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Saturday, June 03, 2006

Our man in Havana

Mota Amaral critica desumanização da sociedade

«O ex-presidente da Assembleia da República, Mota Amaral, criticou hoje as alterações dos ritmos de vida das pessoas “ditadas pelo lucro e competição”, apelando a uma reflexão da sociedade sobre o assunto.
(...)

Marcelo Nuno deu o exemplo da significativa expansão da rede de auto-estradas no país e afirmou que os portugueses dispõem hoje de mais oportunidades para o turismo e o lazer. Admitindo que esta versão possa corresponder, em termos estatísticos, à actual realidade de Portugal nesta área, Mota Amaral, mais céptico, advertiu que “resta saber até quando” as pessoas têm mais tempo para as actividades ligadas ao lazer.

“Chegamos esgotados a casa”, referiu, lamentando que quem trabalha tenha vindo a perder, nas últimas décadas, a possibilidade de ter uma refeição com a família, dado passar muitas horas nas empresas e serviços públicos.

O ex-presidente do Parlamento disse que “resta saber quem é que ganha com isto” – “uma sociedade virada para o lucro e a competição” –, sugerindo que “há algumas reflexões a fazer” neste capítulo. “Estamos a fazer parte de uma máquina da qual não tivemos os benefícios ao nível humano”, acentuou.»

O maravilhoso (sic) mundo do socialismo abstracto é algo deveras fascinante e extraordinário. É compreensível e concebível que alguém possa não gostar do lucro e da competição que existem naturalmente nas sociedades mas assim como o capitalismo não tem o direito de exigir que todas as actividades em que os cidadãos se envolvam sejam necessariamente lucrativas (aliás, é parte da liberdade concedida pelo sistema capitalista), não têm os seus detractores qualquer espécie de direito em requerer que as pessoas não obtenham lucro com o seu trabalho ou que este mesmo lucro seja regulado e penalizado, que é o que acontece em todas as sociedades autoritárias.

Mota Amaral parece sentir-se muito céptico perante a legitimidade da existência de lucro nas actividades económicas mas esquece-se de avaliar as consequências da sua abolição, deixando o seu agrado pela sovietização da sociedade funcionar de forma auto-justificativa para que todos aqueles que, de alguma forma, se sintam incomodados pelo sucesso individual de outros, se familiarizem com esta espécie de propaganda ideológica - coisa que, num país como Portugal, onde o ódio pelo sucesso alheio é generalizado, se revela bastante eficaz.

O lucro, quer se goste dele ou não, é o motor do desenvolvimento dos países e a própria razão da actividade económica. Os empresários não fariam investimentos se não existisse a possibilidade de lucrar com a aplicação do seu respectivo capital acumulado. As pessoas não trabalhariam se tal não se revelasse como uma forma de sustento. Sem a existência de lucro, deixa de existir iniciativa individual e, principalmente, deixa de existir razão para trabalhar porque não há nada a ganhar (lucrar) com isso. O mesmo se aplica à concorrência. O que é defendido nestas declarações é que as empresas devem oferecer serviços que os clientes não desejam, ou seja, que se devem deixar arrumar, indefinidamente, num nicho de mercado contra sua vontade ou mesmo falir. Se bem que a ideia seja terrivelmente difícil de compreender para quem tem preconceitos prévios (e irrealistas) sobre as transacções quotidianas, a concorrência do meio empresarial é a consequência natural da luta pacífica entre as diversas companhias para obter a melhor satisfação do cliente em relação aos seus concorrentes. Claro que, se esta concorrência ("excessiva") for bloqueada, estamos a interferir no processo natural de escolha do cidadão e na actividade típica dos mercados que consiste em seleccionar o sucesso das actividades empresariais de acordo com os critérios de qualidade definidos (subjectivamente) pelas mesmas pessoas que servem.

Alguém devia informar Mota Amaral de que a utopia distopia comunista com que ele sonha teve resultados extraordinários em vários locais do mundo. Claro que morreram vários milhões de pessoas (muitas delas à fome porque a comida é/era racionalizada pela benevolente administração central) mas o que importa isso quando se conseguiu uma sociedade sem lucro e sem concorrência? Não passa também despercebida a utilização da falácia já comum de que as pessoas têm cada vez menos tempo de lazer. Para começar, cada um define pessoalmente a quantidade de lazer que se lhe adapta, dentro das suas possibilidades, e, depois, Mota Amaral parece esquecer que antigamente a maior parte das pessoas trabalhava horas diárias a fio para conseguir garantir a auto-subsistência. A prova viva de que a liberdade - mesmo que estrangulada - tem efeitos positivos na sociedade é a diminuição do número médio de horas de trabalho por semana (coisa que, em geral, é erradamente atribuída à acção dos sindicatos), o aumento significativo da idade a que se começa a trabalhar e a inegável melhoria do nível de vida proporcionado pela miríade de possibilidades que existem actualmente. Assim, fica na dúvida o que se quer dizer exactamente com a falta de «benefícios ao nível humano», sentença que certamente estará baseada no pressuposto também falacioso de que é o Estado quem ajuda a sociedade e não a sociedade quem se ajuda a si própria. Fica, também, misteriosamente por esclarecer de onde vem o dinheiro que o Estado usa e a probabilidade de encontrar um fato tão bonitinho com uma gravata tão bonitinha num país onde a indústria têxtil não obtivesse lucro nem estivesse sujeita a concorrência...

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