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Thursday, June 29, 2006

Ficamos mais descansados!

Das FAQs do novo projecto ViaCTT:

«A ViaCTT é universal

Para todos: empresas, particulares, organismos públicos.

(...)

A ViaCTT é gratuita

Para aderir e utilizar não tem qualquer custo.»

O Eng. Sócrates é um egoísta de todo o tamanho. Descobriu uma árvore das patacas e não disse nada a ninguém.

Monday, June 26, 2006

Mistérios sobrenaturais II

Metade dos portugueses não liquida IRS

(Os meus) comentários finais

... ou como andar à volta da mesma rotunda, repetidamente, sem sair dela.

A maioria das coisas que têm estado aqui a ser discutidas ficaram esclarecidas (ou implicitamente mencionadas) desde a primeira entrada sobre o anarco-comunismo. No entanto, continua-se a andar às voltas com as mesmas premissas, relativizanda-os quando necessário para adaptá-las à forma como se vai respondendo por aqui (como o caso da coação, que é relativamente simples e óbvio). Não é uma crítica ao método, é uma crítica à ideologia. Esta acaba ela mesma por ter estes efeitos já que está completamente destacada do realismo e do empirismo e foi, inevitavelmente, a causa de tantas desgraças ao longo do Século XX, convencendo milhares de pessoas por via das suas argumentações circulares e sofistas.

De entre muitos iludidos que lutavam por regimes comunistas encontravam-se, precisamente, "anarquistas" que, convencidos por uma retórica de pés de barro e que estaria sociologicamente apta a extraterrestres lobotomizados, permitiu que os maiores monstros genocidas conseguissem alcançar o poder para cometer dos maiores crimes de que a humanidade tem conhecimento (evidência histórica). Ainda assim, há quem julgue que coisas como estas seriam possíveis de aplicar sem que se desse uma guerra no final da qual, caso estes vencessem, as coisas até funcionariam fluentemente.

Dito isto, alguns pontos que desejava esclarecer, caso ainda não tenham ficado suficientemente explícitos, para finalizar a minha participação em algo que penso ser já inútil por ter sido clarificado praticamente todo o essencial do que pretendia em relação às reclamações iniciais e complementares do Miguel Madeira:
1. As teorias anarco-socialistas andam às voltas para explicar que a propriedade é comunitária mas pode ser gerida individualmente. É importante referir que mesmo que isto fosse verdade, haveria uma entidade em representação da comunidade que estaria responsável por fazer a distribuição da propriedade. Isto é uma forma de governo. Não é uma anarquia. Sugerir que tudo pode ser resolvido em assembleia geral, para além de muito criativamente fértil e romântico, constitui uma forma de democracia e não uma anarquia.

2. A ideia de um mercado livre não-capitalista é ridícula. Não existindo a possibilidade de possuir meios de produção ou estabelecer voluntariamente relações laborais, não se pode dizer que o mercado seja "livre". Ao contrário do que diz o Miguel (exemplo das laranjas), é muito importante saber qual é a linha que distingue os meios de produção dos meios de consumo. Como esta ideia é vaga, abstracta e de âmbito limitado devido à imaginação humana, quase tudo pode ser considerado um meio de produção. Dizer que existe propriedade num regime assim é uma farsa. Em última instância, é o governo (os mais confusos poderão ler "comunidade") quem decide o que deve ser considerado propriedade. Não deverá ser necessário comentar o que acontece historicamente quando ideias assim proliferam ou a razão pela qual as revoluções são sempre "desvirtuadas".

4. Voltamos a relativizar, desta vez, não a propriedade, mas o que é um governo. Por qualquer razão enigmática o Miguel acha que qualquer pessoa que monte um negócio "governa" os empregados. Mas não façamos jogos de palavras. Governo é uma coisa - a tentativa infrutífera de gestão da sociedade e da economia a troco das liberdade pessoais - e as empresas são outra. De acordo com esse prisma, também poderíamos criticar o liberalismo por dizer que as pessoas se devem governar a si próprias. Afinal, também parece ser uma forma de "governo".

5. Constantemente fiz aqui a referência a que numa sociedade anarquista tanto seria possível estabelecer empresas como cooperativas. O Miguel Madeira reconhece que, realmente, numa "sociedade anarquista" não seriam possíveis tais coisas. Quando se lhe pergunta como é pode isto acontecer numa anarquia (e se coloca a ideia de que é necessária uma forma de autoritarismo para manter um regime antagónico às expectativas), ele refere que seria a vontade das pessoas. Pena que não tenha nada a ver com a vontade das pessoas. -- ver ponto 8 [Outros conceitos importantes para se compreender "vontade das pessoas": "revolução bem sucedida", "mudança de mentalidades", "socialismo bem aplicado", etc.]

6. Dizer igualmente que numa expropriação não existe necessariamente violência porque o proprietário pode não estar presente é o mesmo que dizer que numa sociedade de propriedade comunitária não existe necessariamente violência se um grupo de indivíduos decidir sair da jurisdição da comissão. Cada acto acarreta uma consequência. Em ninguém dos casos as coisas ficariam por aqui.

7. O Miguel diz que há "soluções propostas" para os casos de distribuição da propriedade mas acontece que numa sociedade anarquista não há "soluções" desse género, há processos descentralizados. As pessoas agem por si mesmas. Estar a querer inventar soluções para a distribuição de terrenos é o mesmo que ter uma agencia central (novamente, leiam os mais confusos qualquer palavra mais eufemística) a decidir quem tem direitos a explorar que terreno. Ao passo que num regime de propriedade privada há um reconhecimento mútuo feito pelas pessoas, nessa situação, essa agencia não tem legitimidade para fazer tal coisa a menos que seja reconhecida pelos envolvidos (o que é praticamente impossível).

8. Quando disse, e digo, que as pessoas defendem naturalmente a propriedade privada não me refiro em termos políticos. O exemplo prático na política é sempre muito bonito de argumentar porque parece mostrar que as pessoas gostam de propriedade, mas bem regulada ou limitada, quando na realidade esta projecção idealizada se aplica quase exclusivamente sempre à propriedade alheia. Acontece que as pessoas tentam aumentar ao máximo o proveito que obtêm de um dado sistema mesmo que nele não acreditem (ou mesmo que acreditam que saem individualmente beneficiadas).

9. O Miguel acha que o resultado final da "anarquia" é semelhante ao da democracia (aliás, o agitador até diz que os anarquistas são a favor da democracia directa). Todavia, quando digo que o anarco-socialismo gera por si mesmo um Estado (chamem-lhe democracia, ditadura da maioria, oligarquia, feudalismo, o que quiserem...), dizem que eu estou errado. Intrigante. Se anarquia é a falta de governo, o anarco-socialismo não pode ser uma anarquia por colocar a maioria a literalmente governar as minorias (indivíduos). Só para imaginar que a maioria das pessoas aceitaria sequer esse sistema ou este não se tornaria/seria um regime totalitário (por definição anti-anarquista) é absolutamente utópico e irrealista por, entre várias coisas, não considerar que o que este sistema faz é, em vez de ceder a liberdade aos indivíduos, cedê-la à vontade da maioria e permitir que esta tome as decisões que veja como "necessárias"-- ver também pontos 1 e 8.

10. Quanto a estas afirmações, aconselho o Miguel a ler o parágrafo seguinte à frase de onde esta foi citada. As respostas às perguntas são a) sim e b) não. Quanto a b), reconheço que é possível (já o é na actualidade) mas a pergunta é feita com o advérbio "substancialmente", o que muda tudo. Precisamente por não ser substancialmente, estamos a discutir uma forma de pseudo-anarquismo, uma mera desculpa para, na prática, instalar um regime totalitário. De igual modo, se o objectivo da menção ao trabalho de Peter Leeson «era refutar a necessidade de um Estado para impedir o aparecimento de propriedade privada (ou seja, provar que, mesmo sem Estado, pode haver sociedades em que os principais recursos sejam propriedade comunitária)», não sei porque foi dito na altura que «parece (...) implicito que há "sociedades sem estado" que "não reconhecem propriedade privada além dos bens de consumo imediatos", o que (...) corta pela raiz a tese que o anarco-socialismo é "impossivel" e "absurdo"» uma vez que nunca disse aqui que não poderiam existir bens geridos de forma voluntária colectivamente (comunidades, cooperativas, etc.). Agora, o anarco-socialismo não defende a existência de cooperativas mas sim um modelo social de propriedade colectiva. São duas coisas bem distintas - uma tem lógica, a outra é teoricamente absurda e experimentalmente desastrosa. E é isso que se tem estado a explicar constantemente por aqui.

11. É cansativo referir o mesmo mas repito: sim, numa sociedade livre os indivíduos podem fazer valer os seus direitos quando bem entenderem. Não reparei se o Miguel não terá percebido a falha lógica do exemplo de Kirzner a propósito disto. Se Kirzner diz que apenas o primeiro tem direito ao lago, utilizar essa ideia para mostrar que os outros não têm direito a beber dele é uma conclusão completamente irrelevante já que está implícita na primeira afirmação. Segundo o mesmo sistema, eles não teriam direito a beber nada. Realmente, é circular mas não vejo que tenha nada a ver com o anarco-capitalismo. Esse exemplo de refutação é que não tem utilidade nenhuma porque:

1. Define quem tem o direito.
2. É usado para mostrar que os que estão excluídos do direito estão... excluídos do direito.
3. Logo, não serve para mostrar que não podem fazer valer os seus direitos porque, neste mesmo sistema definido por 1, nunca os tiveram.

Tanto os exemplos dados (de coisas completamente descabidas) como reclamar propriedade sobre um deserto ou sobre praias consideradas públicas dão-me a ideia de que o Miguel Madeira ou está muito confuso sobre o que é a propriedade privada ou simplesmente se lembra de uns exemplos bons e propagandísticos para confundir os seus leitores. É que esse tipo de exemplos serve para eu dizer que num regime capitalista é possível reclamar que Marte me pertence, o que, como é óbvio, é absolutamente ridículo e sem sentido.

12. Não sei onde é que o Miguel conclui que a propriedade natural é proudhoniana em vez de capitalista. Retirar exemplos de animais, crianças (ou mesma a situação extrema de um naufrágio -- ler esta entrada que se aplica) para extrapolar posteriormente que assim é entre humanos adultos é um raciocínio indutivo, não dedutivo. Como tal, não é válido em termos lógicos e de valor falso, a menos que seja confirmado na realidade - o que não acontece. A propriedade proudhoniana refere um direito de ocupação proveniente do "uso regular", mas este uso regular está por definição dependente de um intervalo de tempo a ele associado que ninguém tem a legitimidade de definir arbitrariamente contra a vontade dos indivíduos que ocupam os locais em questão. Se o indivíduo X abandonar a sua casa para ir trabalhar, poderá ver a sua habitação ocupada por alguém que julge que um intervalo de algumas horas deixa de ser "uso regular". O mesmo pode suceder se a pessoa passar várias semanas de férias e assim por diante. [Atenção: não estou a falar dos okupas que habitam locais abandonados.]

