:: Texto publicado a 24 de Novembro na revista Dia D ::
A condenação da desigualdade de rendimentos continua a marcar severamente o discurso político da actualidade, surgindo de forma assídua em apelativos artigos de imprensa ou mesmo constituindo, academicamente, uma forma regular de análise através da qual se dá uma maior relevância aos métodos de criar uma distribuição tendencialmente mais uniforme, numa visão normativa e presumivelmente ética da sociedade, do que ao estudo objectivo e estatístico da ordenação da riqueza em si e dos factos com ela relacionados.
Referir que o capitalismo é responsável por tais disparidades é normalmente o lugar comum que serve de explicação a uma realidade que se revela sempre muito mais complexa do que os modelos simplificados que lhe desejam atribuir. Na verdade, os países com maior discrepância de riqueza entre os seus cidadãos são tudo menos capitalistas, e não existe razão alguma para que países mais livres não possam apresentar um nível de igualdade de rendimentos naturalmente superior aos restantes – o que há, no entanto, a frisar é o historial dos que se tornaram, em termos absolutos, mais pobres por insistir nesta redistribuição homogeneizadora através da coerção.
Um dos problemas de origem epistemológica que é particularmente relevante nos países mais economicamente livres, já que, nestes casos, a estatística se torna bastante enganadora por ser impossível mensurar o efeito da característica que mais influencia os resultados – a individualidade – é distinguir o que é resultante do desejo próprio. Parte das desigualdades observáveis são uma medida das diferenças existentes entre as diversas pessoas que compõem a sociedade; não só como o resultado de uma acumulação de singularidades providenciadas por via hereditária e legado patrimonial transmitido entre gerações, mas porque estas efectuam diferentes escolhas consoante as suas próprias intenções, ambições e circunstâncias pessoais, o que afectará directa e voluntariamente a riqueza produzida.
Por regra, os pioneiros da formatação social sentem-se incomodados com este facto porque a sua intenção se revela não ser verdadeiramente a redução da pobreza em termos de absolutos, mas a sua diminuição em termos relativos, i.e., combater a riqueza diferenciadora de forma a eliminar a ostentação de um estatuto social que é necessariamente comparativo, o que explica a sua relutância em admitir o facto, também evidente nas tendências migratórias, de que os mais indigentes de todos vivem melhor em países mais ricos. Muitas destas conclusões derivam de tradicionais variantes da falácia de soma nula, que infere que para alguém ganhe, outro terá de perder, mas o principal problema desta interpretação situa-se no escasso reconhecimento de que a redistribuição forçada de riqueza danifica largamente a sua própria formação, tanto por redução do encorajamento ao negócio por parte do investidor e distorção do incentivo à produção por parte de quem cria, como por desperdício e outras consequências provenientes da sua execução administrativa, o que tem um efeito pernicioso na sociedade, especialmente nos que mais pretende auxiliar.
Porque se algum direito assiste naturalmente a todos – o de possuir a oportunidade de se tornar mais abastado sem, contudo, o retirar aos seus concidadãos – o que se encontra verdadeiramente em causa não é a transição para uma maior igualdade de rendimentos em si, mas uma progressiva desigualdade de liberdades consagradas, uma vez que uma pessoa de reduzida remuneração que defenda a existência de um sistema fiscal cuja razão de ser é a transferência massiva de riqueza dificilmente manterá a coerência de defender a mesma solução se a sua situação financeira se inverter subitamente. A lei deve ser inequivocamente baseada numa condição de igualdade efectiva de todos os cidadãos perante si, independentemente da sua origem e das suas diferenças, e não na promoção de um conceito fabricado que os divida em categorias distintas. A menos, claro, que o egoísmo gerador de direitos relativos, a extorsão, a invídia e o dualismo político possam constituir o corpo de justificações lógicas de um sistema económico.