristiano, todos os entrevistados de rua que pude ver, saíram em defesa dele e depositaram nele a sua confiança e o seu apoio para ultrapassar uma fase mais difícil. A Scotland Yard afirmou que Cristiano Ronaldo compareceu de livre vontade para prestar declarações, negando assim aquilo que muita da gente em Portugal tem andado a dizer. Ao serem confrontados com estes factos, muitos portugueses continuam a insistir que ele foi detido em grande aparato e que vai ser julgado pela violação, como se tivessem prazer em afirmá-lo e em denunciar o rapaz perante os olhos do mundo.

O Manchester United demonstrou toda a sua solidariedade para com o jogador. Os adeptos do Manchester United fizeram-lhe inclusive uma ovação ao entrar no Old Trafford, na última jornada, de forma a mostrar que o apoiam a 100%.

Na sua terra natal, Cristiano Ronaldo é enxovalhado pela comunicação social (que consegue ser praticamente pior do que os tablóides britânicos) e pelas próprias pessoas que embora ele seja português – coisa que nas "horas boas" é motivo de orgulho, satisfação pessoal e patriotismo injustificável e exacerbado – vê nele um criminoso antes sequer de saber o que se passou.

Quando vejo estas coisas questiono-me sobre que razão mesquinha fará com que os portugueses procurem sempre uma razão para criticar pessoalmente os outros. Pergunto-me como conseguem ser tão cínicos ao ponto de apoiar uma pessoa indiscutivelmente e depois, à primeira, sem saber pormenores adicionais, iniciar ataques desenfreados contra a integridade moral da figura em questão. É provável que caiam na sua própria armadilha de adoração. Os ídolos – os "nossos lá fora" – têm de ser perfeitos, sem falhas e logo, à mínima suspeita de comportamento fora do padrão, são motivo de escárnio e injúria pessoal.

Não acredito que os ingleses sejam especiais mas sim que os portugueses sejam especialmente maus. É muito triste partilhar a nacionalidade com toda esta gente.

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