Nota adicional: O Miguel está constantemente a referir que eu não uso argumentos sobre a eficácia/eficiência ou apetibilidade do sistema para avaliar negativamente as formas de anarco-socialismo. Como não estou, por princípio, interessado em maximizar o "bem-estar" do colectivo (impossível de definir) em detrimento do bem-estar individual de cada elemento do colectivo, não vejo qual a relevância do assunto. Quanto muito, bastam os exemplos históricos do que as formas de socialismo clássico fizeram. E sim, já sabemos que não são os "trabalhadores associados" e outras definições típicas nunca atingidas, etc. Mas é interessante e revelador saber que muitos dos que lutavam por estas definições não tiveram propriamente escrúpulos de lutar lado a lado com outros providos de definições mais realistas e menos ingénuas.

Saturday, June 24, 2006

Inversões

Depois de manifestada a intenção da GM em abandonar a sua fábrica na Azambuja para passar a produzir o Opel Combo em Saragoça, os meios de comunicação (como a SIC) vêm vindo a referir que as greves consecutivas dos trabalhadores têm como objectivo a "luta" pelos seus postos de trabalho. Como parece ser evidente, em qualquer parte do mundo, todos os trabalhadores que vêem em risco o seu emprego esforçam-se activamente para dar mais dúvidas ao seu empregador quanto à sustentabilidade/rentabilidade do projecto e mais razões para se desfazer deles. Não querendo entrar em guerras especulativas, será que também no caso dos jornalistas e repórteres portugueses podemos considerar que a linguagem e o pensamento são duas realidades indissociáveis?

Friday, June 23, 2006

No comunismo não há voluntários

Ao contrário do que afirma o Miguel, que julga ter encontrado a refutação derradeira (ainda por cima vinda de um economista austríaco) para as minhas afirmações sobre a absurdidade das formas de anarco-socialismo, não se vislumbra grande razão para surpresa. Diz Peter Leeson, numa citação de Efficient Anarchy:

"[i]ndividuals in primitive societies often have very similar endowments. Because they are frequently egalitarian and do not often recognize private ownership beyond the level of direct consumables..."

Utilizar isto para refutar qualquer das ideias e factos anteriormente aqui expostos é semelhante a falar sobre as teorias do "comunismo primitivo". Há milhares de anos atrás, as tribos nómadas - e Leeson refere que era generalizado à pequena escala, o que não é estranho - tinham pouca margem de manobra (e intenção, sequer) para fazer valer os seus direitos de propriedade sobre coisas que representavam menos valor para eles do que o bem-estar dos seus companheiros de tribo. E isto não acontece por acaso: os recursos eram extremamente limitados e era mais importante saber que os companheiros de grupo estavam bem alimentados e fortes do que brincar com o assunto. Baixas importantes significariam atrasos nas caçadas, o que poderia significar a morte, não só dos que buscavam alimento como também dos que aguardavam por ele e não iam caçar. A morte de um elemento poderia ser fatal para todo o grupo, que subsistia à custa do trabalho árduo dos caçadores. A prova mais viva desta realidade é que se um grupo de caçadores de uma tribo vizinha - na verdade, rival, já que competia pelos mesmos recursos escassos - tentasse obter pela força o produto da caçada seria muito provavelmente corrido à pedrada por tentar saquear uma propriedade conquistada com muita dificuldade, na mira de conseguir um almoço grátis.

Usar a mesma fasquia para falar de supostas pseudo-anarquias, seria o mesmo que dizer que um casal que partilhe a mesma casa e a mesma conta bancária apenas pode ser anarco-socialista porque não faz valer os seus direitos de propriedade um sobre o outro. Estes direitos são livres de ser definidos desde que não se interfiram com o que os implicados também decidem definir livremente. Assim como não é comunista partilhar uma caneta ou um livro.

É esta a diferença entre o que é uma sociedade livre e uma sociedade comunista (ou anarco-comunista, para o efeito...). Numa sociedade livre, as pessoas podem fazer valer os seus direitos quando bem entenderem enquanto numa sociedade anarco-comunista ninguém pode fazer nada porque é forçado a "partilhar" por defeito. Deixa de ser uma sociedade livre onde as coisas são partilhadas por necessidade ou vontade própria para se tornar numa em que nem se pode dizer que haja realmente partilha, mas sim uma obrigação de manter a sua propriedade como colectiva ou comunitária. Não tem outro nome senão o de totalitarismo.

Preocupante mesmo é que os exemplos com que o Miguel tenta refutar a necessidade da propriedade privada sejam de sociedades classificadas como primitivas. Talvez fosse boa ideia ter-se isso em consideração.

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Nota importante:

Não creio ter dito que o anarco-comunismo era "impossível". Seria o mesmo que dizer que o estalinismo era impossível. Claro que é possível. É tudo uma questão de ter valas comuns prontas e suficientes e uma boa dose de intelectuais de ideologia em punho que convençam as massas de que, na verdade, estão a lutar pela sua libertação individual. Depois, quando já não forem necessários para as tarefas sofistas, são eliminados pelos que sempre souberam desde início que a coisa ia dar assim. A receita foi aplicada com sucesso ao longo do século passado em vários países. E, incrivelmente, continuou a funcionar.

Thursday, June 22, 2006

Lógica da liberdade positiva

Faz parte do discurso político nacional há vários anos, sendo normalmente independente do partido de onde é proveniente. Falo daquela franja ideológica influenciada pelo "socialismo individualista" que nos diz que o indivíduo deve ser "livre". Livre no sentido de conseguir alcançar um determinado objectivo e, para isso, ter disponível todo o apoio do aparelho social. Esquece-se, convenientemente, que os outros elementos individuais da sociedade não serão livres já que terão de financiar ambições e sonhos alheios. Esta pequena falha de raciocínio parece eclipsar-se subitamente, já que quem a defende não consegue destacar-se de analisar, a cada vez, um indivíduo isolado e o resto da sociedade como um colectivo. Este indivíduo tenderá a pagar as escolhas (dos outros) que se encontrem previstas no grupo de acções que o governo decida como pertencentes à lista das que devem ser vistas como requisitos mínimos para satisfazer as necessidades de cada pessoa.

Porque é este sistema uma fraude? Para começar, convence as pessoas de que funciona e de que todos terão a possibilidade de cumprir as oportunidades desejadas mas ignora que estas passam a estar muito mais interdependentes dos impostos pagos uns pelos outros do que estariam numa situação em que pudessem gerir de forma normal e pessoal os seus fundos. Uma vez que os governos não tomam decisões de acordo com o que cada um paga, os orçamentos são encarados como um todo e existe uma racionalização das parcelas financeiras que são destinadas a esta ou aquela coisa, impossibilitando muitos projectos que são demasiado específicos para que possam ser levados a cabo por uma autoridade central que, quando investe em algo, tende a fazê-lo de forma a servir uma procura que seja relativamente homogénea (no sentido de curva gaussiana).

Quem defende este género de modelo oculta que existe perda de dinheiro com os processos intermédios da sua própria distribuição e que há um desvio da sociedade, das actividades que seriam normalmente escolhidas para as que são subsidiadas ou mais apoiadas, uma escolha que está dependente da vontade política do governo e que tende a ser, por regra, generalista. As pessoas que tenham projectos pessoais e que não pertençam ao grupo de interesses gerais estarão a ser prejudicadas por, afinal de contas, serem elas a financiar as outras actividades e possuir menos com que financiar as suas.

Em muitos casos deste género, como naquela perversidade que se costuma designar por ensino em Portugal, os mais pobres acabam por não conseguir obter nada do sistema já que é necessário um input individual e, independentemente de o frequentarem ou não, subsidiam toda a fatia de insiders mais abastados que optam por escolhas tidas como mais regulares. A solução de políticas de repressão económica para financiar o ensino aos mais pobres não passa de algo absolutamente inútil e contrário aos objectivos anunciados porque, quanto muito, são precisamente os mais pobres que financiam os que já fazem parte do sistema e têm muito melhor capacidade de escapar aos seus tentáculos fiscais.

Monday, June 19, 2006

Óxido de azoto

O grupo de pseudo-anarquistas que gravitam o blogue do Miguel Madeira (presumo que ele nem tenha culpa...), que fazem vários comentários pomposos aos artigos do Miguel e nunca por cá aparecem, embora estejam constantemente a falar do que se passa por estas paragens com afirmações simpáticas e elogiosas. Duvido sequer que tenham lido uma resposta inteira, limitando-se apenas às minhas citações que aparecem por lá...

Depois, claro, podem ler-se pérolas destas:

Pedro:

«Continuam os posts excelentes. O Dos Santos está quase KO...»

Este aqui sou eu na minha última competição de wrestling argumentativo. Como se pode ver, até estava bastante bronzeado ainda que a minha posição não fosse propriamente fotogénica. Culpa do fotógrafo.




agitador:

«o dos santos com essa analise entrou numa onda de determinismo historico.

que por acaso, já ouvi em qualquer lado...»

Recomenda quem sabe (tirando erros ortográficos):



Anarquismos

Respostas do Miguel Madeira --> I, II e III (é favor ler os textos para entender o contexto nos qual se inserem os comentários que se seguem):

1. Estejamos a falar de anarquismo individualista ou de anarquismo social (anarco-sindicalismo/comunismo, etc.), ambos rejeitam o capitalismo. O Miguel diz também que esta rejeição é feita com base no já referido sentido 3, mas é um igualmente um facto que apesar de nomenclaturas simpáticas e visão parcial dada pela crítica marxista implícita nessa definição, o capitalismo não pode existir sem que exista a margem de liberdade (o que não significa que se concretize) para gerar um lucro e criar emprego. Desta forma, estes "anarquistas" poderão rejeitar a "definição" 3 de "capitalismo" mas terão necessariamente de rejeitar 1 que é aliás, exactamente o que fazem os socialistas clássicos (marxismo, por exemplo). Vêem o capitalismo como o sentido 3, criticam o sentido 3 mas, na verdade, repudiam 1 já que as relações laborais expressas em 3 são ideologicamente vistas como ilegítimas.
2. O exemplo dessa aldeia é muito interessante. Como seria de esperar, desde que seja essa a vontade dos proprietários, neste caso, a comunidade, tudo parece ser aceitável. Contudo, é também interessante a referência à existência de um governo (é colocado misteriosamente entre aspas...). No texto - e apesar de parecer ter sido escrito propositadamente como forma de panfletário - esta espécie de "governo" da aldeia é eleita pelo povo, não se diz se por via democrática. Mesmo que seja uma via democrática, seria interessante saber se há ou não unanimidade no voto. Como se pode sugerir este exemplo como experiência anarquista, se o anarquismo se opõe a toda a forma de poder político? Como é possível e expectável que seja acatada uma decisão que afecte toda a comunidade e não seja do agrado da sua totalidade numa sociedade anarquista? Igualmente sugestiva é a expressão usada, e cito, «[a] associação/comissão (...) continua a governar, a gerir os interesses da comunidade». O que são os "interesses da comunidade"? Como se define algo que varia de acordo com as intenções de cada elemento de uma mesma comunidade?

