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Friday, October 13, 2006

Et pour cause

O prémio Nobel da Literatura foi ontem atribuído a Orhan Pamuk. Este ano proporcionou mais um exemplo de uma tendência que já nem os próprios meios de comunicação social tentam dissimular. Ao longo do dia, todas as notícias que chegaram davam conta de que o vencedor deste ano se chamava Orhan Pamuk e era turco. Depois desta breve introdução, passavam de imediato a explicar que Orhan Pamuk era um lutador pelo reconhecimento, por parte da Turquia, do genocídio arménio e curdo ocorrido durante a Primeira Grande Guerra. Diziam que tinha estado envolvido em processos judiciais devido às suas afirmações contra a Turquia, dando-lhe uma imagem de perseguido político que mais o fazia parecer com uma versão masculina de Aung San Suu Kyi. Referiam também que era um escritor que frequentemente discorria sobre o dilema turco da tensão entre o secularismo e a religião e o binómio ocidente/oriente.

Sobre livros do autor, muito pouco. Muito menos sobre os seus títulos ou sobre o seu conteúdo, o estilo narrativo, a densidade psicológica dos personagens ou sequer a dimensão e significado da sua carreira e obra em geral. Na página inicial da Fundação Nobel, ao contrário dos outros prémios em que é listada a razão específica da atribuição (até o da Paz...) diz-se apenas que se trata do primeiro turco a ser galardoado, como se isso por si só fosse a razão do prémio.

É, portanto, muito difícil que as pessoas que constantemente tentam demonstrar o suposto sectarismo dos que afirmam que há uma inclinação política na atribuição do prémio Nobel da literatura neguem que esta existe realmente. Se há realmente um consenso internacional sobre os autores que apenas os críticos não vêem, então não haveria qualquer necessidade de descrever quase sempre os autores premiados como polémicos. Aliás, os próprios autores não disfarçam a importância desta característica. Harold Pinter no ano anterior dizia que era provável que o seu activismo político o teria auxiliado na conquista. Na Turquia, comenta-se que Pamuk terá levantado a questão do genocídio para se tornar um candidato mais apetecível ao prémio Nobel. Quando soube de que o tinha ganho este ano, reagiu dizendo que considerava a escolha do seu nome como uma mensagem para os defensores do "choque de culturas".

Claro que não há razão pela qual um prémio não possa ser atribuído a alguém que seja politicamente activo mas o contraditório é chamar-lhe Nobel da Literatura quando os critérios do comité parecem ser as posições políticas dos autores, a sua origem e as causas pelas quais lutam, ao mesmo tempo que são precisamente estas caractéristicas que os próprios meios de difusão já não sentem pudor em exaltar acerca dos autores, ignorando quase por completo a justificação formal da atribuição da distinção.

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Nota: No mesmo dia, França ficou menos livre. Agora negar o genocídio arméniodireito a multa de milhares de euros e prisão.

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