3.
«por que é que alguém haveria de querer trabalhar para um patrão se, à partida, tem tanto direito como ele a utilizar os bens da comunidade, nomeadamente os instrumentos de trabalho? Para que é que, numa sociedade anarco-socialista, alguêm precisa de trabalhar para um patrão?»

A resposta é bastante simples: a pergunta deveria estar feita ao contrário. Porque não haveria alguém de desejar trabalhar para outra pessoa? A pergunta, feita da forma positiva, induz à partida a que se julgue que trabalhar sem ser por razões de subsistência própria é negativo. Trabalhar para uma pessoa que se conhece é impensável e para a comunidade, composta por vários membros (muitos deles potencialmente desconhecidos), não o é? O erro conceptual está em assumir que a pessoa não poderá encontrar uma forma de trabalho melhor do que a "oferecida" pela comunidade nem que esta seria considerada. Assume-se, novamente, conhecer algo que diz apenas respeito a cada um dos indivíduos e que apenas cada um deles pode determinar por si mesmo, mesmo atendendo à propriedade colectiva dos bens. O que impede que alguém pague por um determinado serviço, ainda que através do uso colectivo dos meios de produção?

Para além de nem todas as relações laborais se estabelecerem na indústria e na agro-pecuária (que é onde a generalidade dos exemplos propostos costuma estar enclausurada), existe o conhecimento ou a técnica necessários para utilizar esses meios da produção de algo. Não parece difícil de imaginar que devido à subjectividade de valor que os tipos de pagamento têm, um determinado empregador poderia oferecer maior benefício (a forma e a quantidade de pagamento) a um potencial empregado do que a comunidade como um todo. Claro que poderão existir 3 linhas de tentativa refutação da ideia proposta:

a) a comunidade pode oferecer, no seu colectivo, tudo o que satisfaça o indivíduo. Isto é curioso porque se baseia na ideia de que o indivíduo não tem vontade própria ou então na de que os recursos naturais e humanos são praticamente infinitos (estando estes próprios recursos humanos dispostos, por sua vez, a prestar "roboticamente" tal serviço à comunidade a troco de algo que potencialmente valorizam menos do que eventuais empregadores lhes possam oferecer);

b) ninguém deseja ser "explorado" e ter um patrão. Vago e de interpretação subjectiva. Há muita gente que a trabalhar por conta de outrem sabe obter mais benefícios do que por conta própria e não tem problema algum com isso.

c) o "empregador" não pode pagar nada porque não possui nada com que possa comerciar, seja por troca directa ou através de uma moeda comum, já que tudo o que produz é propriedade do colectivo, sendo-lhe posteriormente distribuído apenas o essencial para a sua subsistência ou a parcela do total produzido que lhe foi designada. Para além de ir potencialmente contra a ideia de que alguém trabalha realmente por contra própria utilizando meios de produção colectivos, a pergunta sobre o desejo de trabalhar para alguém que não a comunidade deixa de fazer sentido já que não sequer pode ser colocada. Não se pode perguntar qual o incentivo para trabalhar por conta de outrem quando tal coisa se apresenta como uma impossibilidade devido às suas implicações do ponto de vista legal (alguém teria propriedade que comerciar).

4. Quanto à coerção/coacção não é necessário andar com tantos rodeios porque ate é bastante simples. Relativizar a questão da propriedade para que coacção exista em ambos os casos (socialismo e capitalismo), dependendo do referencial a partir do qual se analise, não faz sentido. Vamos colocar a questão de uma forma clara. Num sistema (anarco-)capitalista, os socialistas podem ter propriedades que partilhem e giram em conjunto e ninguém tem nada que ver com isso. Num regime de anarquismo social - em que a propriedade privada não é reconhecida - não se pode sequer abrir e gerir individualmente uma mercearia, o que inclui a impossibilidade de estabelecer relações laborais. Qual dos regimes proíbe especifica e explicitamente um tipo de organização social? Qual dos dois é, por conseguinte, menos livre?

A ter em conta, também, que para abolir a propriedade privada é necessário literalmente expropriar os proprietários e não apenas sugerir essas utopias de que a propriedade só é defendida pelo Estado. Para impedir as pessoas de fazer valer os seus direitos de propriedade é necessário recorrer à força contra o próprio proprietário. Pelo contrário, no caso hipotético de uma "privatização" de uma propriedade colectiva em várias individuais (que nem tem nada a ver com o assunto mas serve como comparação), nada impede que os membros que desejam voltar a unir as suas propriedades, na incrivelmente extrema eventualidade de que o desejem fazer, não o façam livremente.

5. Não vejo que seja muito relevante falar de conflitos de propriedade como se fosse algo meramente pertencente a um sistema que reconheça a propriedade privada. Se as diversas formas dos anarquismos mencionados pretendem distribuir, por exemplo, parcelas de terreno individualmente, como julgam que não existiram conflitos de propriedade à semelhança do capitalismo? Qual a razão especial que faz com que tudo coincida harmonicamente sem que existam problemas? É a comunidade quem define que "propriedade" fica à guarda de uma determinada pessoa? E se essa pessoa preferir gerir a "propriedade" do vizinho? Efectivamente, os conflitos deste género até se tornam mais interessantes num regime que não reconheça a propriedade. Para o capitalismo, cada um teria a sua propriedade (não há nada como "distribuição" quando os limites já estão definidos à partida por gerações ou negócios anteriores) e existiria uma moeda de troca para que as propriedades fossem compradas ou vendidas. Por sua vez, no sistema proposto, cada um poderá realmente argumentar que a propriedade é de todos e por isso mesmo ambos preferem aquela parcela, não se chegando a uma resolução lógica. Qualquer reconhecimento por parte de uma "assembleia judicial" de que o membro X tinha mais direitos sobre aquele terreno do que outro por que razão fosse, seria como reconhecer que este tinha direito a estar ali e o outro não. Não existindo reconhecimento de propriedade privada, que razões tem o membro Y para respeitar e aceitar tal deliberação? Afinal, a propriedade também é de todos...

6. Citação do Miguel (sem distorções do contexto por minha parte...):

«Para falar a verdade, eu também não sei se poderemos falar em "comércio livre" no contexto do anarco-socialismo (no fundo, o que eu queria dizer, era que o "comércio livre" não seria abolido por si, mas que talvez morresse de "morte natural", por deixar de existir muita da sua base), mas apesar de tudo, talvez sim.»
.

Fica a dúvida sobre como é que se mata algo natural e espontâneo de forma... natural e espontânea.

7. A questão sobre o bilhete de cinema é muito engraçada. O único problema está em que o bilhete não vende aquele lugar do cinema, apenas o aluga para a sessão do filme a que diz respeito logo, quando se comercia um bilhete de cinema (também não faço ideia se é legal mas é irrelevante), apenas se está a conceder o direito de frequentar um determinado local a uma determinada hora. E isto é comércio livre porque foram as condições inicialmente definidas pelo proprietário da sala de cinema. O contrato entre o proprietário e o comprador não lhe dava muito mais direitos do que esse.

8. O Miguel diz que numa sociedade anarco-socialista em que a propriedade está definida comunitariamente, a comunidade está encarregue de regular os meios de produção. A menos que o Miguel julgue que a comunidade estaria em peso a tomar as decisões (centenas, talvez milhares de pessoas) e não escolhesse uma forma de "representatividade democrática", não se consegue dissociar esta concepção da de um Estado. E claro, um Estado comunista. Obviamente também se poderia dizer que era uma sociedade anarquista (como na verdade dizem muitos noruegueses, presumíveis adeptos da ideologia "anarquista", relativamente ao seu país) mas da mesma forma se pode dizer que Portugal é um país anarquista e escolhe ter um Estado ("comissão", "governo", "assembleia") porque é a sua vontade enquanto anarquista... Todos os que não respeitem a vontade da maioria da "comunidade portuguesa" são os que estão contra o sistema imposto pelos anarquistas que livremente decidem a vigência do actual sistema. Todo o anarquismo de cariz "social" corrompe o que é realmente o anarquismo, levando o indivíduo, que deveria ser o centro de poder, a vergar-se perante a vontade da maioria que o rodeia, independentemente da sua aceitação da corrente política. Aqui reside outras das conclusões absurdas. Se as decisões se fazem pela vontade da comunidade, então não existe diferença entre o anarquismo e o regime democrático, o que é absolutamente ridículo.

Quanto à ideia de que a comunidade "apenas" teria como propriedade os meios de produção, a ideia é demasiado difusa por natureza, assim como já o é na análise económica marxista. Por exemplo, tem-se estado aqui a dizer que a pessoa poderia trabalhar por conta própria com os meios de produção possuídos pela sociedade e assim produziria para si própria. Imagine-se que gere um pomar e produz laranjas. Mas serão as laranjas para consumo próprio e garantia de subsistência ou um meio de produção? É que essa pessoa pode usá-las para fazer umas tartes de laranja e começar a vendê-las. Ou pegar em linho e algodão e fazer roupas para si, e talvez abrir um negócio pessoal de pronto-a-vestir. Onde é que fica desenhada a linha de meios de produção? Como fazer com que a abolição da propriedade privada sobre os "meios de produção" não seja apenas uma via para implementar a escravatura sob a máscara de uma libertação?

9. Claro que a pergunta sobre a legitimidade de um sistema de definição de propriedade pode ser feita relativamente a qualquer um. Mas enquanto um sistema anarquista (ou seja, anarco-capitalista) é legítimo, coisas como o anarco-comunismo não o são. Num sistema anarco-capitalista, como se explicava no ponto 5, é dada liberdade total aos indivíduos para definir como desejam viver na sociedade e é perfeitamente válido (embora diria que não fosse natural) que surjam agregações onde a propriedade é encarada de uma forma menos liberal. Regimes que à partida proíbem todos os outros tipos de organização não podem ser considerados propriamente legítimos e muito menos anarquistas. Uma analogia recorrente poderá ser a de pensar no planeta Terra como um sistema onde diversos estados se organizam de forma anárquica e cada um decide como funcionará. Assim, existem países mais normais e outros menos normais.

Da mesma forma, (anarco-)comunistas poderiam perfeitamente viver numa sociedade anarco-capitalista desde que fossem suficientemente honestos para distinguir entre a abolição da propriedade privada e a definição da propriedade como um bem colectivo. Seria interessante observar este jogo de forças e saber se o desejo de implementação de um sistema colectivista se baseia apenas na crença de que leva a uma sociedade melhor (caso em que poderiam viver numa comunidade que assim pensasse) ou se se movem simplesmente pela cobiça da propriedade alheia e tentariam combater os capitalistas da área.

10. Não foi argumentado que para que o anarco-comunismo funcionasse 100% dos membros teriam de estar de acordo mas sim que para que fosse válido (no sentido de legítimo), esta condição teria de ser verificada uma vez que são impostas sérias restrições a determinados tipos de liberdade.

11. A sugestão de que numa sociedade sem Estado, o sistema de direitos de propriedade seria o reconhecido pela generalidade das pessoas nessa área é a correcta. Acontece que, por natureza, a maior parte das pessoas defende os direitos de propriedade privada. Muitas vezes poderão até dizer o contrário mas é interessante testar os seus instintos e a verdade é que se vivermos sozinhos e a meio da noite ouvirmos alguém a dar passos sorrateiros na sala, não assumimos que seja um anarco-socialista que se sentiu sozinho do outro lado da cidade e decidiu partilhar connosco a nossa propriedade para discutir a exploração laboral até às 4 da manhã mas sim alguém que invadiu a casa e a pretende roubar ou por em causa a nossa integridade física. Proteger a propriedade, assim como proteger a vida, é algo tão natural que até outros animais o fazem.

Claro que existe sempre uma parcela da população que não pensa assim e também não agiria assim. Mas essa percentagem é absolutamente mínima. Não conto com os comunistas (políticos) que nem sequer falam em formas de anarquismo e avançam logo para discursos de nacionalização e colectivização (eufemismos para apropriação de tudo por parte do Estado, fazendo eles parte do Estado...) mas com a percentagem muito reduzida de anarquistas de esquerdas que existem e que efectivamente estariam dispostos a participar numa comunidade desse tipo. Tirando esta minoria, a restante humanidade vive à base do reconhecimento da propriedade privada e assim tem sido desde que nos conhecemos como espécie. Qualquer outra forma de gerir as propriedades que tenha sido introduzida ao longo da história resultou sempre em caos quando aplicada à larga escala. Curiosamente, ninguém falou em introduzir um conceito de propriedade privada numa sociedade porque, obviamente, este já existe de forma natural.

12. Há que reconhecer que o exemplo da praia não é muito feliz, não só pela falta de dados como pela aparente impulsividade do hipotético Miguel Madeira. Antes de mais, se a praia teve gente a ir lá de seguida é porque, decerto, já a frequentava anteriormente. Se já usufruíam daquele espaço e este era um local considerado público, então não existe grande legitimidade para reclamar aquela propriedade a menos que fosse com o consentimento das pessoas que usualmente o frequentavam e que seriam, de forma abstracta, as pessoas com mais direito a pronunciar-se sobre o futuro do local. Claro que se a praia tivesse sido adquirida, herdada ou algo do género, os banhistas já estariam a par disso porque a praia já possuía um proprietário.

Escusado será dizer que a situação de confronto entre as agências de segurança, provavelmente, nunca iria acontecer. Não só pela situação em si e pelas razões de estabilidade financeira apontadas pelo Miguel como também pelo facto de elas próprias não se quererem envolver em distúrbios sérios potencialmente considerados ilegais [um tribunal independente daria a reclamação como ilegítima].

13. A anarquia (estou a falar de uma verdadeira anarquia com privatização da lei e tudo) nunca poderia produzir resultados semelhantes a uma democracia porque não seria regulada pelos interesses da maioria mas sim pelo interesse individual de cada um dos habitantes de um determinado local. Nesse sentido, a anarquia é - realmente - muito mais directa e descentralizada mas não pode ser comparada com um processo governativo em que existe um Estado e onde as acções deste estão dependentes da decisão dos votantes que penderam em maior número para um dado resultado (seja do género plebiscitário ou legislativo). Obviamente, existem algumas decisões gerais que poderiam ser tomadas em conjunto mas isso seria algo a determinar a nível local e de acordo com a vontade expressa pelos indivíduos, não sob uma forma que afectassem que não estivessem implicado na resolução. Decisões em conjunto à pequena escala todos fazemos diariamente.

14. Quanto à protecção dos mais poderosos - e para finalizar - sim, essa dedução lógica está totalmente correcta e é verdadeira. O Estado protege os mais poderosos. Quando eu disse que a sugestão, provavelmente por influência da luta de classes marxista, de que o capitalismo protege a propriedade dos mais poderosos é uma concepção errada queria dizer que o capitalismo não favorece um proprietário apenas porque ele é mais poderoso economicamente. Falta um "apenas" ou um "privilegiadamente" entre "protege" e "a". Falha por omissão.

Leituras recomendadas

Ondas de Paixão do Tiago Mendes

Rien ne va plus do Rodrigo Adão da Fonseca

Se (crónica semanal do Luciano Amaral n'O Insurgente)

Portugal. Que futuro? do membro do Conselho de Estado Jorge Coelho

[Definitivamente, o melhor e menos disparatado artigo de sempre de Jorge Coelho no DE. De notar em especial a conclusão e o facto de que Jorge Coelho assinava como economista e agora, que diz coisas assim, passou a assinar como "membro do Conselho de Estado"...]

Friday, June 16, 2006

Hawking e as soluções lógicas

Stephen Hawing terá feito umas afirmações muito politicamente (in)correctas acerca de qual será/deve ser o caminho a seguir pela humanidade de forma a garantir a sua sobrevivência. Em notícia comunicada pela AP, Stephen Hawking ter-se-á pronunciado da seguinte forma:

«The survival of the human race depends on its ability to find new homes elsewhere in the universe because there's an increasing risk that a disaster will destroy Earth, world-renowned physicist Stephen Hawking said Tuesday.

(...)

"We won't find anywhere as nice as Earth unless we go to another star system," added Hawking, who came to Hong Kong to a rock star's welcome Monday. Tickets for his lecture Thursday were sold out.

Hawking said that if humans can avoid killing themselves in the next 100 years, they should have space settlements that can continue without support from Earth.

"It is important for the human race to spread out into space for the survival of the species," Hawking said. "Life on Earth is at the ever-increasing risk of being wiped out by a disaster, such as sudden global warming, nuclear war, a genetically engineered virus or other dangers we have not yet thought of."»

Poderá parecer à primeira vista que Hawking é um activista de uma organização qualquer ao estilo Greenpeace, mais um maníaco - politicamente falando - que aponta constantemente as catástrofes iminentes e o apocalipse que se seguirá, etc. mas não. Hawking limita-se a dizer que o risco de acontecer um desastre aumenta com o tempo (o que é verdade, se se observar o historial geológico, climático e geofísico do planeta), apelando a "causas" conhecidas e que os seres humanos devem colonizar o espaço para evitar serem exterminados, coisa que já aconteceu várias vezes com milhares de espécies ao longo da história deste miserável planeta.

A declaração não teria nada de particularmente relevante não fossem as reacções que está a causar. Na verdade, se ninguém tivesse dito nada, Hawking poderia ser visto como mais um anunciante do dia do juízo final mas são os próprios anunciantes do costume que estão a criticá-lo sugerir tal resolução. Passe a explicação.

Como deve ser do conhecimento geral, a tese dominante é de que existe um aquecimento global inquestionável na Terra e que é causado pelo ser humano, ou seja, de origem antropogénica. Esta tese é acompanhada pela outra - também não verificada - de que podemos alterar o rumo do clima do planeta, esteja ele a ser alterado de forma própria ou por razões da actividade humana. Ora, o que Hawking diz implica necessariamente que a solução não é reverter o estado climatérico do planeta mas sim habitar outros onde se estabelecessem a pequena escala colónias que suportassem o ambiente necessário para a vida humana. Ou seja, Hawking não partilha, ao menos nas suas afirmações, da histeria geral vigente de que os governos devem impedir que o planeta embarque numa espiral destrutiva, bloqueando o próprio desenvolvimento das sociedades. Como deve dar para imaginar, isto não assenta muito bem na população em geral e nem mesmo no mundo científico, que supostamente deria ser um pouco mais racional.

Na mesma notícia, pode ler-se a reacção de Joshua Winn, astrofísico do MIT:

"The prospect of colonizing other planets is very far off, you must realize," he said.
Hawking's "work has been highly theoretical physics, not in astrophysics or global politics or anything like that," Winn added. "He is certainly stepping outside his research domain."

Alan Guth (MIT), pai da teoria da do universo inflacionário (modelo aceite actualmente) comenta também de forma negativa mas não tenta desautorizar Hawking. Mas nada disto denuncia o que está por trás. Claro que se poderia considerar que são críticas feitas com base científica. Certo. Mas felizmente (ou infelizmente), hoje existem coisas como a blogosfera e isso torna tudo muito mais interessante. A título de exemplo, no Cosmic Variance, Clifford Johnson, físico da University of Southern California escreve o seguinte:

Let’s Go Screw Up Some Other Planets!


«I’m all for exploring space and the like…. And settling in new places? Sure…. But only when the time is right, and for the right reasons. If Stephen actually said what was reported (I can imagine that a lot was left out by the reporters, resulting in significant distortion), I’d have to disagree on his suggested motivations (largely fear, it seems), and the timing is just way out.

Further, we’ve got stuff to do here, fixing up our messes here on earth…. we’ve no business spreading out more until we’ve grown up as a species, learning how to be less destructive and less prone to war.
Right now we’re a willful adolescent, at best. Probably a toddler.»

A autora do GrrlScientist, que é bióloga molecular, diz o seguinte:

«I like Stephen Hawking, but someone needs to have a little chat with him because today's comments are simply ridiculous. In fact, his comments make me wonder why humans won't do the right thing for a change, by doing what is necessary now to avert disaster on earth, our only home, instead of following Hawking's suggestion to evacuate the planet? It disgusts me to know that some people -- yes, even scientists, who should know better! -- think it is acceptable behavior to abandon earth after we have finished trashing the place, rather than changing our behavior to prevent things from worsening and also trying to fix the mess that we created -- just as our mommies wanted us to do when we were wee brats.

(...)

I think Hawking's idea is absolutely stupid!»

Claro que a ideia de Hawking ignora que os outros planetas também sofrem catástrofes e que há alterações climáticas muito bruscas mas é curiosa a reacção exarcebada de todos aqueles que costumam ser os primeiros defensores da exploração espacial. Ou melhor, defensores quando há que defender a ideia de que os fundos para áreas relacionadas são bem-vindos e do interesse profissional, claro. No geral, tirando os que estão a citar Hawking como se ele fosse uma prova de que o aquecimento global existe (reparar que diz "sudden" e nem propõe uma resposta ortodoxa), mais comentários podem ser lidos por aí na blogosfera, nomeadamente que:

  • a colonização espacial não pode resultar porque se o governo não admite o aquecimento global, então também não apoiará a exploração espacial [link]
  • Hawking está a servir de argumento para os que pretendem justificar crenças religiosas de que não nos devemos responsabilizar pelo mundo [link]
  • Hawking decidiu desistir de combater o aquecimento global (repetido dezenas de vezes) [link]
  • está errado porque todos os perigos que enfrenta a humanidade foram criados por si própria e o avanço tecnológico é o mal (mais um bocadinho e os humanos também criaram o Universo ou devemos matar a espécie para que ... a espécie não tenha problemas) [link]
  • (a minha preferida) Hawking é um sionista/imperialista assassino que agrediu e invadiu a Palestina e agora planeia também invadir o Sistema Solar e a humanidade não deve sobreviver, antes sim, ser eliminada [link]
A fauna pode ser encontrada aqui à medida que se vai actualizando.

Re: O anarco-comunismo é absurdo?

Numa palavra, sim. Mas vamos lá ver:
«Mas o ponto é que os anarco-comunistas não pretendem impedir o "comércio livre" per si - o anarquismo reconhece o direito de um individuo não pertencer a nenhuma comuna nem a nenhum "colectivo de trabalhadores" e ir trabalhar por conta própria, relacionando-se com os outros individuos (e comunas, sindicatos, etc.) de forma "mercantil". O anarco-comunismo acha que é melhor os indíviduos associarem-se em "comunas" em vez de trabalharem por conta própria, não que os individuos têm que pertencer a "comunas".»

Esta noção de anarco-comunismo é bastante interessante. Se é proposto que um indivíduo tenha o direito de não pertencer a nenhuma comunidade em específico e não tenha forçosamente de fazer parte de um colectivo de trabalhadores, como se impede - sem coerção, atenção - que a sociedade se fragmente e crie uma economia capitalista, por sua conta, em que a propriedade possa ser definida livremente a nível individual? Existe uma diferença entre o anarco-comunismo definir que os indivíduos devem associar-se em comunas e simplesmente achar que assim deve ser. Se o anarco-comunismo propõe um sistema em que as pessoas são livres de decidir, então estaremos, provavelmente, a falar de anarco-capitalismo, onde não há restrição a definir a propriedade de forma individual ou associativa, contando que não se interfiram mutuamente de forma a respeitar os direitos dos seus membros (seja a vontade destes em manter uma associação com uma gestão colectiva ou de proteger a propriedade privada).

Se, num sistema em que a propriedade é abolida, os indivíduos em si não têm direito a nada em termos singulares (apenas no colectivo), como se pode considerar que estejamos perante uma sociedade livre (ou, no sentido da discussão, anarquista) quando estes indivíduos estão impedidos da posse sobre o próprio fruto do seu trabalho, impossibilitados de comerciá-lo num mercado de trabalho (capitalista)? Relembre-se que impedidos de manter meios de produção por si próprios, estariam forçados a trabalhar para uma comuna ou a mudar para a jurisdição de outra comuna. Sarcasmo aparte, haverá melhor definição de exploração laboral do que esta?

«Então, se os anarquistas sociais (de que os anarco-comunistas são apenas uma facção) não querem abolir o "comércio livre", o que é que querem abolir? Resposta: a propriedade! Claro que os individuos continuarão a poder "ter" a "sua" casa, as "suas" ferramentas de trabalho, etc. Não poderão ter é bens que lhes permitam comandar o trabalho dos outros - p.ex., um individuo não poderá possuir uma fábrica (que, em principio, será propriedade da comunidade, tendo os trabalhadores como usufrutuários).»

É impossível abolir a propriedade sem abolir implicitamente o comércio livre. O comércio poderá existir, é claro, mas não por isso será livre já que os indivíduos não teriam direito a deter a propriedade sobre nenhum dos meios de produção. Como pode ser isto considerado livre? E se o anarco-comunismo, como foi dito acima, «reconhece o direito de um individuo não pertencer a nenhuma comuna nem a nenhum "colectivo de trabalhadores" e ir trabalhar por conta própria», como é que pode, em simultâneo, abolir a propriedade privada e consecutivamente impedir que este indivíduo trabalhe por conta própria? Também não se compreende a razão pela qual um indivíduo não pode deter a propriedade da fábrica assumindo que foi ele que financiou a sua construção. Se esta posse é ilegítima, deixa de existir incentivo para construir qualquer fábrica a não ser as controladas pelo "colectivo" (eufemismo para qualquer outra coisa bem pior). Porque não deve poder um detentor dos meios de produção empregar alguém de livre vontade, tratando-se de um acordo livre de mútuas as partes?

Outra questão que surge é - quem dá o direito aos que adoptem um sistema, como o de instalar comunas, de o impor, definir a forma de produção das comunidades alheias e dos seus elementos mesmo contra a sua vontade?

«Mas, poder-se-á perguntar, para abolir a "propriedade" não é preciso um "Estado"? Como é que, sem "Estado", se vai impedir quem queira de possuir uma fábrica, uma grande fazenda, ou o que fôr? É que a abolição da propriedade não requer nenhum acto "positivo" - não é necessário que um "Estado" vá confiscar a fábrica ao seu proprietário; é apenas necessário um acto "negativo" - que não haja nenhum "Estado" para fazer respeitar a "propriedade" do "proprietário".»

O comentário do Miguel assume implicitamente uma visão da propriedade como algo não natural, sendo apenas um resultado final da lei imposta pelo Estado. Acontece que esta visão dos factos não representa a realidade e aí reside toda a confusão sobre a ideia de que o anarco-conumismo é válido ao idealizar um sistema em que o conceito de propriedade é distinto de qualquer ideologia que defenda a liberdade. Claro que poderemos imaginar que 100% das pessoas desejariam ter um regime anarco-comunista - caso em que este seria válido - mas isso é totalmente ingénuo, como eu sugeria na entrada anterior. Assume-se que ninguém estaria a favor de um reconhecimento (mesmo que mínimo) da propriedade privada, o que é totalmente contra a natureza humana e todo o panorama oferecido pela história da humanidade que, na verdade, não pode ser dissociada da anterior. Por todas estas razões, o anarco-comunismo é absurdo já que utiliza inadequadamente a palavra anarquia quando necessita de um Estado para impor a sua visão totalitária de como deve ser a sociedade ou de uma alteração genética significativa das faculdades do ser humano (ou lobotomias generalizadas) para que ninguém questione essa ordem. Não será, certamente, por coincidência que tantos comunistas como anarco-comunistas falem da necessidade de uma "mudança de mentalidades" para que tais regimes sejam possíveis. O que estas ideologias desejam não é criar um modelo mais justo, mais equitativo, etc., etc., mas sim recriar o próprio Homem.

De lembrar que a ausência de Estado implica que, necessariamente, exista um mercado livre. O Pedro, que comenta a resposta do Miguel Madeira no Vento Sueste, por exemplo, julga que:


«O "desrespeito pelos direitos de propriedade" de que o luispedro diz que teria lugar num sistema anarquista existe de maneira muito mais explícita no seu sistema capitalismo, pois o Estado Capitalista reprime violentamente e sistematicamente todos aqueles que exigem o direito de propriedade de algo, menos aquele - o proprietário "legítimo" - que protege, invariavelmente o mais poderoso social e economicamente entre aqueles em contenda.»

O que levará o Pedro a pensar que num sistema anarquista as pessoas deixariam de desejar proteger a sua propriedade? Igualmente, a sugestão, provavelmente por influência da luta de classes marxista, de que o capitalismo protege a propriedade dos mais poderosos é uma concepção errada. O capitalismo não faz julgamentos morais acerca de quem tem mais ou menos poder, mais ou menos recursos monetários e o direito de propriedade deve ser respeitado independentemente de quem o reclama. Se o Pedro se refere a interpretações que tentem, de alguma forma, optimizar a utilidade social (ou qualquer referência, sem sentido, equivalente), então gostará de saber que coisas como essa são consideradas um desrespeito pelos direitos de propriedade por qualquer pessoa que não os veja como um mero artifício legal para atingir resultados de engenharia social desejados ou planeados a priori.

Importante será também não confundir o que seria a propriedade colectiva da expropriação, que é um exemplo típico. Uma fábrica pode ser controlada pelos seus trabalhadores desde que seja propriedade sua, assim como pode ser controlada por alguém que não lá trabalhe desde que seja considerada propriedade sua. São regras de natureza social que nasceram espontaneamente e permitiram à humanidade viver e evoluir colectivamente até ao momento.

Geralmente é neste ponto que se diz que os defensores da propriedade privada estão iludidos e não conseguem sair do mindset da existência do conceito de propriedade e que este nem sequer devia existir em primeiro lugar porque os bens, assim como a terra, pertencem a toda a humanidade, à sociedade,ou qualquer conceito romântico que se lhes assemelhe. Infelizmente, terá já sido notado que para designar tais coisas utilizamos os conceitos de "pertença", "posse" e "propriedade" e que concepções paradoxais como a de que a propriedade privada constitui um roubo à sociedade não fazem sentido porque, se não existir um conceito de propriedade, roubo também não poderá ser definido, uma vez que não havendo uma noção abstracta de propriedade, nada poderá ser roubado.

Wednesday, June 14, 2006

Definição de capitalismo

O Miguel Madeira certamente saberá que as línguas são corpos dinâmicos que evoluem no tempo por si mesmos, dependendo do uso a que vão sendo sujeitos pelas populações que as utilizam constantemente como método e código de comunicação. O facto de a palavra "capitalismo" ou "capitalista" ter sido originalmente proposta por socialistas ou definida em contraposição à abstracção lexical de "socialismo" da época é praticamente irrelevante para a discussão porque, utilizando qualquer que seja o idioma, não se está a discutir tendo em conta aproximações de metalinguagem nem a etimologia dos vocábulos. Desta forma, e precisamente porque importa conhecer o significado comum atribuído aos significantes que se usam actualmente, capitalismo é definido como [Capitalism. (2006, June 13). In Wikipedia, The Free Encyclopedia. Retrieved 07:22, June 14, 2006]:

«Capitalism has been defined in various related ways by different economic theorists, and is commonly understood to mean an economic or socioeconomic system in which the means of production are predominantly privately owned and operated for profit, mostly through the employment of labour. In such a system, money mediates the distribution and exchange of goods, services, and labour in largely free markets. Decisions regarding investment are made privately, and production and distribution is primarily controlled by companies or businesses each competing and acting in its own interest.»

Outras referências sérias de outros dicionários ou enciclopédias não andarão muito longe disto. No entanto, nada melhor do que citar a própria Wikipedia para o debate em questão já que este artigo deve ter sido revisto por milhares de pessoas. A única confusão que é passível de surgir - e, efectivamente, surge com alguma frequência por omissão de certos elementos de definição - é a de assumir que qualquer regime económico em que haja um reconhecimento legal (mesmo que mínimo, parcial e/ou restrito) da propriedade se deve considerar "capitalismo". Claramente, esta definição é usada e abusada por parte dos que desejam atacar a social-democracia e têm, precisamente, uma interpretação de influência marxista, atribuindo a classificação de "capitalismo" a tudo o que não é colectivismo. Esta tentativa de definição pela negativa é, obviamente, simplista e errada já que o capitalismo se baseia, como indicado acima, na possibilidade da existência de propriedade privada efectiva dos meios de produção e no usufruto desse mesmo sistema para criar um mercado livre. Se esta estiver regulada, taxada, etc. de alguma forma (ou, para ser mais abrangente, numa asserção mais "moderada", se estiver excessivamente regulada, taxada, etc.), o sistema não terá nada de capitalista. Será classificado como uma economia socialista - muito provavelmente a "caminho para uma sociedade socialista", numa alusão mais ambiciosa, como a portuguesa - dependendo apenas, para efeitos comparativos, do seu grau de coerção da liberdade económica.

Claro que podemos discutir o capitalismo como sendo o que qualquer pessoa desejar definir, independentemente do denominador comum que existe apenas para que, devido um eventual antagonismo de termos, qualquer discussão se torne rapidamente numa espécie de conversa de surdos. Se optarmos pelo caminho de dizer que o capitalismo, tal como é entendido de acordo com parâmetros contemporâneos, é qualquer uma das definições 2 ou 3, então não poderemos obviamente argumentar sobre o mesmo assunto.

Particularmente preocupante do ponto de vista académico é o facto de que regularmente se usam tais definições (pode ser que os marxistas tenham ficado parados no tempo) para criticar o que os defensores do capitalismo advogam, que é totalmente distinto é apenas coincide com o ponto 1.

Ainda a apontar com referência a esta questão:

1. O sentido utilizado por Manuel Lora e Juan Ramón Rallo - que é o que verdadeiramente importa - não poderá ser o outro do que o que tem está aqui a ser defendido. Não sei se o Miguel terá visitado (ou se conhece) as páginas que estão no final do artigo e que mostram que Juan Ramón Rallo, autor do Todo un hombre de Estado, escreve no liberalismo, um portal liberal espanhol, e no também espanhol e liberal think tank Instituto Juan de Mariana.

2. É naïf julgar que Steve Ballmer, o autor das magníficas frases sobre o Linux, não tenha feito essas declarações com a intenção clara de denegrir os projectos de software livre. O comunismo já não tem propriamente a receptividade como tinha há umas décadas atrás. Ainda que não tenha o mesmo efeito psicológico e social que chamar-lhes nazis, não poderá ser propriamente considerado um elogio, antes um apelido depreciativo, especialmente tendo em conta que a audiência maioritária é americana/anglo-saxónica. Era parcialmente a isto que me referia quando falei em distorções.

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P.S.: Uma entrada sobre a resposta do Miguel acerca do anarco-comunismo, provavelmente publicada por aqui amanhã, se o tempo assim o permitir.

Mistérios sobrenaturais

Governo estranha greve «entre feriados»

Tuesday, June 13, 2006

Ainda o Linux e o open-source

O Miguel Madeira comentou uma das minhas entradas anteriores em que se dava conta de um recente artigo de Lora e Ramón Rallo sobre os sistemas operativos GNU/Linux, publicado no LewRockwell. Diz o Miguel, na sua crítica ao artigo:

«Bem, isso depende tudo das definições utilizadas. Mas, em primeiro lugar, convém ser coerente no uso das definições: p.ex, no seu post sobre o assunto, Dos Santos escreve "a quantidade de vezes que é necessário apontar isto, incluindo a próprios participantes nos projectos de livre que julgam estar a contribuir para a causa anarco-comunista". Ora, não se pode demonstrar que o Linux não é "anarco-comunista" a partir do texto citado: o texto claramente define "comunismo" como um sistema "em que tudo é propriedade do Estado e que qualquer acção humana precisa de autorização do Departamento de Planeamento Central", logo o "anarco-comunismo" não está incluido na definição.»

Devo esclarecer que, quando me referi ao anarco-comunismo, estava a ser demasiado específico. Isto porque, na realidade, uma parte bastante relevante (seria interessante saber estimativas para a percentagem) dos programadores de software da comunidade se define a si mesma como comunista ou simpatizante do anarquismo (no sentido apresentado pelo anarco-comunismo ou teses de âmbito e espectro idênticos). A minha definição foi perfeitamente coerente no sentido em que todos fazem parte da família de ideologias comunistas. Em particular, o anarco-comunismo é uma forma de pseudo-anarquismo em que se advoga a abolição do Estado e, simultaneamente, do sistema de economia capitalista. Ora, isto é ingénuo (para não dizer completamente absurdo) dado que é impossível remover as estruturas estatais e, ao mesmo tempo, impedir que exista, na sua forma mais natural, o comércio livre. O anarco-comunismo é, portanto, uma forma inevitável de comunismo que não consegue verdadeiramente existir sem uma forte estrutura organizativa - não estamos a falar de cooperativas voluntárias - que coaja os outros elementos da sociedade a manter uma forma de economia que não a de mercado, sendo assim uma contradição.

Quanto ao que o Miguel Madeira diz sobre o Linux, não creio que a referência feita pelos autores do artigo mencionado fosse alguma outra do que a do capitalismo interpretado com o significado de mercado livre e troca espontaneamente voluntária de troca entre indivíduos que detêm os meios de produção. Nesse sentido, todos os projectos de open-source são capitalistas porque nascem de uma iniciativa livre, muitas vezes individual, tantas outras conjunta, sem necessidade de que exista implicitamente uma forma de lucro (o que não significa que muitos projectos open-source também não possam assumir formas lucrativas, como o caso de empresas que comercializam alguns distros do Linux). As demais são distorções intelectualmente desonestas do significado da palavra por motivos de oposição crítica e com mera intenção de denegrir a matéria para o efeito da qual se argumenta contrariamente.

«Já agora, diga-se que a "linha oficial" dos costuma ser a de que "o socialismo não funciona porque, sem propriedade privada não há mercados, sem mercados não há preços, e sem preços não há cálculo económico racional". Esse raciocínio já foi refutado em vários sitios (até por outros anti-socialistas), mas, se seguirmos a sua lógica, tal significa que o software livre, a wikipedia, etc. serão "quase-socialistas", já que também não recorrem muito aos preços.»

A bem da exactidão dos pontos discutidos, o argumento da inviabilidade de uma economia socialista devido ao problema do cálculo económico aplica-se ao sistema em si e não aos projectos que brotem de forma natural no seio desse sistema. Repare-se que não por existir software de código aberto todas as empresas que fazem deste ramo de negócio (usando-o aberto ou fechado) tenham ido à falência. O movimento open-source, desligado das cargas políticas dos seus membros (que nunca podem expressar a verdadeira natureza do próprio, dada a sua natureza), só pode ser visto como algo que é, em si, sustentável, devido à flexibilidade evidente dos seus meios de produção e do incontável número de centros de decisão que, em muitos casos, estabelecem uma auto-organização a escalas variadas. Para que tais conclusões sobre o software livre fossem factuais e verdadeiras, a maioria dos blogues existentes, por exemplo, teria de ser considerada de origem "quase-socialista" já que daí não lucra qualquer proveito económico directo. O mesmo se poderia dizer de toda e qualquer forma de colaboração voluntária que não gerasse um benefício financeiro claro.

A economia é o que as pessoas desejarem fazer dela. Se desejam partilhar programas informáticos por si produzidos, não se vê que isso contradiga em nada o que é o capitalismo ou que seja delator de tendências socialistas. Pelo contrário, o socialismo é a coerção para a cedência involuntária do trabalho produzido pelos indivíduos enquanto o capitalismo não especifica (sendo esta a sua componente de anarquismo de mercado) como devem os indivíduos gerir essa produção, salvaguardando apenas que não se interfira nos direitos que a estes assistem como entidades (individuais ou colectivas). Se essa análise expressa no comentário do Miguel estivesse correcta, o capitalismo teria de defender em simultâneo o fim da liberdade de associação para que organizações cooperativas não arruinassem os processos económicos a nível internacional. Acontece que, ironicamente, o capitalismo permite que as pessoas possam dedicar cada vez uma parte maior do seu tempo a actividades não-lucrativas que não tenham, necessariamente, relação íntima com a sua actividade profissional. E isto não pode ter nada de nefasto, apenas de benéfico.

Sunday, June 11, 2006

Mundial 2006 e o valor subjectivo

Um hábito relativamente intrincado nos elementos da sociedade portuguesa é o julgamento moral dos gastos das pessoas que os rodeiam. Está no sangue e talvez seja por isso que, em abstracto, tanta gente se encontra predisposta a que seja uma entidade externa a gerir uma fatia bastante alargada do seu dinheiro e nem sequer se aperceba (nem, basicamente, se importe) de outros "retoques" no valor real dos seus rendimentos e dívidas.

Com a chegada desta época de Verão, vai-se tornando novamente frequente (é coisa que se repete de forma sazonal, em especial, de 2 em 2 anos, com os campeonatos de futebol) ouvir vezes sem conta aquele comentário popular ao qual também sucumbiu José Saramago nas suas declarações sobre o Plano Nacional de leitura: "Há dinheiro para gastar". [Provavelmente, esta observação deixaria Saramago muito ofendido - onde é que já se viu comparar a intelectualidade elitista com o mexilhão? A sorte de quem fala sobre tal ilustre personalidade utilizando estes meios é que Saramago julga que as tecnologias actuais são perniciosas. Deve ser mais fácil encontrar Saramago a abraçar Fidel Castro do que a ler a blogosfera portuguesa.]

Esta característica tão lusa (diriam alguns, mediterrânica) nasce da ideia que nutrem as dominadoras mas férteis mentes sequiosas de controlo sobre a suposta quantidade de riqueza fixa que existe a dado momento. Acontece que a riqueza não equivale ao capital e não se manifesta necessariamente sob a forma monetária nem, obviamente, implica "perdas" económicas como a bastante aceite ideia de que os ricos estão cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres, e assim por diante.

Assim sendo, há algumas coisas que não são propriamente julgadas de forma intelectual, reduzindo-se apenas a ser dissecadas de uma aparente perspectiva que se baseia numa autoridade moral absolutamente inexistente e injustificável:

1. O valor que cada pessoa atribui a algo é puramente subjectivo. Enquanto um bilhete para o Mundial da Alemanha pode pessoalmente ter uma importância nula (ignorando o caso de se conhecer o seu valor no mercado e desejar lucrar com a sua compra), para outra pessoa pode ser um assunto muito sério. Enquanto a primeira não estaria sequer disposta a gastar dinheiro com algo tão fútil, a segunda pode chegar a oferecer um valor superior ao considerado normal, dada a relevância que a matéria assume para si. Este facto é uma consequência das diferenças entre as pessoas, os seus gostos, as suas prioridades e suas ambições. Se todos os seres humanos fossem iguais, certamente o mundo seria uma coisa muito mais assustadora do que já é.

2. Como a primeira pessoa não consegue, à partida, compreender o valor que é dado ao objecto em questão, não entende também que esta preferência pode implicar uma ordenação alternativa (em referência à sua) das prioridades no que toca à gestão do orçamento pessoal. Aqui entra a conclusão precipitada (e muitas vezes propositada) que a esquerda populista tanto gosta de usar para promover os ideais da equidade de rendimentos. Ao ver que alguém gasta dinheiro em algo que, de acordo consigo, é um gasto supérfluo, esta pessoa tenderá a dizer que "há dinheiro" para coisas assim, implicando que o alvo das suas críticas tem recursos suficientes para cobrir todas as despesas que o autor da frase teria, em adição àqueles "luxos". O erro está em assumir que a pessoa que compra o bilhete valoriza mais todas as outras coisas que a primeira pessoa tem como certas, em contrapartida ao bilhete comprado. Não pressupõe que, por exemplo, a pessoa tenha poupado dinheiro durante vários meses para o poder adquirir ou que tenha feito menos despesas de consumo diário para poder concretizar o seu outro desejo de ir assistir a uma partida de Portugal ao vivo.

3. Este raciocínio aplica-se a quase tudo o que é tido como objecto de luxo para um dado indivíduo. Poderá ser um jogo de futebol da liga dos campeões, umas férias na Polinésia, uma operação plástica, etc. A única matéria de dissidência é sobre o consenso relativo ao que deve ser classificado como consumo de luxo - não fosse a subjectividade o parâmetro em discussão. Para alguém que não tenha dinheiro suficiente (ou não o tenha poupado) para fazer umas férias na praia, passar várias semanas a esturricar ao sol poderá ser considerado um luxo. Comprar um carro novo pode ser considerado um luxo mas isso não implica, de forma alguma, que a pessoa que o pagou, ou ainda esteja a pagar, não tenha de gerir minuciosamente o seu orçamento para poder cumprir as prestações com que se comprometeu.

4. Retirar, portanto, conclusões sobre a riqueza pessoal de alguém, com base na sua aparência externa de riqueza, é demasiado simplista para ser válido até porque existem muitas pessoas para quem a própria aparência externa de riqueza é um bem muito valorizado o que, tal como foi explicado, não implica que estas sejam, de facto, ricas. De igual modo, a aplicação de economias num dado bem (que, para um observador externo, pode ser considerado um gasto desnecessário) não permite concluir que a pessoa tenha recursos financeiros estupendos.

O magnífico crescimento de 1%

O André escreve pouco mas quando o faz, resume de forma muito eficaz tudo o que é essencial. A ler na totalidade: Spin estatístico

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Nota: Um líder de um partido neoliberal da nossa praça concorda plenamente com o que é dito pelo André tendo feito ontem as seguintes afirmações:

  • O crescimento registado no primeiro trimestre do ano não significa que o país esteja em retoma económica, recusando "excessos de optimismo".
  • "Trata-se de valores comparados com período homólogo do ano passado, em que o crescimento foi zero. Há um valor ligeiramente crescente e não digo que seja uma desgraça, mas não se embandeire em arco"
  • O crescimento de um por cento representa a "recuperação lenta e gradual" da economia
  • "Eu teria mais cautelas. Os excessos de optimismo, depois, acabam por se virar contra quem faz essas afirmações", contrapôs, argumentando que "Portugal precisa de muito mais crescimento económico".
  • O Governo deveria "encontrar medidas concretas que levem a esse crescimento"
  • "Só este anúncio é curto. Precisamos de mais e de uma política diferente no plano económico", sublinhou, sustentando que esse crescimento da economia não significa a retoma ou a recuperação económica
  • "Verificou-se algum retrocesso do investimento estrangeiro e privado"
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Nota 2: Na verdade, uma errata. Peço desculpa, deixei-me levar pelo discurso. Afinal, era apenas o camarada Jerónimo.

Thursday, June 08, 2006

Conversas de café

- Quem foi aquele gajo que morreu no Iraque?

- Quem? Al-Zarqawi?

- Sim, esse. Ele era o quê? Primeiro-ministro?

- Não... era um líder da Al-Qaeda...

- Ah, era um terrorista? Então e os americanos mataram-no?

- Parece que sim.

- É incrível! Matam esse e deixam lá todos os outros!

O lazer e os mitos anti-EUA

The American Social Model (Tim Worstall):
«American capitalism really is a harsh taskmaster, isn't it? Those excessively long hours that everyone works, so different from the ease and leisure that applies in Europe along with our whiskey fountains, lakes of stew and the big rock candy mountain. That last being a product of a misdirected sugar beet subsidy of course. Indeed, there are those who insist that the US should regulate working hours, insist upon a reduction, as a way to bring some of this Euro-nirvana to the west coast of the Atlantic. There's only one small problem with this idea. It turns out not to be true.

(...)

The latest empirical proof comes in a paper from the Federal Reserve Bank of Boston: We document that a dramatic increase in leisure time lies behind the relatively stable number of market hours worked (per working-age adult) between 1965 and 2003. Specifically, we document that leisure for men increased by 6-8 hours per week (driven by a decline in market work hours) and for women by 4-8 hours per week (driven by a decline in home production work hours). This increase in leisure corresponds to roughly an additional 5 to 10 weeks of vacation per year, assuming a 40-hour work week. We also find that leisure increased during the last 40 years for a number of sub-samples of the population, with less-educated adults experiencing the largest increases. Lastly, we document a growing "inequality" in leisure that is the mirror image of the growing inequality of wages and expenditures, making welfare calculation based solely on the latter series incomplete.

(...)

Still, it could be true that while leisure hours are increasing in the US they are still lower than in Europe. Could be true but it isn't. This paper from Ronald Schettkat of Utrecht University explains it:

"The conventional view is that Americans work longer hours than Germans and other Europeans but when time in household production is included, overall working time is very similar on both sides of the Atlantic. Americans spend more time on market work but German invest more in household production."

The actual numbers show that American men work almost exactly the same hours, paid and unpaid together, as German men do; and German women actually 1.5 hours a week more than their sisters across the pond.

No, I think you'll agree, this isn't the basic story we get told about the European social model. We know that incomes are higher in the US but this is usually explained away as not really being higher income, as it's leisure that counts. And as we can see, what actually happens is that Americans get both the higher income and as much or more leisure as the Germans. Oh, and the Germans have problems with social exclusion as well as they're not generating the service jobs that employ the low-skilled.»

Tuesday, June 06, 2006

Reverse (bio)engineering

Socialistas rejeitam proposta do CDS para descer idade de responsabilidade penal

«“Não há uma razão biológica ou de discernimento que justifique esta descida. As razões cautelares aconselham a manter o regime actual”, afirmou Ricardo Rodrigues. O vice-presidente do grupo parlamentar do PS salientou que “não há um vazio legislativo”, já que “existem alternativas” à detenção em estabelecimentos prisionais dos jovens delinquentes até aos 16 anos.»

É interessante a explicação utilizada pela bancada do PS de forma a contra-argumentar a igualmente interessante idade sugerida pelo CDS. De acordo com esta, não há justificação válida para que a idade de responsabilidade penal seja diminuída para 14 anos. Onde foi buscar o PS a bizarra ideia de que a actual idade prevista na lei é biologicamente válida? Por que razão aos 16 anos e não aos 15 anos e 3/4 ou aos 16 anos e 2/3, por exemplo? O que acontece de mágico que metamorfoseia automaticamente a noção de responsabilidade de uma pessoa à meia-noite da sua 16ª (ou 14ª) primavera?

O PS tem, ao menos, razão em algo: não existe um vazio legal. Existe, em sua vez, uma discriminação legal - a de que alguém com menos de 16 anos (ou, na verdade, qualquer outra idade destes grupos etários), independentemente do seu nível (pessoal) de noção de responsabilidade pelos seus actos, será de imediato dado como inimputável pelo simples facto de a sua identificação civil o determinar como menor para efeitos penais, ao contrário de alguém que pode ter apenas mais alguns meses e não estar consciente, com tanta clareza, da natureza criminosa das suas acções. Ter uma lei que define uma idade a partir da qual alguém pode ser julgado (ou antes da qual ninguém pode) é assumir com todas letras que se opta por uma visão totalitária e de pensamento unilateral da sociedade e não admitir, nem sequer reconhecer, que o discernimento entre o bem e o mal ou a acção livre e o crime é um processo que varia de pessoa para pessoa e não tem um instante determinado ao qual ocorre.

Com este tema está inevitavelmente relacionada a questão do voto aos 18 anos. Se aos 16 se está apto a cumprir pena por um crime cometido - e daí se presuma que se está apto a distinguir o que está certo do que está errado - em que é mais especial o direito de voto em eleições? Provavelmente, nenhum partido propõe isto porque aqueles 2-3 anos essenciais são os que usam para ir envenenando os espíritos dos adolescentes com ideias tolas - para as quais previamente eles não estariam ainda predispostos, devido à ausência maioritária de decisões académicas que afectem o seu futuro no mercado de trabalho - e influenciando a sua forma(ta)ção ideológica através das campanhas das associações de estudantes por si patrocinadas. Com muito gosto, obviamente.

Maximização da utilidade

Os calendários dizem que hoje terá sido o Dia D, data do desembarque das tropas aliadas na Normandia. Diz-se também nas ruas que hoje é o Dia D, mas do juízo final. Bem, sobre isto nada posso adiantar. Contudo, segundo o sitemeter, parece que o meu Dia D foi ontem e aqui está o artigo:

Os mais recentes dados estimados pelo Banco Mundial apontam para que a dimensão da economia informal em Portugal tenha atingido valores em torno dos 20-25% do PIB, percentagem que tem vindo a aumentar progressivamente desde a década de 90.

Ao analisar friamente os dados referentes a estes indicadores, quem desconhecer por completo o contexto político português terá tendência a concluir que Portugal é um país severamente oprimido, já que as estimativas são superiores à média calculada para a OCDE em vários pontos percentuais. Mas podem ser os portugueses, de facto, oprimidos quando partilham precisamente as mesmas noções políticas e económicas surrealistas dos líderes que seleccionam democraticamente?

A que se devem, então, tais comportamentos tão díspares? A principal razão que justifica estes aparentemente inconjugáveis aspectos é a errada e perigosa noção, presente numa vasta fatia da população, de que a prática de políticas económicas socialistas recairá essencialmente sobre os outros elementos da sociedade e não sobre si mesma. Contrariamente à fachada da propaganda tradicional, a maioria dos eleitores de partidos tendencialmente movidos pela lógica da redistribuição social e do intervencionismo estatal cede o seu voto na esperança de melhorar as suas condições pessoais e não propriamente com a intenção de suportar despesas alheias. Não deixa, portanto, de ser irónico que o grande sucesso do socialismo no mercado das ideias políticas se deva à defesa que os eleitores fazem dos seus próprios interesses individuais, precisamente o oposto a que se propõe a sua retórica, cuja cartilha incide de forma persistente na pouca importância que estes representam face ao colectivo e aos enigmáticos desígnios comuns. A constatação deste facto é facilmente confirmada pela ideia bastante popular de que devem ser os ricos a pagar impostos e os pobres a receber subsídios. O cerne do problema origina-se, inevitavelmente, na dificuldade de encontrar alguém que, de acordo com o seu próprio referencial relativo, não se considere pobre. Na generalidade, a maioria julga-se no direito indiscutível de ser subsidiada mas quase ninguém (se alguém de todo) deseja contribuir vivamente para que tais projectos sociais sejam exequíveis.

Este fenómeno sociológico é particularmente extraordinário e preocupante, visto que se tratam exactamente das mesmas pessoas que se sentem molestadas por todas as estruturas burocráticas criadas para satisfazer os seus desejos de regulação incessante sobre as actividades económicas (incluindo as legislações laborais) e também as mesmas que demonstram ser ardentes defensoras do investimento público e da lógica do subsídio, ainda que pratiquem a fuga fiscal sempre que possível e evitem ao máximo fornecer ao Estado informação que de outra forma lhes seria claramente desfavorável.

Obviamente, sempre existirão os que preferem o método de funcionamento deste esquema, por hipocrisia própria ou, simplesmente, pelo desejo de viver num regime de socialismo selvagem em que todos dizem contribuir solenemente para uma hipotética causa comum e, em simultâneo, batalham entre si por extrair dessa mesma causa o máximo possível à custa dos que estão impossibilitados de o fazer. Escondida sobre a pretensa promoção da igualdade social, a naturalidade das suas consequências é absolutamente previsível, sendo a única forma de pôr fim a esta espiral destrutiva uma consciencialização dos mais honestos sobre a incoerência que representam todas estas práticas ideológicas quando aplicadas à sociedade e à natureza humana tal como a conhecemos.

Se se deseja, efectivamente, o melhor, tanto para nós mesmos como para os outros, a forma mais natural, justa e moral de o fazer é através do respeito por princípios basilares de qualquer sociedade próspera como a propriedade privada e a iniciativa individual.

[Agradecem-se, desde já, as simpáticas referências feitas no Blue Lounge, O Insurgente, O Observador, A Arte da Fuga, docontra e Bodegas]

Monday, June 05, 2006

Utilitarismo socialista vai perdendo pontos

Less is more de Constantin Gurdgiev:

«When it comes to government spending, less is more. Less government spending and involvement in the economy - both in terms of regulatory interference and taxation burden - are associated with higher rates of economic growth, better productivity and more diverse markets for products. This is supported by country-specific evidence and several long-running international indices ranking economic environments.

To discount the benefits of the minimal government, the state-reliant opponents of free markets and personal freedom usually argue that while less government may indeed mean more economic prosperity, smaller governments deliver lower quality of public services. In doing so, supporters of the large welfare state usually point to the alleged lack of public services in the US - a myth hardly supported by reality. The supposedly contrasting social-services-in "rich" European welfare states are similarly mythical.

(...)

Overall, the study concludes that "It may be surprising, even counter-intuitive, to find that countries with leaner governments spend more on health and education than those with larger governments (and have been growing that expenditure at a faster rate), that they have a better standard of living, better employment records and similar spending on income support. But the data... should give policy-makers some confidence in arguing [that] ...the leaner governments clearly benefit their citizens more than the narrow illusory benefits offered by larger governments."

The lesson is a simple one. If the real objective of European governments is to improve social and personal well-being, they should lower taxes, cut state spending and let the private sector do its job.»

Resumo:

The bigger the better? Evidence of the effect of government size on life satisfaction around the world (WIF - Institute of Economic Research) [pdf]
  • Life satisfaction actually decreases with higher government spending.
  • This negative impact of the government is stronger in countries with a left-leaning median voter.
  • It is alleviated by more effective governments -- but, crucially, only in countries where the state sector is already small.
The case for reducing business taxes (Centre for Policy Studies) [pdf]
  • In lower-spending countries, per-capita income was on average 12 per cent higher than in larger-government countries.
  • More importantly, the gap between the two types of economies is widening -- real gross domestically (GDP) grew more rapidly in the leaner countries.
  • Leaner governments reduced their tax and other receipts, as a proportion of GDP, by an average of 6.5 percentage points over the last two decades while larger governments grew their tax and other receipts by an average of 4.8 percent.
  • At the same time, between 1997 and 2005, it grew at an average annual rate of 4.1 percent in the former group of countries compared to 1.9 percent in the latter.

Saturday, June 03, 2006

Our man in Havana

Mota Amaral critica desumanização da sociedade

«O ex-presidente da Assembleia da República, Mota Amaral, criticou hoje as alterações dos ritmos de vida das pessoas “ditadas pelo lucro e competição”, apelando a uma reflexão da sociedade sobre o assunto.
(...)

Marcelo Nuno deu o exemplo da significativa expansão da rede de auto-estradas no país e afirmou que os portugueses dispõem hoje de mais oportunidades para o turismo e o lazer. Admitindo que esta versão possa corresponder, em termos estatísticos, à actual realidade de Portugal nesta área, Mota Amaral, mais céptico, advertiu que “resta saber até quando” as pessoas têm mais tempo para as actividades ligadas ao lazer.

“Chegamos esgotados a casa”, referiu, lamentando que quem trabalha tenha vindo a perder, nas últimas décadas, a possibilidade de ter uma refeição com a família, dado passar muitas horas nas empresas e serviços públicos.

O ex-presidente do Parlamento disse que “resta saber quem é que ganha com isto” – “uma sociedade virada para o lucro e a competição” –, sugerindo que “há algumas reflexões a fazer” neste capítulo. “Estamos a fazer parte de uma máquina da qual não tivemos os benefícios ao nível humano”, acentuou.»

O maravilhoso (sic) mundo do socialismo abstracto é algo deveras fascinante e extraordinário. É compreensível e concebível que alguém possa não gostar do lucro e da competição que existem naturalmente nas sociedades mas assim como o capitalismo não tem o direito de exigir que todas as actividades em que os cidadãos se envolvam sejam necessariamente lucrativas (aliás, é parte da liberdade concedida pelo sistema capitalista), não têm os seus detractores qualquer espécie de direito em requerer que as pessoas não obtenham lucro com o seu trabalho ou que este mesmo lucro seja regulado e penalizado, que é o que acontece em todas as sociedades autoritárias.

Mota Amaral parece sentir-se muito céptico perante a legitimidade da existência de lucro nas actividades económicas mas esquece-se de avaliar as consequências da sua abolição, deixando o seu agrado pela sovietização da sociedade funcionar de forma auto-justificativa para que todos aqueles que, de alguma forma, se sintam incomodados pelo sucesso individual de outros, se familiarizem com esta espécie de propaganda ideológica - coisa que, num país como Portugal, onde o ódio pelo sucesso alheio é generalizado, se revela bastante eficaz.

O lucro, quer se goste dele ou não, é o motor do desenvolvimento dos países e a própria razão da actividade económica. Os empresários não fariam investimentos se não existisse a possibilidade de lucrar com a aplicação do seu respectivo capital acumulado. As pessoas não trabalhariam se tal não se revelasse como uma forma de sustento. Sem a existência de lucro, deixa de existir iniciativa individual e, principalmente, deixa de existir razão para trabalhar porque não há nada a ganhar (lucrar) com isso. O mesmo se aplica à concorrência. O que é defendido nestas declarações é que as empresas devem oferecer serviços que os clientes não desejam, ou seja, que se devem deixar arrumar, indefinidamente, num nicho de mercado contra sua vontade ou mesmo falir. Se bem que a ideia seja terrivelmente difícil de compreender para quem tem preconceitos prévios (e irrealistas) sobre as transacções quotidianas, a concorrência do meio empresarial é a consequência natural da luta pacífica entre as diversas companhias para obter a melhor satisfação do cliente em relação aos seus concorrentes. Claro que, se esta concorrência ("excessiva") for bloqueada, estamos a interferir no processo natural de escolha do cidadão e na actividade típica dos mercados que consiste em seleccionar o sucesso das actividades empresariais de acordo com os critérios de qualidade definidos (subjectivamente) pelas mesmas pessoas que servem.

Alguém devia informar Mota Amaral de que a utopia distopia comunista com que ele sonha teve resultados extraordinários em vários locais do mundo. Claro que morreram vários milhões de pessoas (muitas delas à fome porque a comida é/era racionalizada pela benevolente administração central) mas o que importa isso quando se conseguiu uma sociedade sem lucro e sem concorrência? Não passa também despercebida a utilização da falácia já comum de que as pessoas têm cada vez menos tempo de lazer. Para começar, cada um define pessoalmente a quantidade de lazer que se lhe adapta, dentro das suas possibilidades, e, depois, Mota Amaral parece esquecer que antigamente a maior parte das pessoas trabalhava horas diárias a fio para conseguir garantir a auto-subsistência. A prova viva de que a liberdade - mesmo que estrangulada - tem efeitos positivos na sociedade é a diminuição do número médio de horas de trabalho por semana (coisa que, em geral, é erradamente atribuída à acção dos sindicatos), o aumento significativo da idade a que se começa a trabalhar e a inegável melhoria do nível de vida proporcionado pela miríade de possibilidades que existem actualmente. Assim, fica na dúvida o que se quer dizer exactamente com a falta de «benefícios ao nível humano», sentença que certamente estará baseada no pressuposto também falacioso de que é o Estado quem ajuda a sociedade e não a sociedade quem se ajuda a si própria. Fica, também, misteriosamente por esclarecer de onde vem o dinheiro que o Estado usa e a probabilidade de encontrar um fato tão bonitinho com uma gravata tão bonitinha num país onde a indústria têxtil não obtivesse lucro nem estivesse sujeita a concorrência...